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domingo, 22 de abril de 2007

Amizade: uma palavra pequena, muito "grande"

Recebi hoje um Livro que me deixou comovida, pela generosidade da dedicatória que o seu Autor me dedicou.
É uma daquelas situações que vão sendo raras e que por isso mesmo não estamos à espera e preparados que aconteçam, pelo simples facto de que, embora sabendo da amizade que nos une, já não é comum expressá-lo daquela maneira. De uma maneira singela, breve, com poucas palavras, mas bem escolhidas, bonitas, quentes, verdadeiras e, especialmente, do coração.
Realmente, vivemos um tempo em que o discurso da Amizade está muito ausente, quando a amizade é o essencial, o calor da vida. É nela que repousa um bálsamo essencial do nosso bem estar, porque feito de afectos, da certeza que os nossos olhares não nos enganam, que se tocam, como que numa comunhão de gostos, de sentimentos, de reflexos, de quereres e de vivências.
Mas a amizade não se busca, não se sonha, não se deseja: ela exerce-se”. Na verdade, por maior que seja o seu denominador comum – trazendo-lhes doçura e amizade – as pessoas devem dar-se conta do alto grau de tolerância e diferenciação com que têm que tratar-se. A proporção e o ritmo dos gostos e das tarefas geridas por um nunca é geometricamente ajustável aos do outro, e o tempo e a alma que um lhes dedica é, para além de quaisquer dúvidas, desigual aos do outro.
Ter esta realidade bem presente ajuda-nos a compreender a Amizade e o ganho que temos – nós e os outros – em respeitarmos as diferenças que nos unem na comunhão dos afectos.
A Amizade é uma virtude que devemos cultivar em todos os aspectos da vida. Se o fizermos saberemos decidir melhor por nós e pelos outros, com respeito, sensibilidade, verdade e afecto!
Gostaria de partilhar este pequeno e singelo conto que escrevi, num estilo de "criança", a fazer lembrar os meus tempos de garota. Sendo um conto pequenino, espelha o que me vai na alma sobre a Amizade:

Era uma vez um menino que gostava muito de ler e tinha um pisco. Sempre que lia, o pisco acompanhava-o, tão bem que virava a página do livro com o bico exactamente quando o menino chegava ao fim. O pisco voltava muitas páginas sempre com o seu ágil bico.
Viviam felizes. O menino adorava o pisco. Mas um dia o pisco, passadas horas de leitura intensa, disse-lhe:
- Estou muito cansado; podemos parar um bocadinho?
O menino estranhou. Perguntou ao pisco:
- Não compreendo; se gostas tanto como eu de ler e fazemos companhia um ao outro, porque é que estás cansado e eu não estou?
E o pisco respondeu-lhe:
- É que não somos exactamente iguais; além disso, hoje cantei muito e tive muitas coisas para fazer; os olhos fecham-se-me e tenho o bico dorido que já quase não me obedece.
O menino pensou. Tinha pena de não continuar a ler. E gostava tanto do pisco. Nunca poria em causa a sua honestidade e amizade. A culpa não era de ninguém: afinal as coisas eram assim mesmo.
E parou mesmo de ler. Ler sem o pisco, sempre a virar as páginas com o seu bico, não tinha tanto sentido.
Os dois continuaram nas suas longas leituras sempre felizes. Mas, daí em diante, o menino passou a conhecer melhor o pisco e a si próprio. Havia diferenças! Havia Amizade!

4 comentários:

CHEVALIER DE PAS disse...

Cara Margarida,
Então hoje parece que é o dia dos livros, comprei 3, foi um problema para me decidir qual devia começar a ler em primeiro lugar, após muita indecisão resolvi-me pelo que dizia uma obra-prima, fala sobre um outro sentimento igualmente importante, não resisto em partilhar uma parte absolutamente maravilhosa:

"O regresso, em grego, diz-se NOSTOS. ALGOS significa sofrimento. A nostalgia é portanto o sofrimento causado pelo desejo insatisfeito de regressar. Para esta noção fundamental, a maior parte dos povos europeus podem utilizar uma palavra de origem grega (NOSTALGIA, NOSTALGIA) e além disso outras palavras com raízes na sua língua nacional: ANORANZA, dizem os espanhóis; SAUDADE, dizem os portugueses. Em cada língua, estas palavras possuem um matiz semântico diferente. Muitas vezes significam apenas tristeza causada pela impossibilidade do regresso ao país. Recordação dolorosa do país. Recordação dolorosa do lugar. O que, em inglês, se diz: HOMESICKNESS. Ou em alemão: HEIMWEB. Em holandês: HEIMWEE. Mas trata-se de uma redução espacial da grande noção. Uma das mais antigas línguas europeias, o islandês, distingue bem dois termos: SÖKNUDUR: nostalgia no seu sentido geral; e HEIMFRA: recordação dolorosa do país. Os checos, a par da palavra NOSTALGIE vinda do grego, têm para a noção o seu próprio substantivo, STESK, e o seu próprio verbo: a mais comovente expressão de amor checa: STYSKA SE MI PO TOBE: tenho nostalgia de ti; não posso suportar a dor da tua ausência. Em espanhol, ANORANZA vem do verbo ANORAR (ter nostalgia), que vem do catalão ENYORAR, derivado por seu turno, da palavra latina IGNORARE (ignorar). A esta luz etimológica, a nostalgia aparece como o sofrimento da ignorância. Tu estás longe, e eu não sei o que te acontece. O meu país está longe, e eu não sei o que lá se passa. Certas línguas têm algumas dificuldades com a nostalgia: os franceses só podem exprimi-la por meio do substantivo de origem grega e não têm verbo para ela: podem dizer JE M'ENNUIE DE TOI, mas o verbo S'ENNUYER é fraco, frio e seja como for demasiado ligeiro para um sentimento tão grave. Os alemães raramente utilizam a palavra nostalgia na sua forma grega e preferem dizer SEHNSUCHT: desejo do que está ausente; mas SEHNSUCHT pode visar de igual modo tanto o que foi como o que nunca foi (uma nova aventura) e por isso não implica necessariamente a ideia de um NOSTOS; para se incluir na SEHNSUCHT a obessão do regresso, seria preciso acrescentar um complemento: SEHNSUCHT NACH DER VERGANGENHEIT, NACH DER VERLORENEN KINDHEIT, NACH DER ERSTEN LIEBE ( desejo do passado, da infância perdida, do primeiro amor)."
A IGNORÂNCIA - MILAN KUNDERA
que a mensagem encontre o seu destinatário...

Suzana Toscano disse...

Margarida, a amizade consegue sempre surpreender-nos, arranja mil e uma maneiras de se manifestar, só que muitas vezes esquecemo-nos desses pequenos gestos tão significativos e que fazem tão bem, como uma dedicatória num livro. Ou esperar que o pisco descanse um pouco...
Chevalier de Pas, fiquei muito curiosa desse livro, que belo excerto aqui trouxe!

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Caro CHEVALIER DE PAS
Excelente reflexão e "lição" que aqui nos trouxe.
É apaixonante o conhecimento do "berço" das palavras, dos seus usos, da sua evolução ao longo dos tempos e do seu significado.
É, a nostalgia é um estado de alma que pode conduzir ao sofrimento, pela saudade, pela ausência, pelo desconhecimento ou por um conhecimento que já vai longe, desfeito ou perdido no tempo...

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Cara Suzana
Cada vez sinto mais que as pequenas coisas são as maiores. Porque será?