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segunda-feira, 6 de abril de 2009

Pata preta e pata branca - a história da Cabrinha e do Lobo revisitada


Abrimos os jornais e todos os dias saltam das páginas notícias sobre novas bases de dados, novas formas de recolher e cruzar informação, novos e sofisticados processos que garantem a segurança e até novas utilizações do GPS, por exemplo para monitorizar os movimentos das crianças e dos dementes, a juntar-se assim ao inovador controlo dos condenados através das pulseiras electrónicas. Tudo isto nos é apresentado como grande progresso na eficiência do nosso bem estar, tudo é para mais justiça e tranquilidade, a ciência, a técnica e a decisão política confluem generosamente para nos tirar de preocupações e riscos.
Estas e outras notícias fazem-me lembrar com cada vez mais frequência a história da Cabrinha e do Lobo, contada às crianças para as ensinar a desconfiar das enganosas falinhas mansas.
A Cabrinha tinha três filhotes e vivia com medo de os deixar em casa sozinhos porque o lobo rondava por perto. Um dia, depois de insistir que não deviam abrir a porta a estranhos mas apenas a ela e só a ela, os cabritinhos perguntaram como é que podiam ter a certeza de que era ela e não o lobo. – “É simples – disse a Cabrinha – pedem-lhe para mostrar a pata e já sabem que o lobo tem a pata preta e a minha é branca.”
A Cabrinha saiu e pouco depois batem à porta e os cabritinhos, muito assustados perguntaram quem é, quem é. –“É a vossa mamã, a Cabrinha”, disse o Lobo a disfarçar a voz. –“Mostra-nos a tua pata”, disseram os avisados filhotes. E, quando o lobo mostrou a pata peluda e negra, os cabritinhos não abriram a porta e desataram aos gritos a pedir socorro, pelo que o lobo se afastou contrariado. Pouco depois, soaram de novo as pancadas na porta. –“ Quem é, quem é?” perguntaram os filhotes. –“É a vossa mamã, abram a porta, que venho cansada…” – “Mostra a pata para termos a certeza de que não és o lobo malvado”. E a pata agora pintada, branca como a neve, tal e qual a da mãe, esgueirou-se pelo postigo, e eles abriram a porta confiantes. O Lobo entrou numa fúria de fome e raiva e comeu-os. Muitos e longos trabalhos teve depois a Cabrinha para conseguir recuperar os filhos da barriga do lobo e ver-se livre dele para sempre.
Com esta história as crianças devem aprender que quem vem por mal nunca se apresenta com a sua verdadeira face, tenta enganar mostrando boas e generosas intenções, o pior é que depois de o lobo estar dentro de casa já é tarde para gritar por socorro, os cabritinhos já estão no papo.

9 comentários:

Pinho Cardão disse...

Grande alegoria, cara Suzana!...
O big brother espreita e está cada vez mais próximo. E nós vamos perdendo direitos, que ele logo assume como seus. Para nos proteger, claro está!...

Anónimo disse...

Pois é, o dia foi fértil em anúncios de gigantescas bases de dados onde as informações sobre a nossa vida se encontrarão à disposição dos lobos de pata pintada.
Quanto tempo passará até que a sociedade perceba o logro? E como é possível que os outrora paladinos da defesa da privacidade contra as agressões da tecnocracia, agora substituida por uma bem mais ameaçadora infocracia, se calem perante esta invasão do que é mais sagrado na individualidade?

Lusibero disse...

Cara Suzana:cada vez mais longe a democracia ...Por que não falamos?
De que começámos a ter medo? E eram eles os paladinos da Liberdade...Acho que lhes esfamos -todos!- a entrar no papo!...Adorei essa tremenda metáfora, transformada numa genial alegoria...Perdoe qualquer coisita...

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Belíssima matáfora, Suzana.
Em nome das liberdades e das garantias estamos cada vez mais cercados de chips. Chips para tudo e para mais alguma coisa, nem que para isso seja violada a privacidade, sem que na realidade os cidadãos se apercebam dos riscos que estão a correr. É muito assustador o poder que se está a construir. Mas ninguém fala, a não ser os mentores dos chips...

zamot disse...

Ui! E há ainda a teoria dos dados angariados através de g-mails, facebooks, myspaces e até nos jogos e quizs que aparecem de lado como publicidade nos sites, onde parece que perfis de personalidade conseguem ser analisados, hábitos e frequências e por que sites se navega. Tudo isto, claro que junto com o IP de cada um, vai directamente para a base de dados da CIA. Pois, porque nós ainda não temos a tecnologia necessária.

Bartolomeu disse...

Aproveitemos o facto de nos encontrarmos confortávelmente sentados à lareira, depois de escutar esta tão simpática fábula, e reflectamos sobre esta invasão da nossa privacidade e este acorrentamento que nos subjuga.
O cruzamento de dados visa (teorica e inocentemente) evitar a fuga de impostos ao estado, até aqui penso que todos concordamos.
Intriga-nos porém oqu origina ou motiva essa fuga. Isto, na medida em que todos sabemos, o pagamento de impostos serve para gantir a prosperidade da sociedade. Serve para garantir a prestação de serviços de saúde pública, para garantir o ensino público, a segurança pública, o saneamento público, a defesa do país, a manutenção das vias de circulação públicas, o apoio social, etc.
Não sou dos que pratica a fuga aos impostos, porque não faz parte da minha coerência social, contudo, conheço empresários que só não deixam de pagar os impostos devidos, se de todo não puderem. E porquê!? Dizem eles que não estão para alimentar gulosos!
A ideia generalizada é precisamente a de que, quem gere a receita dos nossos impostos, o faz mal feito. Esta certeza esta patente nos péssimos serviços públicos que o estado presta aos seus cidadãos.
Estamos então perante dus evidências antagónicas. Por um lado o estado obriga os cidadãos a contribuir para a receita pública, por outro, esbanja essa receita em reformas e ordenados exorbitantes que paga a ex-ministros, a ex-deputados, a ex-qualquer coisa que o cidadão pagador não entende a razão, gere mal essa receita, adjudicando obras públicas de dimensão megalómana, cujas não se prevê possam acrescentar alguma mais-valia ao desenvolvimento social, industrial ou comercial do país.
Assim, a realidade do país é um serviço de saúde, de ensino, de segurança, de apoio social péssimos porque não ha dinheiro.
Nesta história real, o lobo já não precisa de se pintar para enganar os cabritos, têm-nos à sua inteira mercê. Resta aos cabritos uma alternativa para se libertarem do barrigão do lobo... quando chegar Outubro. Nessa altura, espero que os cabritos tenham aprendido a lição e antes de escolher aquele por quem querem substituir o lobo, o mandem lavar bem as patas... é que andam por aí umas tintas de muito boa qualidade...

Maria Ribeiro disse...

Bravo, Bartolomeu! POr outras palavras, foi isso o que eu pretendi dizer. Mas vamos ver o que Outubro nos vai trazer!Veremos que promessas vão fazer correr os carneirinhos, atrás dos lobos peçonhentos...

jotaC disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
jotaC disse...

Uma fábula muito bonita, e com a respectiva moral da história, como se impõe.
Desespero por ver o fim desta alcateia multicolor que se instalou, e ver qual a moral desta já longa história, se é que a tem…