A renovação do mandato do Dr. Carlos Costa como Governador do Banco de Portugal está envolta em polémica. Feita a poucos meses de eleições, era inevitável. O argumento mais contundente contra a escolha do Governo vai no sentido de se tratar de uma escolha partidária. Porém, essa crítica parte exatamente daqueles que primeiramente o nomearam e que se esqueceram que, antes dele, à frente do Banco de Portugal, esteve alguém que se chamava Vítor Constâncio, personalidade que mesmo que o desejasse, jamais poderia esconder que fora o mais alto responsável do partido que hoje julga partidária a continuação de Carlos Costa no cargo...
Assinalado o episódio circunstancial na lógica da oposição que se faz em Portugal, motiva-me nesta nota outra perspetiva, que também não é a do mérito do Dr. Carlos Costa medido pelo papel que teve na resolução do BES, embora reconheça que esse desempenho possa ter e deva ter pesado na opção de o reconduzir.
Nesta legislatura, a Assembleia da República aprovou a Lei Quadro das Entidades Reguladoras, cujas disposições figuram em anexo à Lei n.º 67/2013, de 28 de agosto. Entre outras visando o reforço das garantias de independência e transparência dos reguladores, no artigo 20.º n.º 1 estabelece-se a regra de um mandato por período que excede a legislatura regular - 6 anos -, não renovável. A regra de impor um mandato que não coincida com a legislatura mas sobretudo a impossibilidade de renovação (pelo menos no período seguinte), corresponde ao que internacionalmente vem sendo considerado do domínio das boas práticas em matéria de regulação e controlo de atividades de interesse geral.
Não deixa por isso de ser estranho que a norma do artigo 20.º n.º 1 da Lei Quadro não se aplique à entidade reguladora mais importante no nosso ordenamento, excecionado expressamente que está da aplicação deste diploma, aplicando-se em sua vez a Lei Orgânica do Banco de Portugal. E é esta que, no seu artigo 33.º, prevê um mandato de 5 anos renovável por uma vez, sendo que a recente alteração desta lei - em 25 de maio - somente introduz a obrigação de audição parlamentar do indigitado.
Haverá, seguramente, uma razão - porventura uma boa razão - para excecionar a escolha do primeiro responsável do banco central do que é considerado internacionalmente como boa prática. Mas o racional da exceção não resulta das explicações do legislador. Note-se, por exemplo, que no preâmbulo do Decreto-lei n.º 39/2007 se expressa que na solução encontrada para configurar o mandato do Governador do Banco de Portugal pesou a necessidade de uniformizar os regimes das entidades reguladoras do sistema financeiro. Porém, o Instituto de Seguros de Portugal não está excecionado da Lei Quadro (que, recorde-se, proíbe a renovação de mandato). O mesmo sucedendo com a CMVM cujos estatutos de resto já consagravam essa mesma regra. A explicação também não reside num qualquer fascínio em relação a experiências alheias por que o legislador nacional tenha sido tomado. Se a informação que colhi não estiver errada, aqui ao lado, no banco central espanhol o governador exerce por 5 anos, mas o mandato é único. E mesmo em relação ao BCE transformaram-se as boas práticas em lei e o mandato não é igualmente renovável, ainda que a sua duração seja de 8 anos.
Na ausência de racional claro, alguém por aí quer contribuir para uma explicação para a exceção que constitui o nosso Banco de Portugal?
4 comentários:
Caro JM Ferreira de Almeida:
O senhor faz a pergunta no fim mas já dera a resposta no início: «O argumento mais contundente contra a escolha do Governo vai no sentido de se tratar de uma escolha partidária.»
É certo que a desvaloriza, e com razão do ponto de vista ético, logo de seguida: «Porém, essa crítica parte exatamente daqueles que primeiramente o nomearam e que se esqueceram que, antes dele, à frente do Banco de Portugal, esteve alguém que se chamava Vítor Constâncio».
Mas a resposta só pode ser essa.
Interesses partidários que, mais uma vez, se sobrepõem à lógica e ao bom senso que uma matéria desta importância deveria merecer.
Meu caro Manuel Silva, devo dizer que não subscrevo a opinião de quem considera que a escolha do Dr. Carlos Costa é partidária. Não me parece que seja alguém que se submeta a uma lógica de obediência partidária. Já se fez notar que quem o nomeou para o mandato que agora cessa não foi a coligação que se propõe a reconduzi-lo, mas o PS que acusa de partidarismo a renovação do mandato que lhe entregou. Esta atitude, sim, é partidarite, e aguda. Mas mesmo que assim não fosse, o Dr. Carlos Costa não tem, ou não parece ter, perfil de homem de partido. É um técnico, a quem se reconhece competência nos domínios de conhecimento essenciais ao desempenho da função. A questão que abordo no post é outra, e é a de saber, independentemente da pessoa que em concreto exerce a função, se faz sentido o desvio, no caso do Governador do Banco de Portugal, às boas práticas de governança, que deixaram de ser meras diretivas de conduta para passarem a ser letra de lei para quase todas as entidades reguladoras.
Caro JM Ferreira de Almeida:
Peço desculpa se não me expliquei bem.
As razões partidárias que invoquei não se referiam a C. Costa, por ser homem de partido.
Referiam-se à conveniência partidária de quem nomeou.
Quanto ao seu argumento, concordo com ele.
Sobre certas matérias os partidos (todos) deviam ser capazes de estabelecer entendimentos mínimos.
Certamente saberá que, na Finlândia, não existe a figura (nem legal, mas mais importante, mental) das eleições antecipadas.
O eleitorado manifesta, para 4 anos, um dado sentido de voto, que deverá ser respeitado.
A distribuição partidária dita a força momentânea de cada partido e a partir daí os entendimentos devem fazer-se.
Cá, há um partido especializado em pedir eleições antecipadas no dia seguinte a cada consulta.
Para ver se o eleitorado se distrai e lhe dá mais do que a estrondosa vitória dos 10% do costume.
Estamos de acordo, meu caro Manuel Silva.
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