O post anterior assinado pelo Pinho Cardão é oportuníssimo não só porque comenta um facto actual e relevante, mas porque é aqui colocado numa das raras alturas em que se começou a falar da reforma do Parlamento. Para além de ser o testemunho qualificado de quem tem experiência vivida.
Concordo em absoluto com o que nele vem escrito e gostaria de contribuir com mais umas breves notas.
O grande problema das comissões parlamentares de inquérito é exactamente o que se resume na frase "as convicções com que partiram são sempre as convicções finais".
Desconheço o que é proposto sobre esta matéria na iniciativa de rever o modo de organização e funcionamento da AR. Mas seria bom que os senhores deputados, sobretudo os que levam o parlamento a sério, refletissem sobre as razões que levam a que se dê pouco relevo à sede da democracia representativa.
A figura do inquérito é uma das razões para o desprestígio do Parlamento, em especial junto de algumas élites que sabem que, em vez de instrumento de acompanhamento e fiscalização da actividade do Executivo, se transforma sempre numa forma de as maiorias, venerandas e obrigadas, obedecerem às conveniências governamentais.
Há que sublinhar, como bem o faz Pinho Cardão, que neste estado de coisas não há inocentes, sobretudo nos partidos do arco governamental. Convém a todos.
Há muito que concordo com a opinião daqueles que entendem que a composição das comissões de inquérito não deve ser um reflexo da relação das forças partidárias na Assembleia da República. A situação actual, de maioria absoluta obediente, acrítica e bem treinada no aplauso aos membros do Governo, só vem dar razão a quem assim pensa.
Não basta, todavia, diminuir o peso do Governo nas comissões de inquérito por interposta maioria. Teria outrossim de a Oposição encarar o inquérito como modo de apurar a verdade escorreita e objectiva, e não como arma política de arremesso e de mesquinha exploração de conjunturais fragilidades. Como também seria essencial que as oposições percebessem que os assuntos a inquirir devem ter a relevância e a dignidade suficientes para uma sindicância parlamentar a este nível.
Esta sim, deveria ser matéria para preocupar os órgãos de soberania, porque tem verdadeiramente a ver com a qualidade da democracia.
Ouço em tom alto manifestações de preocupação com as festanças parlamentares do 25 de Abril que será, dizem algum, necessário alterar. Respeitável a preocupação.
Mas recordo que há uns tempos, quando alguém lançou o tema da reforma do sistema político, redesenhando o sistema eleitoral e racionalizando, por exemplo, o modelo de governo local, perdeu-se tempo e energias a discutir que cadeira ocupa o governador civil ou o bispo nas cerimónias oficiais. Temo que mais interesse despertem temas deste jaez do que a elevação do trabalho parlamentar ou a melhoria do nosso desgastado, desacreditado e preocupantemente ineficaz sistema funcional da democracia.
Sobre isso, salvo quando os partidos de maior peso se entendem sigilosa e previamente, paira sempre um (significativo) silêncio par(a)lamentar...
13 comentários:
Uma sugestão:
Cada partido político com assento parlamentar teria direito aapenas e somente lugar a um voto na CI.
Não é grande coisa, mas é um ponto de partida para a transparência das CI's.
Eu acho (sem nunca ter entrado num parlamento, claro e por isso é apenas "achismo") que se sobrevaloriza o trabalho do deputado e se subvaloriza a sua resposabilidade democrática.
Eu, cidadão, não elegi ninguém para trabalhar, elegi para decidir. E, em primeira mão, quero que alguém se responsabilize pelas decisões ou tomadas de posição que assumem em meu nome.
Não quer dizer isto que o trabalho dos deputados enquanto orgão de soberania não seja importante, mesmo em comissões de inquérito. É fundamental em democracia, mas que seja feito como deve ser, isto é, tão bem como eu o faria. Para ser mal feito, então que não seja feito, foquem-se na decisão e deixem-se de execução.
Pelo que sei (e parte pelo que li aqui há uns tempos), há deputados que querem trabalhar no parlamento, outros nem por isso. Há lugar para todos em minha representação, mas que o façam bem.
Pronto, já achei.
Caro Tonibler:
Se fosse no Parlamento,alguém diria, e bem, "muito bem"!...
Ó Dr. Tóni!!
Então e o meu amigo acha que decidir não é trabalhar?
Decidir é a pior parte de um trabalho, por isso é que os grandes gestores são muito bem pagos.
Quem decide, é que mete a cabecita na guilhotina (embora em Portugal se costume praticar um desporto que é o "sacudir a água do capote", é quase tão popular como o futebol). Faz parte da responsabilidade de quem decide. É claro que, depois há os irresponsáveis mas, pronto.
Camarada anthrax,
Expliquei-me mal. A decisão no parlamento é colectiva, o voto é que é individual. Votar não implica trabalho, implica (ou devia implicar) consciência e responsabilidade. O deputado, por mim, até pode lá ir só às votações, desde que a sua forma de votar consciente represente a consciência daqueles que o elegeram.
Mais, onde é que andam os deputados camionistas ou operadores de "call centers" ? Pelo menos até há um bocado, isto não era um país de advogados. Nós não precisamos de fazedores de leis, precisamos de legisladores. E para isso a massa parlamentar não pode ser substancialmente diferente da massa social. Por isso se houver deputados que queiram fazer as leis, ou controlar serviços, ou o que quer que seja, bom. Senão, paga-se a quem sabe, mas os deputados que façam o essencial. E o essencial é fazerem reflectir sobre a causa pública o sentir do agregado social do país (xi, que sequência...).
Caro Pinho Cardão,
Obrigado.
MUITO BEM... caro Tonibler...
agora é que disse tudo!
Peço desde já desculpa, pelo inocentismo que a minha pergunta infere. Então caro Tonibler, para votar consciente e corentemente no seu assento parlamentar, não carece o Sr. Deputado de um estudo prévio e aturado acerca da matéria que vai votar?
Ou será bastante que leia os artigos de opinião nos jornais (da côr) e troque impressões com os seus pares de bancada, de gabinete e (ou) de partido?
Claro que nos assiste o direito a exigir desses deputados que votem bem, temos no entanto de ter a consciência que por muito rigorosa, honesta e isenta que uma decisão seja, inevitávelmente desagradará ou lesará alguem.
Como diz o pobõe... num é fácel agradar a Gregos e Troianos...
Caro bartolomeu,
Acho (sublinho novamente) que há espaço na minha representação para pessoas que votam pelo que estudam e pessoas que votam pelo que sentem. Se o deputado precisa de um estudo prévio e aturado da matéria que vai votar? Francamente, não. Se isso o faz votar de acordo com a sua consciência, bom, senão, mau. Se há alguém com uma iniciativa legislativa, cabe-lhe a "publicidade" da bondade das suas propostas para aprovação ou não dos seus pares.
Se conseguir ver um programa da BBC sobre a iniciativa legislativa "Higher standards better schools for all" do governo inglês (uma revolução no sistema educativo), o ministro fazia sessões de esclarecimento (fora do plenário) que eram frequentadas pelos deputados para entenderem o que estava em causa e os deputados recebiam os seus constituintes explicando-lhes aquilo que tinham ouvido e recolhendo a sua opinião. É apenas responsabilidade democrática que falta, não é estudo.
Caro Tonibler,
Não vou comentar a eficiência dos processos de votação em uso na sua representação. Porém, parece-me que votar por aquilo que são os sentimentos e as convicções pessoais, não substitui a necessidade absoluta de conhecer a fundo a matéria que se vota. Se assim for, corre o meu amigo e os seus pares de involuntáriamente votarem a solução que não serve de todo para resolver o problema.
Imagine o caro Tonibler que é nomeado administrador de uma empresa cuja actividade é de fabrico de componentes para montagem de satélites de transmissões. Mediante uma exigência do seu cliente, o meu amigo reune os chefes dos diversos departamentos, coloca a exigência do cliente e espera que a solução apresentada seja baseada naquilo que eles, os chefes de departamento sentem, ou no conhecimento técnico que cada um eles, obrigatóriamente deverá possuir?
Caro Bartolomeu,
Essa é a analogia que não pode ser feita. Uma empresa não é um país, por todas as razões e mais alguma, incluindo a questão da liberdade.
Sem dúvida que não caro Tonibler, referia-me à forma e não ao conteúdo. Apesar de, frequentemente sentir que o nosso país é gerido como se de uma mercearia se tratasse.
Sabe de uma coisa camarada Tóni, se quer que lhe diga eu acho que já chega de legislação. É uma perda de tempo legislar para tudo e mais alguma coisa e depois ou não aplicar nada, ou passar o tempo a arranjar maneira de fugir ao que se legislou.
Começo a perguntar-me se não seria preferível existirem somente uns "general guidelines".
Camarada Anthrax,
Vá dizer isso aos "pais do direito" para virem cá ver a linda coisa que armaram
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