Já no fim da legislatura o Parlamento aprovou uma proposta de lei de autorização para que o Governo possa legislar em matéria de reabilitação urbana. O decreto, que causou alguma polémica mas pouca ou nenhuma discussão pública como vai sendo regra, levantou ao Senhor Presidente da República algumas dúvidas de constitucionalidade. Uma, tinha que ver com a protecção devida à propriedade privada posta alegadamente em causa pelo novo instrumento da venda forçada que o Governo ficou habilitado a instituir; outra, pela desprotecção – também ela alegadamente inconstitucional - do direito ao arrendamento em situações em que o locado venha a ter de ser demolido como condição para se prosseguirem os objectivos de reabilitação urbana.
Estas dúvidas fundamentaram o pedido de fiscalização preventiva da inconstitucionalidade do decreto da Assembleia da República ao Tribunal Constitucional, sendo conhecido agora o acórdão que negou provimento à pretensão presidencial de ver declaradas inconstitucionais as normas sobre os mecanismos acima sinteticamente referidos.
Independentemente da utilidade imediata quer do acto parlamentar quer da decisão do Tribunal Constitucional (pois esta autorização legislativa caduca com o fim da legislatura, pelo que só uma rápida promulgação e sucessiva aprovação pelo Governo do diploma autorizado, permitiria o aproveitamento da habilitação parlamentar), a verdade é que quer um quer outra são clarificadores quanto aos limites dos instrumentos de política urbanística e de ordenamento do território das cidades.
Com efeito, urge por termo a uma situação em que a degradação das nossas cidades deriva da ruína de edifícios muitas vezes desejada e até provocada, porquanto, por força de vários e complexos factores (entre os quais, as disfunções induzidas pelos sucessivos regimes do arrendamento urbano), é mais valioso o prédio sem salvação possível, do que o prédio reabilitado. Quando não acontece ter mais valor o terreno livre no centro da cidade, do que o edifício nele implantado!
Esta situação explica o estado ruinoso dos nossos centros históricos, em parte resultante da inexistência de instrumentos eficazes de apoio financeiro à reabilitação, mas também de instrumentos jurídicos que permitam a actuação em razão do interesse público da reabilitação urbana, que não encontrem na propriedade privada um obstáculo intransponível.
Já em 2002, no XV Governo, se ensaiou uma tentativa de actuação a este nível, traduzida na criação de um regime especial de expropriações de prédios urbanos degradados, que salvo erro constava do programa de governo de então, infelizmente votado ao esquecimento como muitas outras iniciativas neste domínio. Tratava-se de fazer repercutir no valor da indemnização devida pela expropriação de prédios que os proprietários não quisessem ou não pudessem reabilitar, por dedução do montante (ponderado) das despesas que, nos termos da lei, deveriam ter realizado para conservação corrente dos seus imóveis. Entendendo-se que só assim se cumpriam quer as directivas constitucionais no domínio do urbanismo e ordenamento territorial, quer as da indemnização justa como sucedâneo da desapropriação por razões de interesse geral. Afinal, creio, os mesmos fundamentos essenciais desta habilitação parlamentar solicitada por este governo que o Tribunal Constitucional considerou legítima face à Lei Fundamental.
Continuo a entender preferível ao modelo que este Governo propôs - por explicações que aqui não cabem -, aquela proposta que se reconduzia aos princípios e regras gerais das expropriações por utilidade pública.
Mas, independentemente desta preferência, há que salientar que é muito positiva esta luz agora lançada sobre a ideia de uma utilidade pública urbanística que permite olhar para a dimensão social da propriedade urbana e para o urbanismo, com outros olhos e com campo de manobra seguramente mais vasto para os decisores públicos.
Estas dúvidas fundamentaram o pedido de fiscalização preventiva da inconstitucionalidade do decreto da Assembleia da República ao Tribunal Constitucional, sendo conhecido agora o acórdão que negou provimento à pretensão presidencial de ver declaradas inconstitucionais as normas sobre os mecanismos acima sinteticamente referidos.
Independentemente da utilidade imediata quer do acto parlamentar quer da decisão do Tribunal Constitucional (pois esta autorização legislativa caduca com o fim da legislatura, pelo que só uma rápida promulgação e sucessiva aprovação pelo Governo do diploma autorizado, permitiria o aproveitamento da habilitação parlamentar), a verdade é que quer um quer outra são clarificadores quanto aos limites dos instrumentos de política urbanística e de ordenamento do território das cidades.
Com efeito, urge por termo a uma situação em que a degradação das nossas cidades deriva da ruína de edifícios muitas vezes desejada e até provocada, porquanto, por força de vários e complexos factores (entre os quais, as disfunções induzidas pelos sucessivos regimes do arrendamento urbano), é mais valioso o prédio sem salvação possível, do que o prédio reabilitado. Quando não acontece ter mais valor o terreno livre no centro da cidade, do que o edifício nele implantado!
Esta situação explica o estado ruinoso dos nossos centros históricos, em parte resultante da inexistência de instrumentos eficazes de apoio financeiro à reabilitação, mas também de instrumentos jurídicos que permitam a actuação em razão do interesse público da reabilitação urbana, que não encontrem na propriedade privada um obstáculo intransponível.
Já em 2002, no XV Governo, se ensaiou uma tentativa de actuação a este nível, traduzida na criação de um regime especial de expropriações de prédios urbanos degradados, que salvo erro constava do programa de governo de então, infelizmente votado ao esquecimento como muitas outras iniciativas neste domínio. Tratava-se de fazer repercutir no valor da indemnização devida pela expropriação de prédios que os proprietários não quisessem ou não pudessem reabilitar, por dedução do montante (ponderado) das despesas que, nos termos da lei, deveriam ter realizado para conservação corrente dos seus imóveis. Entendendo-se que só assim se cumpriam quer as directivas constitucionais no domínio do urbanismo e ordenamento territorial, quer as da indemnização justa como sucedâneo da desapropriação por razões de interesse geral. Afinal, creio, os mesmos fundamentos essenciais desta habilitação parlamentar solicitada por este governo que o Tribunal Constitucional considerou legítima face à Lei Fundamental.
Continuo a entender preferível ao modelo que este Governo propôs - por explicações que aqui não cabem -, aquela proposta que se reconduzia aos princípios e regras gerais das expropriações por utilidade pública.
Mas, independentemente desta preferência, há que salientar que é muito positiva esta luz agora lançada sobre a ideia de uma utilidade pública urbanística que permite olhar para a dimensão social da propriedade urbana e para o urbanismo, com outros olhos e com campo de manobra seguramente mais vasto para os decisores públicos.
5 comentários:
Quando o PR remeteu este assunto para apreciação do TC receei o pior, talvez porque a minha confiança na isenção jurídica daquele órgão do poder judicial não seja por aí além.
Ainda que ma pareça que o posicionamento da apreciação da constitucionalidade das leis se devesse situar em uma instância
diferente daquela que prevalece entre nós (o recente caso de inconstitucionalidade da constituição da ASAE é paradigmático do absurdo a que o posicionamento do TC pode conduzir) também fico satisfeito com este acórdão.
Aliás, do meu ponto de vista, a dessacralização do direito de propriedade deveria ir mais longe e abranger toda a propriedade (urbana ou rústica) abandonada.
E muitos casos tal abandono nada tem a ver com a lei das rendas (que deveria, no entanto, ser muito diferente)e nem o tempo consegue solucionar. Pelo contrário, quanto mais tempo passa mais fica emaranhado o direito de propriedade com a passagem de sucessivas gerações de herdeiros.
Um amigo meu contava-me há dias que para conseguir negociar uma pequena propriedade urbana teve de congregar a boa vontade de 37 herdeiros, alguns dos quais se conheceram em consequência desta transacção.
Mas há uma questão correlacionada com esta a que a legislação que um dia, sabe-se lá quando!, vier a ser aprovada não responde: as propriedades abandonadas, degradadas, sem qualquer utilização útil,pertencentes ao estado, quem é que poderá forçar a sua venda?
Caro Zé mário, já experimentou fazer as contas à actualização de rendas no caso de inquilinos com mais de 65 anos?Tenho exemplos bem concretos e, se somar a actualização do IMI na sequência da morte de um dos proprietários, mais o custo do condomínio, mais o IRS sobre as ditas rendas, talvez se possa tirar algumas conclusões sobre a degradação dos prédios e a capacidade de um senhorio fazer obras de conservação, por muito que queira.Sem falar das multas e dos inúmeros obstáculos burocráticos à realização dessas obras, ao abandono a meio pelos empreiteiros, à queixa dos moradores pelos incómodos, etc. Talvez seja azar meu, mas pelo que vi, fazer obras de recuperação num prédio arrendado é um verdadeiro acto de coragem e abnegação.
José Mário
Não tenho a certeza que haja vontade política para a reabilitação urbana em lugar da elevação do betão.
A reabilitação das cidades, em particular das zonas antigas, faz parte de um modelo de desenvolvimento que não é claro para mim que esteja assumido.
Não conheço suficientemente bem os diplomas deste Governo e do xv Governo, mas não vejo qual a vantagem que decorre de um prédio urbano pertencente a um proprietário privado ser expropriado não estando o mesmo devoluto. Neste caso, estando o prédio arrendado e com rendas baixas o senhorio pode ficar impedido de avançar com a reabilitação porque não tem como repercutir o custo do investimento no valor das rendas.
Mas sendo o Estado a reabilitar como vai lidar com este problema? A lei confere-lhe alguma vantagem jurídica e económica? Dispõe de algum instrumento especial para apoiar os arrendatários a fazer face às novas rendas ou para lhes oferecer alternativas de habitação? Se assim for, porque não aplicar esse regime especial ao senhorio e aos arrendatários, permitindo, assim, levantar as barreiras jurídicas, económicas e sociais que impedem a intervenção de senhorios em prédios em ruína ocupados por direito de um contrato de arrendamento?
Será que uma lei de expropriação por interesse público vai conseguir dinamizar o mercado do arrendamento?
O tema da reabilitação urbana é mais um a juntar a muitos outros em que a incapacidade política de efectiva actuação tem décadas!
Caras Suzana e Margarida:
Os diagnósticos, também nesta matéria, estão todos feitos. Há muito que o estão.
O problema é que andamos sempre em redor do problema. Mas as soluções ficam-se no discurso político e na proclamação de boas intenções. Só que discursos não reconstroem cidades. Se essa é a aposta consensual, então é essencial instrumentos financeiros de estímulo à recuperação do edificado, mas instrumentos financeiros que funcionem e que sejam verdadeiramente um estímulo e não mais uma carga de trabalhos burocrática. E são necessários instrumentos jurídicos que, corajosamente, permitam ao decisor político ultrapassar os obstáculos que todos já conhecem, alguns apontados pela minhas caras Amigas.
Chamo a atenção para que a habilitação parlamentar que foi agora sindicada pelo tribunal constitucional é um primeiro passo, não é o regime.
Quanto às questões que têm que ver com a propriedade privada, veremos qual a solução concreta que o governo adoptará em conjugação com a legislação que instituiu as Sociedades de Reabilitação Urbana e, espero eu, com a alteração do Regime do Arrendamento Urbano. Mas, como é óbvio, o mecanismo da venda forçada e a cessação do arrendamento que estavam em causa serão sempre, assim o creio, a ultima ratio, quando não seja possível prosseguir o interesse público urbanístico pela associação do proprietário a essa finalidade, ou quando não for materialmente possível evitar a demolição do locado.
Estas, minhas caras Amigas, são questões sobre as quais se tem de obter amplo consenso político. Até porque, como bem lembra a Margarida, revivificar os centros das nossas cidades acaba por ser a alternativa ao crescimento extensivo das cidades, a alternativa a tudo quanto arrasta de problemático no plano da qualidade de vida das pessoas o modelo urbanístico dos ultimos anos.
Acresce que o acórdão vem lançar claridade sobre algumas questões, colocadas no foro constitucional pelo pedido de fiscalização da constitucionalidade pelo PR, cujo alcance excede em muito esta questão da reabilitação urbana, estendendo-se a outros domínios do urbanismo e do ordenamento do território, onde a intervenção pública tem de ser ablativa em determinados casos em que a defesa do interesse geral não se compadece com a visão do direito de propriedade inspirada no mais puro individualismo.
Por isso, vale a pena ler o acórdão.
Agora é que é!!
?...
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