Acabei de
ouvir uma reportagem no telejornal da RTP 1, serviço público, sobre a angústia, foi dito, angústia de os alunos do 4º ano irem fazer
exame numa escola diferente daquela que frequentam. A própria RTP, sempre politicamente correcta, titulou a peça Angústia para o exame. E os especialistas
entrevistados falaram do stress suplementar que a deslocação provoca. E uma distinta Federação, creio
que dos Pais, e não sei se das Mães ou dos Avós, perorou sobre os males e gravíssimos inconvenientes
de tal vil procedimento.
Como muitos, também
fiz exame da 4ª classe, exame na altura muito mais exigente do que um exame do 4º ano. E sobrevivemos, ao contrário do que hoje os especialistas anunciam para a novíssima geração. Os
alunos deslocavam-se à sede do concelho. Os mais afortunados iam na camioneta
da carreira; outros, se o horário não coincidia, levantavam-se de madrugada e iam
a pé, largos quilómetros. Poucos, pouquíssimos, iam no
carro de familiares ou de algum vizinho. Estreava-se roupa nova, que o exame
era acto solene e merecia o sacrifício dos pais. E muitos calçavam sapatos ou
botas pela primeira vez, substituindo os tamancos e as chancas.
Porque
não se conhecia a palavra, ninguém era atacado de stress; e, se o havia, era
dos professores, esses sim, com algum nervosismo, pois não gostavam de ficar
mal perante os colegas da vila. O professor sentia que a reprovação de um aluno
era a sua própria reprovação. E havia
prova escrita de manhã, com ditado, redacção, matemática, história, geografia,
eu sei lá. E prova oral, da parte da tarde.No fim,
era uma festa. Os mais abonados iam ao café festejar com uma
sande e laranjada, que era preciso refrescar do exame e do tempo quente, outros
com um pirolito. E regressava-se a casa na camioneta da carreira ou a pé, mais
uns quilómetros de volta. Agora, as
televisões, os psicólogos, os sociólogos, os especialistas de não sei quê, as associações de pais representadas por avós proclamam a angústia, o
traumatismo, a tensão. Os meninos tornaram-se flores de estufa. Cuidado, não
lhes sopre nem um ventinho ligeiro. É assim que os vão preparando para a vida.
Quietinhos no seu canto, que o Estado velará por eles.
Não há pachorra!
Não há pachorra!
10 comentários:
Não pude deixar de sorrir no decorrer da leitura deste escrito, caro Pinho Cardão! Recordo-me – a memória a longo prazo continua a ser muito mais forte que a de curto prazo – o lindo vestido que estreei no meu exame da quarta classe. Recordo-me porque não só gostava muito dele mas porque os cumprimentos foram tantos, até mesmo de uma professora, que, evidentemente, ficaram cimentados na memória! : ) Nervosa, estava, mas não fiquei traumatizada! Isto faz-me também lembrar que quando as crianças eram muito irrequietas e traquinas eram consideradas como tendo uma personalidade muito forte!!! ... quando, na maioria das vezes, eram mal educadas, teimosas, insuportáveis!!! : )
Eu tive que ir fazer o exame da 1a classe a uma escola pública porque quando entrei era mais novo do que aquilo que a lei permitia. E tinha 6 anos...
Isto é o retrato do país. Tal como aquela fotografia famosa do sujeito a cavar no buraco e 5 engenheiros e encarregados a ver, isto é assim em tudo. Se fosse para trabalhar não aparecia ninguém. Agora, como auem trabalha são os putos que vão fazer exame, lá aparecem 5 engenheiros por cada puto para opinar.
Eu ia descalço para a escola, a pisar geada e neve... no máximo, quando não estavam nas lonas, ia descalço.
E depois? O bom é que as crianças de hoje passem pelo mesmo? Ah e tal, antigamente é que era bom!!!
Não, antigamente era uma trampa. Dos meus sete irmãos, eu fui um dos dois (os mais novos) que foram estudar e tinha de percorrer o caminho de quilómetros para a escola nas condições que descrevi.
Se é para regressar a isto, então ponham lá o Botas outra vez no poder.
Acabei de ouvir, na TIVi 24, a notícia acerca do estudo que diz que no público se paga melhor aos trabalhadores menos qualificados e pior aos de topo.
Depois, disseram que um professor de uma escola pública ganha mais 600 euros do que numa escola privada. E aqui não percebi: (1) os professores são considerados trabalhadores menos qualificados? (2) eu conheço gente que é professora e ganha, líquidos, cerca de 1300 euros com cerca de 20 anos de trabalho. Isso significa que um seu colega, no privado, leva para casa mensalmente 700 euros?
Não acredito! Mas, se é assim, o que está mal é o vencimento do privado, não o do público.
A pé e descalço. Ao frio e à neve de Castelo Branco. Era bom aluno mandaram-me para a Escola Comercial onde era proibido entrar descalço.Fazia o trajecto de 3 kms 4 vezes ao dia. Há coisas muito boas mas também tenho recordações más.Vim para Lisboa, dormia em quartos. Deitava-se às 2 h para me levantar às 8h dessa forma, descobri logo, o quarto só servia para dormir. Agora vejo meninos e meninas indignados...
Ao visitar a página de novo, apercebi-me que apenas parte do meu comentário foi copiado e colado. Dificilmente se poderá detetar a ironia que quis transmitir.
Todas essas energias deviam ser canalizadas para a criação de programas – com pessoal suficiente e devidamente qualificado – que acompanhe os alunos que têm dificuldades, verdadeiras dificuldades no seu percurso escolar; que criem um ambiente conducente a uma pedagogia diferenciada na sala de aula, onde possam individualizar o processo de ensino-aprendizagem de que tantos alunos necessitam. E que as punições sejam aplicadas com todo o rigor que a lei permite para os que praticam atos de violência e de intimidação (bullying) que parece estar a alastrar desmedidamente. E que os professores sejam mais exigentes na forma como são tratados tanto por parte dos administradores como por partes dos alunos e respetivos pais.
Por aqui fico... : )
Estava a ler este post e a recordar-me exactamente do que se passou comigo!E, no fim, até fiquei aprovado "COM DISTINÇÃO", o que era a suprema felicidade não só para os alunos como, e sobretudo,para os professores!
O que o caro Dr.Pinho Cardão descreve é a mais pura das realidades de outrora e de hoje!Não querendo voltar aos tempos idos,também não me revejo nestes politólogos,sociólogos e quejandos. E até já bisavô!
Parabéns,dr.Pinho Cardão!Há quem saiba transmitir a realidade duma forma brilhante!
Muito obrigado, caro Albérico Lopes.
Claro que recordar esses tempos não significa o regresso ao que houve de mau, e muito foi, no passado.
Mas o que não podemos aceitar é que a ideia do politicamente correcto imponha que tudo esteja bem agpora. Não está. E os educandos de agora serão, em breve, as vítimas das muitas idiotices educativas actuais e do experimentalismo tecnocrático (ou burocrático?)do M.Educação que os Ministros têm dificuldade em remover.
Pinho Cardão, desde Roberto Carneiro que o ensino tem vindo em derrapagem acelerada, havendo a destacar, pelo seu caráter profundamente nefasto, os consulados de Benaventes, Rodrigues e afins.
A situação é muitíssimo grave, pelo que me vou apercebendo, que não é percetível para muita gente de bem (sem qualquer traço de ironia) que tem os filhos protegidos no ensino privado.
Por último, li há dias uma entrevista de um alto funcionário da Educação na Finlândia e, entre muita outra coisa (formação e contratação de professores, apoios aos alunos, organização, etc.), fiquei com um número na retina: 12%! 12% é o que se gasta, em termos de PIB, com a educação finlandesa. Em Portugal, vamos a caminho dos 4%. Se juntarmos a isto o «eduquês» que Crato tanto criticou e com o qual, enquanto ministro, alinhou, estamos conversados.
Para mim, há alguns milhares de alunos que estão nas nossas escolas públicas, mas não deveriam lá pôr um pé. Antes, em instituições de reeducação ou na prisão. A violência grassa em muitas escolas públicas, perante a apatia de diretores, políticos e o desespero de muitos professores, abandonados à sua sorte.
Repito: não será o que se passa nas escolas frequentadas pelos filhos de boas famílias; é o que se passa na generalidade das escolas públicas. Por todo o lado... Ou alguém faz algo ou, quando dermos conta, temos uma malha de criminosos imparável.
Caro Roberto Rosenbrink:
Face ao que refere, e concordo, desde logo, com o que diz no 1º período do texto, acaba por confirmar que o problema do ensino público nada tem a ver com pseudo problemas como esse dos exames em escola diferente da que os miúdos frequentam.
Diz que a situação do ensino público não é perceptível por muitos, e também concordo. Com a grave consequência da profunda desigualdade que gera. O não haver liberdade de escolha da escola para a imensa maioria aprofunda a desigualdade de partida.
Mas quando se fala da criação dessa liberdade de escolha, logo entram em acção os defensores da escola pública, que nem podem ouvir falar em tal.
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