O Presidente da República promoveu ontem uma conferência subordinada ao tema "Compromisso Cívico para a Inclusão", no âmbito do Roteiro para a Inclusão. Estas duas iniciativas tiveram o grande mérito de mostrar as magníficas obras de solidariedade social que existem por este País fora, os exemplos de mobilização de vontades e de recursos, as provas de responsabilidade e empenho, a extraordinária generosidade de tantos portugueses que se reúnem em torno de um objectivo superior: o combate à pobreza e exclusão social. Tiveram o dom de também evidenciar que a pobreza é uma realidade esmagadora, que não nos pode deixar indiferentes.
Estas iniciativas ocorreram num momento em que há uma consciência cívica e política e em que existe um sentimento generalizado e consensualizado de que o País necessita de "voltar de página". A prioridade do investimento deve agora centrar-se na competitividade e na coesão social. Acabou o tempo e a "febre" dos investimentos em maciças infra-estruturas, muitas delas faraónicas, totalmente desadequadas das realidades económicas e sociais locais, sem qualquer viabilidade de sustentabilidade. Acabou, por assim dizer, o tempo da "quantidade", agora é preciso trabalhar para a "qualidade".
A pobreza e a exclusão social são a outra face da moeda do progresso e da modernidade. Sabemos que a erradicação da pobreza só será possível com crescimento económico e com ganhos sustentáveis na qualificação. Mas enquanto tal não acontece – como não tem acontecido no passado ido e mais recente – é fundamental que os governos se empenhem eficazmente em políticas sociais activas que fomentem a inclusão.
A situação da pobreza em Portugal é dramática. As estatísticas mais recentes do Eurostat apontam para que em Portugal cerca de 20% da população esteja em risco de pobreza, ou seja, mais de dois milhões de portugueses estão abaixo do limiar de pobreza. E grande parte das famílias pobres tendem a permanecer nesta situação por longos períodos de tempo, o que revela a existência de problemas estruturais graves, pese embora o crescente aumento da despesa social, através das crescentes transferências sociais do Orçamento de Estado e do aumento das pensões, quer na base – mais beneficiários – quer em montante médio disponível.
Segundo um estudo apresentado pelo Prof. Carlos Farinha Rodrigues sobre distribuição do rendimento, desigualdade e pobreza em Portugal – apresentado na Conferência ontem realizada – Portugal tem o índice de desigualdade mais elevado da Europa e a distância que separa o rendimento médio dos 20% dos mais pobres do rendimento médio dos 20% dos mais ricos está acima da média europeia, ou seja 8,2 vezes mais em Portugal contra 4,9 vezes mais na União Europeia! Ainda segundo o mesmo estudo, no conjunto da União Europeia, as transferências sociais permitiram reduzir a taxa de pobreza de 26 para 16%, enquanto que em Portugal só permitiram passar de 26 para 20%!
O papel desempenhado pela solidariedade social num quadro tão desolador ganha uma relevância acrescida. Por isso somos todos chamados a contribuir para lutar contra a chaga social da pobreza, cada um e todos de acordo com a sua disponibilidade e os seus talentos e saberes, na certeza de que também no voluntariado temos que ser capazes de nos organizar de uma forma estruturada, para sermos mais produtivos e para que a nossa generosidade se concentre no essencial – as pessoas – e não se perca num mar de problemas de gestão e de organização.
17 comentários:
Se juntarmos ao que o KAOS diz:"
As populações mais pobres foram as que mais empobreceram nos últimos anos, indiciando um falhanço das políticas sociais dirigidas a este sector populacional, segundo dados apresentados hoje na conferência «Compromisso Cívico para a Inclusão». Segundo os dados apresentados, Portugal continua a ser o país da União Europeia com maiores níveis de desigualdade (41% contra os 31% da média comunitária a 25) e maiores níveis de pobreza.
Entretanto Cavaco Silva fez a defesa do empenho da sociedade civil no combate à exclusão social, por considerar que «o Estado já faz muito».
Vamos lá ver se eu entendo. O estado já faz muito e somos o país da EU com maiores níveis de desigualdade e pobreza. Isto é, o nosso Presidente descarta as responsabilidades do estado, “que já faz muito” e diz que somos nós que temos de fazer algo para resolver o problema. Estaremos a voltar ao velho tempo da caridadezinha?
tudo aquilo que se soube esta semana, aqui colocado em post pelo Pinho Cardão "as “receitas extraordinárias” de 2006 ascenderam a mais de 2.121 milhões de euros,...Estas receitas extraordinárias equivalem a 1,4% do PIB!...
Não foram essas receitas extraordinárias, que Sócrates e os Socialistas tanto criticaram a Manuela Ferreira Leite, e o défice seria 8.176 milhões de euros, correspondentes não a 3,9%, mas a 5,3% do PIB.
Este valor é superior ao valor apurado para 2004, era Bagão Félix Ministro das Finanças, que foi de 5,2%, não incluindo receitas extraordinárias(2,9% com receitas extraordinárias)!...,
o nosso presidente insiste em trazer para cena política a chamada "exclusão social"? Será que o País não vive uma das piores crises económica, política e social de sempre?
Será que Cavaco Silva não tem sobre isto uma palavra a dizer aos portugueses? Será admissivel que o Presidente deixe olhe para o lado e não alerte os portugueses das crises que vivemos e que tudo o indica se irão agravar?
Margarida,
As conclusões deste trabalho do Prof. Farinha Rodrigues vêm de encontro ao conceito de PLUTONOMIA que aqui procurei descrever em post de há cerca de três semanas.
Há alguns indicadores macro que sugerem um comportamento da nossa economia que se aproxima do modelo da plutonomia.
Com efeito, a persistência ou mesmo agravamento de alguns desequilíbrios, no quadro de uma política de "reformas difíceis" e de aparente contenção orçamental, pode encontrar resposta em dois factores:
1º) A contenção orçamental é mais aparente do que real, funciona sobretudo pelo lado da receita. O notável post do Pinho Cardão levantando o véu sobre o surpreendente peso das receitas extraordinárias em 2006 ilustra bem este aspecto.
2º) A concentração da riqueza e do rendimento em Portugal tem-se acentuado fortemente nos últimos anos, explicando que as tais políticas "reformistas",porque atingem sobretudo as classes com rendimentos mais baixos, acabam por ser pouco eficazes a nível macro. Com efeito, o aumento do consumo das famílias de mais elevados rendimentos (mais do que) compensa a perda de poder de compra dos primeiros.
Hoje encheram-me os ouvidos, e continuam, o Dr. Pinho Cardão não levantou véu nenhum, nem vai levantar, a economia portuguesa não está para "brincadeiras", pormenor esquecido pelo Dr. Pinho Cardão, meu caro Dr. Tavares Moreira ponto final parágrafo.
Nessa Conferência, Augusto Mateus afirmou que "as políticas públicas têm que ter um "território", sem o que são como as montras com produtos muito atraentes mas que nunca têm o número que nos serve..."
er
Caro ruy
Estamos de acordo que o País tem vivido uma das piores crises económica, política e social, mas também, e não menos grave, uma crise de valores.
Acho muito importante que o Presidente da República tenha colocado na agenda o tema da "exclusão social", o mesmo será dizer a pobreza. Porque não chamar as coisas pelos seus nomes? Há pobreza em Portugal, não nos iludamos!
A solidariedade social pode e deve ter um papel muito relevante na luta contra a pobreza, mas não pode, de forma alguma, desresponsabilizar o Estado das suas obrigações. Que são muitas e que a meu ver não têm sido cabalmente cumpridas. Ao apelo do Presidente da República de "Compromisso Cívico para a Inclusão" deve ser lembrado um compromisso político inadiável de luta activa contra a pobreza e exclusão social!
Dr. Tavares Moreira
Creio que o conceito de PLUTONOMIA tem toda a probabilidade de se aplicar a Portugal.
Os números da pobreza, que têm vindo a ser denunciados pelo Eurostat e que são apresentados em estudos realizados por reconhecidos investigadores e universidades, mostram que as medidas restritivas de política económica e orçamental atingem as classes de rendimentos muito baixos, com efeitos tremendos no seu rendimento disponível para fazer face à satisfação de necessidades básicas.
Não estaremos perante uma falência das políticas de distribuição de rendimento que temos vindo a adoptar ao longo do tempo? Como explicar uma tão flagrante desigualdade na repartição da riqueza? Não estaremos a criar um País mais pobre?
Suzana
De facto esquecemos que as políticas públicas necessitam de ter um "território".
No caso de Portugal, as estratégias de desenvolvimento regional devem ser diversificadas em função do posicionamento relativo de cada região, ou seja, de cada "território". O que exige, como refere o Prof. Augusto Mateus, o respeito da diferenciação dos objectivos a prosseguir, da natureza dos caminhos a percorrer, dos projectos a desenvolver, da intensidade dos apoios a obter e da orientação dos incentivos a conceder.
Parece, no entanto, que não tem sido assim...
Cara Margarida
Tem toda a razão quando diz que este quadro é desolador. Eu diria terrivelmente desolador.
Acredito sinceramente que a actual sociedade civil não tem força anímica para lutar contra este flagelo da pobreza.
Este evento de Santarém, pareceu-me mais uma feira de vaidades onde, alguns mamões em nome e representação de alguns“coitados”, marcaram presença.
Depois, está tudo bem assim, e nem poderia ser doutra forma, senão vejamos:
Temos um primeiro ministro que, perante a suspeição de fraude nas sua habilitações académicas, limita-se a dar explicações confrangedoras;
Temos um primeiro ministro que encareceu o acesso à saúde, fazendo com que os mais pobres a ela não tenham acesso por escassez de meios financeiros;
Temos um primeiro ministro que, em pouco tempo, destruiu uma certa classe média remetendo-a para a pobreza envegonhada;
Temos um primeiro ministro que faz uma reforma da função pública de forma atabalhoada, e não considera as pessoas que integram essa mesmo função pública, chegando a achar mesmo normal pagar dois terços do ordenado e mandar os funcionários para casa, desrespeitando o contrato firmado há décadas, entre esses funcionários e o Estado;
Temos um primeiro ministro que vem à TV prometer, com uma ligeireza inimaginável, habilitações literárias para todos, como se atribuir certificados de habilitações sem os conhecimentos inerentes, seja factor de desenvolvimento do país!;
E depois, depois de tudo isto, temos um Presidente, de ar hirto, que perante estas questões, nada diz, nada comenta!.
Acha que, com este descrédito todo nas instituições, a sociedade civil está atenta para se mobilizar para os problemas da pobreza?
Acha mesmo...que este país existe?
Até consigo aceitar que haja gente pura, bem formada e boa, que esteja na luta de forma superior e de peito aberto. Mas são tão poucos!.
E Pimbas!
Depois do comentário do Richard, pouco mais há a acrescentar excepto o facto, de que há mesmo pessoas sérias que estão na causa de «peito aberto».
Podem não ser muitas, mas alegra-me que existam.
Caro Richard, Caro Anthrax
O País vive uma grave crise, que tem na base uma crise de valores e uma crise, como muito bem referem, das instituições políticas e públicas.
Se a este estado de coisas juntarmos o flagelo da pobreza – que é real e não "virtual" como alguns querem fazer crer – não temos motivos para sorrir.
Aliás deveríamos estar todos muito preocupados, em especial o Governo.
A sociedade civil sofre, naturalmente, com este cenário deprimente. Mas também é verdade que é perante este mar de problemas que resulta mais evidente o seu apelo. O que a sociedade civil não pode nem deve é substituir-se às funções "garantia" que compete ao Estado assegurar. E o Estado tem falhado.
Não há discursos políticos que "limpem" esta crua realidade.
Mas é bom sabermos que há pessoas sérias e generosas que lutam por causas humanitárias. Anónimas mas reconhecidas pelo seu bem fazer. Existem mesmo...
Caros comentadores,
tecem-se nos vossos comentários, considerações acerca do que são e poderiam ser as posições e atitudes do estado e da sociedade civil (tem sido excluída destas considerações a religiosa)para combater o flagêlo da pobreza e da exclusão social. Falta identificar as causas deste estado de coisas. No nosso conhecimento figura um rol impressionante de motivos responsáveis, ou motivantes dessa realidade. Todos conhecemos quais são, mas imprudentemente, todos apontamos a sua resolução como sendo da responsabilidade do estado. No reinado de D.José I, portugal encontrava-se num estado económico e social calamitoso. A pobreza grassava, de uma forma mais contundente que a actual. Não existia agricultura, não existia comércio nem indústria, não se exportava, mendigava-se. Uma catástrofe e um homem salvaram o país. Todos sabem certamente do que falo e de quem falo.
Caro Bartolomeu
Acha, realmente, que "falta identificar as causas deste estado de coisas"?.
Realmente acho, cara Margrida.
Em minha opinião, o avanço que não se verifica na resolução de tão profundos problemas, deve-se em grande parte ao sistematico escamotear, ou para ser mais suave, ao sistemático dissimular de causas, originando assim que se concentrem os esforços possíveis em soluções que não vão ao âmago do problema. Criando aqui uma imagem, diria que o país é um doente com múltiplas úlceras, para as quais o médico vai receitando ligeiros unguentos, sem ter a determinação de apoiar o seu diagonóstico em exames concretos.
Caro Bartolomeu
O avanço de que fala não se verifica – tem toda a razão - porque há uma componente decisiva ligada aos "valores, atitudes e padrões de comportamento" que o impede. E para exemplificar o que quero dizer, o que nos deveria interessar era colocar "exigência" onde está "facilitismo", "excelência" em vez de "vulgaridade", "conhecimento" em lugar de "ignorância",...
Cara Margarida, concordo interiamente com a sua opinião, acrescentando um ponto, que, apesar de ligeiramente utópico, considero ser a mola impulsionadora para uma efectiva obtenção de resultados positivos, o amor ao nosso semelhante. Para além das boas-vontades, este condimento, é inteiramente necessário. De outro modo, é como um casamento por procuração, em que o esposo e a esposa só se conhecem por fotografia e por frases escritas.
Caro Bartolomeu
Totalmente de acordo. Sem amor não há a cumplicidade sentida de ajuda.
A solidariedade em que tanto acredito e que nunca me canso de falar e escrever distingue-se de tudo o resto pelo valor superior do amor ao próximo. Se este valor não estiver presente, então estaremos certamente a falar de outra coisa.
A solidariedade está na boca de toda a gente, que dela fala sem saber ao certo o que ela exige...
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