Portugal recebeu recentemente o primeiro sinal favorável de uma agência
de notação financeira em 15 anos: a S&P veio subir as perspectivas
para o rating da dívida portuguesa de
negativas para estáveis.
Depois da emissão de dívida pública a 5 anos em
Janeiro último, uma nova etapa positiva foi superada na espinhosa trajectória
que teríamos sempre que cumprir para ambicionar melhorar o nosso futuro.
Goste-se ou não das agências de rating,
achemos ou não que são incompetentes (e que deixaram, no passado, que a crise
financeira internacional, por exemplo, lhes rebentasse bem debaixo do seu nariz
sem que o tivessem minimamente previsto), a verdade é que elas são
incontornáveis, as suas opiniões e análises são globalmente escutadas e a
melhor forma de um país ou empresa não estar sujeito à sua ditadura é “não se
pôr a jeito” (como aconteceu, por exemplo, com Portugal). Considero, por isso,
muito relevante o sinal enviado pela S&P, uma das três mais importantes
agências de notação financeira do mundo (as outras são a Moody’s e a Fitch).
É verdade que a notação continuou a ser a mesma (BB,
nível considerado “lixo”) – mas, enfim, pelo menos desapareceu o risco imediato
de voltar a descer (o que fez os
juros da dívida pública portuguesa acentuarem a tendência de queda que já
vinham experimentando, contribuindo para tornar mais provável o regresso pleno
de Portugal ao financiamento nos mercados a breve trecho).
a razão de fundo para esta melhoria de outlook, dado o compromisso total do
Governo no cumprimento das reformas estruturais e orçamentais subjacentes ao
Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF), reside no apoio dos
credores e dos parceiros europeus. Como? Pelo ajustamento do ritmo de consolidação orçamental (leia-se um prolongamento
dos prazos para cumprir as metas do programa) e também por uma extensão dos
prazos para o pagamento da dívida financiada pela Europa. Uma
consequência da deterioração da situação económica nacional e que, na opinião
da agência, “torna o processo de ajustamento de Portugal mais sustentável
económica e socialmente”, reduzindo o risco de que o País não cumpra o
programa.
Já para subir o rating da dívida pública portuguesa, a
S&P elege uma prestação das exportações melhor do que se espera, ou uma
recuperação significativa do investimento como factores críticos; ao contrário,
a diminuição do compromisso político para implementar o PAEF, ou um menor apoio
das instituições europeias ao programa, são factores que poderão fazer descer o
rating da dívida pública portuguesa.
Creio que, pelo menos desta vez, a S&P
acertou em cheio no alvo. O que se tornou ainda mais evidente depois de conhecidas as conclusões do sétimo exame regular da Troika (a decisão da S&P foi conhecida antes). Porquê? Porque grande
parte do PAEF português tem, hoje, pouco ou nada a ver com o inicialmente
desenhado: a recessão é muito maior; o desemprego atinge níveis considerados
impensáveis até há bem pouco tempo; a consolidação orçamental situa-se muito
aquém do previsto (apesar dos progressos em termos estruturais – ainda assim,
eles próprios bem inferiores ao projectado). Tudo isto com o Governo a mostrar
um compromisso total com as metas do Programa. E com a população portuguesa a
realizar tremendos sacrifícios, que superaram todas e quaisquer expectativas.
Não podem, por isso, deixar de ser retiradas ilações desta situação. E se o
País até já está excedentário nas suas contas com o exterior (o que nunca foi
previsto no PAEF original…), isso significa que famílias e empresas já
ajustaram – pelo que só faz sentido manter a austeridade na esfera pública.
Por outras palavras, falta reformar o Estado e redimensionar a despesa pública,
tornando-a sustentável. Mas, ao mesmo tempo, a sociedade deve ser aliviada do
enorme sufoco fiscal em que se encontra – o que aumentará a confiança, deixará
respirar um pouco melhor a economia e beneficiará as contas públicas. Faria
todo o sentido que os nossos parceiros europeus o percebessem – se estão
realmente interessados (e eu tenho a certeza que estão) no sucesso do nosso
PAEF. E que não insistissem numa receita que, apesar do total empenhamento
interno, não produziu, nem está a produzir, os resultados desejados – como já
todos perceberam.
A S&P subiu o outlook da dívida pública portuguesa devido ao apoio da Europa.
Sucede que o apoio até agora demonstrado – a revisão das metas orçamentais do
PAEF e a extensão do prazo para o pagamento dos empréstimos europeus – não é,
nesta altura, suficiente para, em face do que se soube da sétima avaliação da
Troika, continuar a garantir que, no fim, o PAEF acabará bem. Nem para que o
nosso rating seja subido, como todos desejamos. À deterioração acentuada das condições económicas e sociais
corresponde não só uma crescente dificuldade em conseguir cumprir as metas
orçamentais que continuam a constar do programa, como condições políticas cada
vez mais adversas (o consenso à volta do PAEF é, hoje, bem menor do que num
passado recente).
Nunca tanto como agora a responsabilidade esteve
nas mãos das instituições europeias e dos nossos parceiros. O cumprimento do
PAEF por parte de Portugal é inquestionável. O empenhamento do Governo e da
população portuguesa tem sido irrepreensível. Mas sem que as orientações
europeias de política económica se alterem, dificilmente chegaremos lá. Mesmo
conseguindo colocar-nos sob protecção do BCE (e temos feito tudo para o
alcançar). É tempo de sermos recompensados. Realmente. Sim, queremos cumprir o
PAEF e pagar a nossa dívida. Dêem-nos, por isso, condições para o fazermos.
Dêem razão à S&P.
5 comentários:
nunca votei no partido que provocou a bancarrota.
o seu meio-secretário-geral devia ter um pouco mais de respeito pelos contribuintes porque são eles que pagam a factura.
Caro Dr. Miguel Frasquilho,
Eu até gostaria de concordar consigo. Mas noto o seu desabafo "é tempo de de sermos recompensados".
Recebemos um suposto bónus de um ano adicional para cumprimento do défice. Pelas declarações da delegação da troika diria que foi tudo menos uma recompensa; antes um favor... Nada nas atitudes recentes dos nossos "parceiros" europeus me parece representar algum respeito pela performance do "bom aluno".
Assumir uma postura de "cãozinho obediente" como fizemos, não trazem reconhecimento a ninguém (perderia tempo com alguém que demonstrasse que não pensa pela sua própria cabeça?)
E pelo exemplo que vem agora de Chipre, não há que esperar alterações da postura dos Governos do Norte da Europa para Portugal.
PS1: É curioso relembrar, mantidas as devidas distâncias, que José Sócrates num primeiro momento em 2008/9, também aplicou acriticamente as "directivas" de Bruxelas, então de "Investimento Público! Investimento Público!"
PS2: Quanto às S&P deste mundo... acha mesmo que vale a pena perder tempo com elas, depois das "borradas" que fizeram...?
Subscrevo totalmente esta crónica do Dr-Miguel que muito aprecio pela sua indiscutível capacidade de análise!
Dr. Miguel Frasquilho:
1.- Era bom que assim fosse. Mas não se vê nada a médio prazo a não ser que se extingam autarquias, escolas secundárias, universidades, hospitais, limitação drástica das pensões ao máximo de 2500 euros, ...; preferiram violar a propriedade do salário,do rendimento.
2.- A Europa está velha meu caro, e desta vez sem dinheiro porque há trabalho, motivação, talento, ...noutros continentes.
Caro Miguel Fraquislho,
Conseguirá alguém explicar a obsessão em querer atingir um déficit público de 3% numa economia em recessão , quando isso é uma impossibilidade nas condições actuais ?
Porque é que os economistas deixaram a partir de 1992 de ter como principal prioridade o gestão do déficit externo e passaram a ter como obsessão um pouco fetichista o deficit publico e uma taxa de inflação máxima de 2%.
Será que o ensino da economia regrediu assim tanto em tão pouco tempo ?
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