O poder exerce um efeito fascinante em muitas pessoas. Acontece que, uma vez alcançado, muitas personalidades não se apercebem de que perderam a sua liberdade. Curioso. Conseguem ter poder sobre os outros mas perdem o poder sobre si próprios. Mas as coisas não ficam por aqui. Além do efeito inebriante, ao ponto de provocar dependência, o poder é transitório, e alguns acabam por dar quedas valentes, enquanto muitos são obrigados a escorregar na rampa política, umas vezes lentamente, outras de forma mais abrupta, eclipsando-se. É então que a melancolia se apodera das suas almas, não conseguindo resignar-se à vida própria, nem olhar para a sua sombra pública. Não é só na política que se verifica este fenómeno. Qualquer posição pública, seja ela qual for, desde que elevada, prima por estes fenómenos. Veja-se o caso de um apresentador de uma televisão israelita que, ao verificar que já não era tão popular como dantes, começou a cometer crimes por raiva. Acabou por cair na prisão onde se suicidou.
Na política, os intelectuais, de um modo geral, não têm grande sucesso, o que não quer dizer que não devam intervir, antes pelo contrário, já que constitui um dever de todos os homens. Nesta matéria, não devemos esquecer que somos todos cúmplices por ação ou por omissão.
Face a certos exemplos, como catalogar ou definir comportamentos políticos do género adular e insultar a mesma pessoa segundo as circunstâncias? Não é que seja nada de novo, porque Séneca já o fazia. Séneca, que era um intelectual, poderoso, riquíssimo, mestre da bondade e mestre de Nero, andava sempre em contradição com o que dizia e fazia. Às tantas limitou-se a cumprir o pensamento de um grego que afirmou que “os sábios tinham duas línguas! Uma com que diziam a verdade, a outra de acordo com as circunstâncias do momento”.
Alcançar o poder para fugir à pobreza, ou poder enriquecer facilmente constitui uma prática comum que não enobrece quem a pratica. Ir para a política e atuar com firmeza, retidão e sensibilidade, respeitando as pessoas e as coisas tais como elas são e não como os outros pretendem que sejam, é a forma mais rápida e fácil de colecionar inimigos. Resta saber se ainda há pessoas dispostas a colecioná-los. Eu penso que sim, apesar de as virtudes terem como contrapartida a inveja, e a generosidade a ingratidão. Não importa. É sempre preciso que haja alguém capaz de decidir, ser pragmático e que respeite os antagonistas. Decidir e contestar parecem-me bem, desde que sejam acatadas as normas de civilidade.
Um político tem que respeitar a verdade e lutar pela liberdade que são dois fabulosos tesouros que nada nem ninguém consegue comprar. Não há nada que compre a liberdade e evite a morte.
De acordo com César António Molina, “Há que recear a atividade pública e não perder a autonomia de ação, a liberdade da palavra e a capacidade de retirar-se a qualquer momento para cuidar da alma e de si mesmo”. Para isso é preciso escolher os melhores políticos. E onde estão eles? O mesmo autor afirma que “Não há melhores políticos do que aqueles que saem das outras profissões e que temporal e generosamente se entreguem ao serviço público!” E que sejam capazes de, a qualquer momento, “se retirarem para cuidar da alma e de si mesmos”, evitando quedas, trambolhões e outras desgraças públicas próprias de homens que ao atingirem elevadas posições se comportam como uns estranhos para si mesmos. Se ao menos os que caem em desgraça, devido às suas atividades, tivessem o condão e a hombridade de se justiçarem por auto iniciativa, então sim, revelariam um sinal de superioridade. Não é preciso que façam o que Séneca fez quando Nero mandou que se suicidasse pelas próprias mãos. Séneca soube morrer com dignidade, “a arte mais difícil de levar a cabo”. Não sei se é ou não, mas para mim, a arte mais difícil de levar a cabo é viver e servir com honradez e honestidade. Arte difícil, pelos vistos, para muitos que nos cercam.
Na política, os intelectuais, de um modo geral, não têm grande sucesso, o que não quer dizer que não devam intervir, antes pelo contrário, já que constitui um dever de todos os homens. Nesta matéria, não devemos esquecer que somos todos cúmplices por ação ou por omissão.
Face a certos exemplos, como catalogar ou definir comportamentos políticos do género adular e insultar a mesma pessoa segundo as circunstâncias? Não é que seja nada de novo, porque Séneca já o fazia. Séneca, que era um intelectual, poderoso, riquíssimo, mestre da bondade e mestre de Nero, andava sempre em contradição com o que dizia e fazia. Às tantas limitou-se a cumprir o pensamento de um grego que afirmou que “os sábios tinham duas línguas! Uma com que diziam a verdade, a outra de acordo com as circunstâncias do momento”.
Alcançar o poder para fugir à pobreza, ou poder enriquecer facilmente constitui uma prática comum que não enobrece quem a pratica. Ir para a política e atuar com firmeza, retidão e sensibilidade, respeitando as pessoas e as coisas tais como elas são e não como os outros pretendem que sejam, é a forma mais rápida e fácil de colecionar inimigos. Resta saber se ainda há pessoas dispostas a colecioná-los. Eu penso que sim, apesar de as virtudes terem como contrapartida a inveja, e a generosidade a ingratidão. Não importa. É sempre preciso que haja alguém capaz de decidir, ser pragmático e que respeite os antagonistas. Decidir e contestar parecem-me bem, desde que sejam acatadas as normas de civilidade.
Um político tem que respeitar a verdade e lutar pela liberdade que são dois fabulosos tesouros que nada nem ninguém consegue comprar. Não há nada que compre a liberdade e evite a morte.
De acordo com César António Molina, “Há que recear a atividade pública e não perder a autonomia de ação, a liberdade da palavra e a capacidade de retirar-se a qualquer momento para cuidar da alma e de si mesmo”. Para isso é preciso escolher os melhores políticos. E onde estão eles? O mesmo autor afirma que “Não há melhores políticos do que aqueles que saem das outras profissões e que temporal e generosamente se entreguem ao serviço público!” E que sejam capazes de, a qualquer momento, “se retirarem para cuidar da alma e de si mesmos”, evitando quedas, trambolhões e outras desgraças públicas próprias de homens que ao atingirem elevadas posições se comportam como uns estranhos para si mesmos. Se ao menos os que caem em desgraça, devido às suas atividades, tivessem o condão e a hombridade de se justiçarem por auto iniciativa, então sim, revelariam um sinal de superioridade. Não é preciso que façam o que Séneca fez quando Nero mandou que se suicidasse pelas próprias mãos. Séneca soube morrer com dignidade, “a arte mais difícil de levar a cabo”. Não sei se é ou não, mas para mim, a arte mais difícil de levar a cabo é viver e servir com honradez e honestidade. Arte difícil, pelos vistos, para muitos que nos cercam.
4 comentários:
Estou quase, quase de saída para uma semana de férias, saboreando o país a norte do Mondego, o que é muto a meu gosto.
Mas não quero saír sem antes comentar este seu magnífico post, caro Professor Massano Cardoso.
Magnífico em muitíssimos aspectos, um dos quais a oportunidade, o outro, a lucidez de pensamento.
Não tenho qualquer dúvida em concordar com a primeira afirmação que faz. E, se nos regimens monárquicos a ascensão ao poder se realizava por meio de sucessão, o que obrigava o filho único ou varão a assumir a perda do resto da sua liberdade, no acto da entronização, nos regimens republicanos essa obrigação deixa de ser posta, a menos que, tal como o caro Professor muito bem demonstra, a sede de poder seja tão grande que o próprio poderoso para se proteger, acabe isolado do mundo e da razão, criando a sua ética, própria e exclusiva.
Lembro-me de uma entrevista feita ha poucos dias ao sociólogo António Barreto, por um jornalista do "i", em que o tema central era ainda o discurso proferido nas comemorações do 10 de Junho, em que António Barreto referindo-se aos valores morais que nos pareciam sólidos ainda num passado muito recente, estão transformados actualmente numa ética própria, espelhado numa frase actualmente muito ditada sobretudo por políticos "Eu estou de bem com a minha consciência".
Até breve!
Oportuno e sábio post, meu caro Professor Massano Cardoso. Venho meter o bedelho porque é assunto em que tenho refletido e que ainda há pouco era motivo conversa por estas bandas.
Conheci algumas pessoas que, tendo dedicado parte da sua vida à política e tendo sido delas afastados, demonstraram estar mal preparados para encarar algo que é inerente à república. - a transitoriedade do exercício de funções públicas.
Ia escrever que esses não souberam sair da política. Mas ao mesmo tempo que o ia escrevendo, pensava que, afinal, o mal não está na saída, está na entrada. Essas pessoas não souberam "entrar" e por decorrência não souberam "estar" na política.
As questões que suscita no post são essenciais para perceber a crise (eterna?) das democracias ocidentais. Perdeu-se a noção do serviço à comunidade que deveria ser a de quem sente que tem vocação para a política. Sem se ter consciência do real alcance da locução, diz-se com todo o à-vontade que A ou B abraçaram um carreira política. Ora, a política republicana não pode ser uma carreira, um lugar de onde só se sai à força de prebendas vitalícias.
Dos casos que conheci, o que mais me impressionou foi o caso extremo daquele que, tendo exercido por algum tempo o poder, perdido o mesmo foi incapaz de voltar ao que fazia - com grande brilho, de resto - antes de "abraçar a carreira política", tal o definhamento da personalidade a que se deixou conduzir.
Pelos exemplos que desfilam, creio ser doença de dificil cura, meu caro Professor.
Excelente reflexão, como sempre, lembrando também que as perplexidades não são de hoje, nem as dificuldades de encontrar quem possa e queira estar na política com o desprendimento pessoal e ao mesmo tempo a paixão e o envolvimento que a política exige. É que, se for só calculismo, entra-se para a política quando convém e sai-se quando aborrece, pesa, ou aparece coisa melhor e mais compensadora para fazer. Mas não pode ser só calculismo, se a política não tem emoção e entrega não há a capacidade de chegar às pessoas e torna-se um jogo frio e interesseiro que é visto como uma usurpação. Conheço muitas pessoas que saíram da política e voltaram (ou passaram a ter) à vida profissional, algumas com pena, outras por decisão própria e poucas viram reconhecido o tempo e o esforço que dedicaram à causa pública, apesar do mérito, mas ainda assim olham a política como uma espécie de amor mal resolvido. É difícil manter uma vida activa profissional quando se vai para a política, a menos que seja um “caso” passageiro, por isso também não é nada fácil ir embora e retomar o fio à meada, anos depois, já com a marca da visibilidade pública, ou com o lastro das decisões que não agradaram a todos. Se se tiver uma profissão liberal, perderam-se clientes, ganharam-se suspeições, há apenas a aproveitar a experiência e outra forma de olhar o mundo. Se não for o caso, é preciso uma grande humildade para retomar o seu espaço em qualquer organização, entretanto justamente ocupado. Vivemos essa enorme contradição, não queremos políticos profissionais e não estão previstas intermitências na vida profissional fora da política. Digamos que, como em muitas outras coisas, há que se dispor a pagar um preço, e estou certa de que a grande maioria dos que passaram pela política não acabam ricas nem famosas. Pena que alguns dêem tão má fama a tantos outros.
Boas férias, caro Bartolomeu, esperemos que volte cheio de saudade da 4ª!
Caro Professor Massano Cardoso
Excelente reflexão a sua sobre as perplexidades do poder.
É verdade que o poder exerce um efeito de fascínio em muitas pessoas, ao ponto de muitas delas transformarem (ou revelarem) o seu carácter (vem-me à ideia a figura do travesti) e se esquecerem que o exercício do poder não é um fim, mas antes um instrumento para fazer a gestão da “coisa” pública, para, bem utilizado, melhorar a vida das pessoas.
Esse fascínio conduz muitas vezes ao culto de um poder vaidoso e cego, que esquece rapidamente a razão da sua existência. Uma existência que por ser efémera deveria apelar ao dar e fazer o melhor, tão imprevisível deve ser considerada a continuidade do exercício do poder.
É por isto e também pelo que foi escrito pelo José Mário e pela Suzana, que subscrevo, que a escolha das pessoas para o exercício do poder é, digo eu, cada vez mais importante. À parte das convicções ideológicas que sempre poderão marcar diferenças e das competências técnicas e "políticas" e percursos de vida e profissionais, as convicções e prática de princípios e valores e os traços de personalidade e de carácter são muito importantes nas escolhas, digo eu, daqueles que são investidos do poder. E se este raciocínio é válido para os escolhidos é, por maioria de razão, válido para quem escolhe.
Exercer o poder com autoridade requer honestidade, rectidão, sensibilidade e compreensão pela vida das pessoas, respeito pelos outros e humildade. São valores que se espera que os outros reconheçam, pois, a não ser assim, todos, uns e outros, estarão equivocados e o resultado será a destruição do próprio poder.
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