O julgamento do caso da criança que caiu numa caixa de esgoto alegadamente sem tampa ou protecção e foi encontrada morta em 1999 na estação de tratamento da Arrentela, que culminou na condenação do município do Seixal no pagamento de uma indemnização, terá de ser repetido.
A crer no que noticiam os jornais a razão da anulação do julgamento deve-se à circuntância de os registos magnéticos de algumas perguntas às testemunhas e parte dos depoimentos destas serem inaudíveis, impedindo que o tribunal de recurso se pronuncie sobre a bondade da sentença.
Não se pense que é este um episódio raro.
Acontece-me amiúde mudar de sala de audiências por causa das avarias continuadas dos equipamentos de gravação.
Ou esperar horas por um técnico para resolver um problema de captação (que nunca aparece).
Já passei pela caricata situação de ter de me deslocar do tribunal onde deveria decorrer a audiência, em procissão participada por juizes, restantes advogados, testemunhas e funcionários transportando o volumoso processo, para as instalações do Centro de Estudos Judiciários, solução de recurso para evitar mais um adiamento de sessão de julgamento por impossibilidade de gravação da prova, porquanto ali existia um aparelho que funcionava.
Lembro-me que nesse julgamento o stress e a irritação eram tais pelo facto de se chegar ao fim de 20, 30 minutos, uma hora de julgamento e se perceber que afinal...nada tinha sido registado, que eu e o Colega da parte contrária acertámos em dividir a despesa da aquisição de um gravador, manifestando ao Colectivo a mútua disposição de, naquela hora, nos deslocarmos ao Martim Moniz - onde existiu uma feira de rua na qual se transaccionavam aparelhagens de som - para definitivamente resolver o problema que ninguém se apresentava a resolver, oferecendo o aparelho ao tribunal!
A decisão desse julgamento (cujo processo se iniciou em 1993!) encontra-se hoje em fase de recurso. Adivinham qual é um dos fundamentos?
Poderia também contar aqui alguns episódios caricatos com a obtenção do depoimento de testemunhas pelo sistema de video-conferência instalado nos tribunais. Mas era pôr demasiado na carta...
O sistema de justiça terá, como todos os sistemas sociais, as suas grandezas e as suas misérias. Falar nas grandezas é um acto cada vez mais difícil porque as misérias são de tal forma gritantes que compreensivelmente obnubilam qualquer registo de elevação.
Voltando ao caso que deu mote a esta nota.
Sei bem quais "as regras do jogo" do sistema. É com elas que faço o meu dia-a-dia. Não ignoro, por isso, que a inaudibilidade dos registos magnéticos é obviamente razão para a anulação e repetição do julgamento.
Apesar de o saber, não consigo deixar de pensar que o facto é em si a negação da própria ideia de justiça, uma vez que ninguém poderá garantir que a prova que conduziu áquele resultado será reproduzida nas novas audiências. E, logo, que o resultado se repetirá...
E apesar destes anos todos a assistir a coisas destas, não deixo igualmente de imaginar a dor horrorosa que não terão tido aquela mãe e aquele pai na hora em que souberam que afinal não acabou, mal começou...
Por coisas destas gostaria eu de ver os chamados "operadores judiciários" a exercer com veemência o seu direito à indignação. Ou, por isto sim, a convocar para a greve. Por coisas destas...
7 comentários:
Agora há duas indemnizações a pedir. Uma do caso original, outra da anulação do julgamento do caso original. Não?
Adiantará alguma coisa a exposição pública destas misérias quando sabemos já todos, agora e com o brilhamte trabalho desenvolvido por um conjunto de jornalistas, na maior parte ignorantes destes problemas, acolitados por opinadores de ocasião, quando sabemos, dizia eu que a culpa destas coisas todas é da Justiça? Ou seja, e na opinião desses jornalistas e opinadores, dos magistrados?!
Não há nada a fazer.
O problema como todos já sabem de ginjeira é das férias a mais e do sub sistema de justiça. Ou seja, dos privilégios.
Mas o caro J.M Ferreira d´Almeida sabe muito bem que não é assim e que há muitos tribunais que nem salas de advogados têm e se têm é de uma dúzia de metros quadrados..
E que há muitos tribunais em que magistrados se amontoam em gabinetes. E que o sistema informático não é famoso e precisa de mudanças.
O problema, contudo, para este ministro é uma questão simples: é preciso acabar com os privilégios injustificados dos magistrados.
E o primeiro ministro, segue os passos do seu ministro e diz que pensa determinadas coisas de certos processos...e de certos procedimentos e queria mudar o PGR. E queria ainda mudar certas leis que o incomodaram.
Enfim, por mim acho que isto vai dar um estouro!
Um grande estouro, quando for claro e visível que esta gente não percebe o que anda a fazer e julga que com arrogância e pesporrência verbal colmata todas as deficiências.
Caro josé,
Quanto mais cedo der o estouro melhor. Mas se o tribunal não tem sala para advogados e a sala para advogados é precisa, então não faz sentido andar-se a gastar dinheiro em privilégios menos necessários que a sala, certo?
Caro Tonibler
Completamente de acordo consigo.
No estado em que se encontra o aparelho judiciário só estourando é que podemos modficar.
Hoje publicou-se o relatório do observatório da justiça sobre o estado actual dos juízos cíveis em Portugal.
Apenas um comentário: o sistema colapsou e põe directamente em causa a nossa actividade económica.
Se alguêm pensa que o processo da Casa Pia faz mossa na nossa imagem externa engana-se, o que faz mossa é o tempo que esse processo está a demorar e não os factos em si.
O mesmo se passa com a promoção externa do país como destino de investimento, no caos actual do aparelho judicário, ninguêm investe em Portugal. Como se uma dívida demora mais de um ano a ser cobrada?????
Se não percebermos isso e mudramos, bem podemos esperar...
Cumprimentos
Adriano Volframista
A justiça cível aparentemente colapsou.
Mas saberão exactamente porquê?!
O relatório aponta uma pista:
"burocratização e complexidade da legislação processual."
Isso é culpa dos privilégios dos magistrados e advogados?!
Reproduzo aqui um comentário que deixei algures:
"Quem recruta os funcionários?
O DGAJ!
Quem dá formação aos funcionários?
Ninguém...
Os magistrados podem escolher as pessoas que trabalham directamente com eles? Não. É o que sai na rifa.
Alguns nem um ofício sabem escrever e a culpa nem é deles, mas de quem recruta.
Alguns funcionários nunca ouviram sequer a palavra estenografia quanto mais saberem para que serve...
Algum órgão de poder político tem problemas destes?!
A Assembleia da República, o Governo ou a Presidência da República?
O problema contudo, é dos juízes. Sempre dos juizes, dos magistrados e nada, nada com os DGAJs e quejandos."
O dinheiro que se gasta não é só nos privilégios.
É principalmente em estudos legislativos que depois conduzem a becos sem saída e só contribuem para desprestigiar quem trabalha nos tribunais.
O sistema de Justiça assenta em vários paradoxos e é a sua descodificação que pode ajudar a percebê-lo melhor:
Os magistrados não tem poder para mudar as leis que são obrigados a cumprir.
Se estas leis se revelam ineficazes e contribuem decisivamente para a ineficiência geral, como aliás se comprova amplamente pela legislação executiva, a responsabilidade depois é atribuida, NÃO A QUEM A TEM, efectivamente, mas a quem é a face visível da aplicação das leis.
E basta uma pequena circunstância ligada à manipulação de dados estatísticos para se apresentar como facto consumado e irrefutável a responsabildiade dos operadores judiciários no colapso do sistema...
O paradoxo torna-se assim uma simples asserção de evidências espelhadas em notícias de jornal.
Se houvesse maior inteligência e maior alfabetização, ou para dizer mais suave, maior literacia, talvez as coisas melhorassem.
Assim, só pioram.
Quem alerta a opinião pública, em vez de informar, desinforma. Em vez de esclarecer, obscurece e depois é disto que se vê: um tonibler que aparentemente não é do sistema de justiça mas que o vê pelo lado que lho apresentam.
E esse lado não é famoso, deve reconhecer-se. Se a juntar a isso tudo, se denunciarem os privilégios dos juízes está o quadro completo, pois a invejosidade natural dos portugueses da função pública não admite que sejam os magistrados os "funcionários do Estado " que ganham mais...mas apenas ao nível de um dorector geral e sem as mordomias deste, entenda-se.
Haja esclarecimento público!
Fale-se de tudo!
Ponha-se tudo nos pratos da balança para ver se se faz Justiça e não mero juisticialismo como julgo ser o caso de algum jornalismo de causas e de alguns comentadores empenhados.
E se vamos entrar em demagogias, então democratizemos o diálogo:
Sabe o tonibler em quanto subiu a fatia orçamental para os gastos directos dos gabinetes ministeriais?
Sabe em quanto subiu ( se subiu...) a fatia do orçamento para obras no Ministério da Justiça?!
Falar é fácil...
oh, josé, desculpe lá... O valor que ambos os orçamentos deveriam ter, eu sei. É aquele correspondente à riqueza que entregam, ZERO!
O lado que me apresentam é esse, é o resultado final. Nem pode, em caso algum, ser outro. Se é da sala, do equipamento, do gasóleo, das velas, dos operadores, do carburador,...dos 730 mil funcionários a quem pago o ordenado, não há unzinho que saiba resolver a coisa? Pois, é isso que estou a fazer!
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