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sábado, 18 de abril de 2009

Alô, alô?


Ouvi hoje, na AESE-Escola de Direcção e Negócios, uma conferência do Prof. Aquilino Polaino com o tema “Saber Escutar”. Professor catedrático de Psiquiatria em Madrid e licenciado também em filosofia, o Prof. Polaino disse que estamos hoje a “construir um infinito jardim infantil”, povoado de jogos que entretêm as pessoas em vez de as deixar comunicar. O fundamento da comunicação reside no facto de todos necessitarmos de querer e de ser queridos, esse é um princípio antropológico indubitável, e por isso não se esgota no conhecimento, na troca de informações ou de palavras, tem que ter a componente afectiva. Quando se “navega” horas e horas na net só para ocupar o tempo, sem que a curiosidade da pesquisa seja dirigida e controlada, isso é o contrário da socialização e nunca pode substituir a necessidade de comunicar.
A comunicação implica racionalidade e afectividade e só existe verdadeiramente se associada ao saber escutar. Quando alguém fala, tem que haver identidade entre o que diz, o que pensa e o que sente, senão não está a implicar a sua identidade, está a fazer uma representação teatral, é um impostor, cria uma barreira entre si e quem o ouve e impede o entendimento.
Saber comunicar, neste sentido pleno, é essencial para manter as famílias unidas, para criar bom ambiente no trabalho ou nos negócios, para tudo o que implique partilha e confiança, a qualidade da comunicação implica que se queira escutar o outro, que se receba e procure descodificar as suas mensagens afectivas. Pode-se falar e ouvir horas e horas sem que se estabeleça comunicação, e todos nos lembramos de imensos exemplos em que sentimos isso.
Quem não sabe escutar não permite o entendimento, apenas a troca de palavras, monólogos sobrepostos que são geradores de conflito porque não se entendem razões nem se avaliam os argumentos e, por isso mesmo, suscitam logo respostas contrárias.
Não saber escutar torna as pessoas cada vez mais sós e mais infelizes, porque não são capazes de se pôr no lugar dos outros e consideram-se vítimas de tudo e de todos, causando também a infelicidade. As pessoas que não sabem escutar não sabem dar-se, não estão disponíveis para gostar de outras, do mesmo modo que não sabem acolher o que os outros querem dar.
Saber escutar desvenda a riqueza humana que há em cada pessoa, permite aprender com quem é completamente diferente e ensina também a valorizar e respeitar.
O Prof. Polaino, que foi psiquiatra também de população prisional e tem décadas de profissão, dezenas de livros escritos e centenas de artigos, que foi professor, médico e que conheceu e escutou todo o tipo de pessoas, terminou a sua conferência com uma afirmação surpreendente: “Nunca encontrei nenhuma pessoa na minha vida que não tenha mais coisas positivas que negativas – se a souberes escutar, seja quem for, verás que terá sempre pelo menos um aspecto em que sentirás que tem mais valor do que tu”.

4 comentários:

Bartolomeu disse...

Não poderia estar mais de acordo com as seguintes duas afirmações:"As pessoas que não sabem escutar não sabem dar-se, não estão disponíveis para gostar de outras, do mesmo modo que não sabem acolher o que os outros querem dar."
"Saber escutar desvenda a riqueza humana que há em cada pessoa, permite aprender com quem é completamente diferente e ensina também a valorizar e respeitar"
Desde os grandes mestres Gregos, Tibetanos e o nosso Grande Jesus Cristo, que estas máximas têm sido explicadas, mas raras vezes entendidas. Recordo-me quando ainda pequeno, querer falar enquanto falavam comigo e ser interrompido pela seguinte frase "quando um burro fala, o outro baixa as orelhas", mas ainda era pequeno e tinha muito para aprender. Contudo, reflectindo sobre esta questão, atribuo a "falha" do não saber ouvir, à falta de confiança na sabedoria alheia. Ou seja, parte-se frequentemente do princípio, muitas vezes falso, em minha opinião, que só devem ser escutadas as doutas palavras de alguem que sabemos ser possuidor de uma formação académica, ou de um posto de destaque. Raramente se possui a humildade necessária para dar atenção às palavras de um pedinte, às opiniões de um subalterno, muitas vezes porque não as conhecemos, ou porque o seu "aspecto" denuncia pertencer a um extrato social diferente. Auto-desculpamo-nos com falta de tempo, com falta de paciência (porque o fulano é um chato, ou porque não é capaz de falar com clareza).
Ha dias tive oportunidade de ver este clip da audiência de Susan Boyle no concurso musical britânico para novos talentos da música:
http://www.youtube.com/watch?v=9lp0IWv8QZY&feature=related
Percebe-se com toda a facilidade pela expressão inicial dos membros do júri e de espectadores na assistência, enquanto a Susana se apresentava, que existe a ideia pré estabelecida que a apresentação iria ser um fiasco. Porém, mal a Susana soltou os primeiros "trinados" as expressões alteraram-se, primeiro para o espanto, em seguida para o enlêvo, depois para a admiração, por último para a rendição. No final, o primeiro membro do júri a manifestar-se, declarou, que aquela tinha sido a maior surpresa que tivera em 3 anos de audiências, a menina do júri assumiu a vaga de cinísmo que tinha invadido quem estava ali sentado para "ouvir" admitindo com humildade que tinha sido um privilégio escuta-la, o 3º membro do júri acusando a incomodidade interior que sentia (esta coisa de se possuir uma consciência é tramada) optou por desanuviar o clima, utilizando o característico humor britânico e deixando o "ramalhete" mais composto.
Em 3 anos já tinha tempo para não se surpreender por ver emergir talento de pessoas, apesar dos 47 anos de idade (that's what in side of me ;-))).
Afinal para os sonhos não existe limite de tempo.

jotaC disse...

Cara Dra. Suzana Toscano:
Fique ciente que sabemos e queremos “escutar”. Sabemos e queremos (creio eu), escutá-los a todos, sem excepção.

“A comunicação implica racionalidade e afectividade e só existe verdadeiramente se associada ao saber escutar. Quando alguém fala, tem que haver identidade entre o que diz, o que pensa e o que sente, senão não está a implicar a sua identidade, está a fazer uma representação teatral, é um impostor, cria uma barreira entre si e quem o ouve e impede o entendimento.”

Estou de acordo, partindo do princípio de que a comunicação parte de um comunicador límpido, não impostor. Quando parte de um impostor (aqui permita-me discordar), nem sempre a comunicação cria barreiras de entendimento. A história é pródiga a dar exemplos de comunicadores impostores que conseguem criar afectividade, identidade e empatia. É claro que esta minha análise é abrangente, não se confina à comunicação com os grupos mais próximos.

“Nunca encontrei nenhuma pessoa na minha vida que não tenha mais coisas positivas que negativas – se a souberes escutar, seja quem for, verás que terá sempre pelo menos um aspecto em que sentirás que tem mais valor do que tu”.

Nada mais verdadeiro. Na realidade, quem sabe escutar tem muito aprender, porque, em rigor, ninguém sabe com precisão o valor, o conhecimento, e a grandeza daquele que comunica; quase sempre, descobrimos coisas que não sabíamos, ou particularidades singulares que gostariamos que fossem nossas. Comigo acontece isso.

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Suzana
É extremamente interessante reflectirmos sobre temas que são tão importantes para o desenvolvimento humano.
As pessoas têm necessidade de se abrir aos outros, de dialogarem e de comunicarem. Têm uma necessidade grande de se fazerem escutar, embora nem sempre saibam escutar os outros ou se esqueçam de que quem está do outro lado também quer ou precisa de ser escutado.
Escutar constitui, por assim dizer, uma manifestação de amor em sentido mais lato. Escutar implica uma atitude activa de atenção e de compreensão pelo outro, implica pôr de lado temporariamente os nossos quadros de referência e desejos, colocando-nos no lugar do outro.
Escutar é fundamental para que haja comunicação. Embora sendo uma necessidade para o desenvolvimento humano, parece que a sociedade está cada vez menos apta para escutar, antes concentrando as suas atenções no "jardim infantil" de que fala o Prof. Aquilino Polaino e prendendo-se às turbulências da sociedade mediática.

Suzana Toscano disse...

Caro bartolomeu, é como diz, " parte-se frequentemente do princípio, muitas vezes falso, em minha opinião, que só devem ser escutadas as doutas palavras de alguem que sabemos ser possuidor de uma formação académica, ou de um posto de destaque" ou seja, raramente estamos disponíveis para ouvir e além disso temos a presunção de achar que só alguns, poucos é que nos podem ensinar, com isso desperdiçamos imensas oportunidades de aprender.
Caro jotac, como comentador habitual aqui do 4r, tal como o caro Bartolomeu, já não temos dúvidas de que os caros são excelentes ouvintes e que muito temos ganho também a escutá-los,numa "dinâmica" de comunicação que se torna um verdadeiro prazer.
Quanto ao impostor, fiquei a pensar na sua observação e, de facto, há muitos exemplos de impostores que cativaram e mobilizaram multidões. Mas eles eram impostores porque se veio a ver que o que prometiam e o que se obtinha era muito diferente, mas quando falavam acreditavam no que diziam e queriam mesmo convencer as pessoas do valor das suas propostas. Ou seja,quando precisaram de conquistar, souberam comunicar, souberam convencer as pessoas de que lhes queriam bem e que eles próprios eram merecedores de confiança e estima. Quando dominaram já não precisavam de comunicar, passaram a ameaçar, prender e matar todos os que os contrariavam...Mas a sua observação merece mais ponderação, sem dúvida.
Margarida, sei que gostou também da conferência.