Não alinho, nunca alinhei no discurso dos que consideram que as empresas do setor público são inevitavelmente deficitárias e ruinosas para os bolsos dos contribuintes, sendo ao invés a gestão privada a solução para a prestação eficiente mas compreensiva do serviço público. Ou, noutra perspetiva, que as empresas privadas atraem sempre os melhores gestores, pelo que a melhor solução para a boa prestação de serviços de interesse público está na convocação da gestão privada. Gente sensata, vivida e ponderada, reconhecerá facilmente que há bons e maus gestores no setor público, como existem bons e maus gestores nas empresas privadas. O problema das inúmeras opções irracionais na gestão pública pode, não me custa aceitá-lo, resultar da má escolha dos gestores. Assim sucede quando à seleção não presidem critérios que atendem à competência, mas se rendem a lógicas de obediência. Por vezes, o resultado calamitoso da condução de uma empresa pública ou de um setor de atividade de interesse geral, encontra, isso sim, explicação na instrumentalização de muitas destas entidades, facilitada pelo reconhecimento e reação à voz e interesse do dono…
Mas não são as lógicas da escolha dos gestores que me motivam nesta nota. Ela vem a propósito da surpresa com que muitos dos meus amigos comentam a coincidência de pontos de vista entre Pedro Santana Lopes (PSL) e António Costa sobre o modelo que ambos preferem para a gestão dos transportes públicos de massas em Lisboa: a sua municipalização em alternativa à privatização, ou melhor escrito, à concessão da gestão diretamente pelo Estado a entidades privadas.
A surpresa só pode mesmo ser explicada por um qualquer “complexo ideológico”, expressão que aqui uso com a consciência de com ela se pretender rebaixar tudo quanto à direita se propõe ou faz. Não vejo razão para qualquer complexo que não seja o de resistir à tentação de manter o Estado como acionista de empresas que desenvolvem atividades que não são, ou não devem ser, do círculo das suas atribuições. O “desalinhamento” de PSL em relação ao que parece ser a doutrina do partido a que pertence, não me parece que se deva a outra coisa que não à experiência do próprio como autarca de Lisboa. Foi presidente de Câmara pelo tempo suficiente para se aperceber quão ilógico e irracional é um modelo em que as dinâmicas da Cidade que condicionam a mobilidade dependem de decisões políticas dos órgãos de governo do Município (no âmbito do planeamento, no urbanismo, na reabilitação, da execução e manutenção das infraestruturas viárias, do incentivo à fixação de atividades, etc…); sendo que esses mesmos órgãos não têm a gestão efetiva dos meios.
Se quisermos evitar entropias, então a gestão do sistema, mas também dos meios de transporte em Lisboa e Porto ou em áreas de ocupação muito compacta do território, devem enquadrar-se organicamente nos municípios. É o modo mais eficaz de favorecer lógicas de racionalização de um serviço que não é só público por natureza, mas que carece de uma administração articulada com as opções políticas sobre o território da Cidade.
Existe um rol de outras boas razões para que assim seja. Não cabe neste espaço. Limito-me a chamar a atenção para que, em Estados onde não existe o preconceito - que entre nós é quase uma doença -, contra a iniciativa e a gestão privadas, a administração municipal do transporte público de massas é, há muito e sem complexos, a solução testada e a considerada mais adequada.
30 comentários:
Caro Ferreira de Almeia, a questão da eficácia e da eficiência dos transportes públicos nas grandes cidades não tem especificamente a ver com serem públicas ou privadas - pese embora a gestão privada estar livre duma série de constrangimentos políticos de que enferma a gestão pública - mas sim com a existência dum órgão coordenador de todos os transportes que, em Lisboa, existe apenas no papel. É, aliás, a única capital Europeia que o não tem e a única cidade da sua dimensão sem um organismo assim.
Tem sido o modelo seguido em toda a Europa, Estados Unidos, Austrália e mais além. Em Portugal, principalmente por culpa dos municípios, nunca se conseguiu pôr a funcionar um organismo assim que coordena todos os transportes numa área metropolitana ou numa região, sejam eles detidos pelo Estado, por privados ou por ambos.
"O problema das inúmeras opções irracionais na gestão pública pode, não me custa aceitá-lo, resultar da má escolha dos gestores."
Sem pôr em causa a sua afirmação, penso que o maior problema está na falta de acompanhamento/orientação por parte da tutela política, de que são vítimas esses gestores e também os gestores competentes que servem as empresas públicas e que são muitos.
Para mim - e falo com conhecimento de causa - o maior problema é o “abandono” das Empresas/Institutos públicos, por parte dos órgãos do poder político, que só mostram verdadeiro interesse pelos problemas dessas instituições quando surgem, na comunicação social, relatos de situações anómalas graves. Daí resulta, no caso dos transportes, uma gritante falta de planeamento/coordenação das diversas políticas públicas, que alguns municípios estão a reclamar mas que, a meu ver, seriam mais facilmente tratadas a nível dos poderes centrais, se estes não estiverem preocupados com o bom funcionamento dos diversos agentes, mas essencialmente com a sua coordenação e harmonização, velando pela sua complementaridade e pelo seu controlo, que, mesmo nas grandes urbes, nunca poderá ser entregue apenas um município, por muito populoso que seja.
Meu caro Zuricher, estou de acordo consigo quanto à apontada falta de uma entidade coordenadora a nível metropitano. Creio que já debatemos aqui, sem divergências se não erro, essa problemática. O post referia-se, porém, à situação da Carris e Metro em Lisboa que motivou a opinião de PSL que tanta estranheza está a gerar.
Compreendendo a posição do atual e do anterior presidente da câmara o que quis deixar anotado é que me parece uma opção racional a municipalizacao destes serviços em alternativa à concessão. Teria de dizer muito mais para esclarecer melhor o meu ponto de vista.
Meu caro Tiro ao Alvo, não vejo motivo para divergir do que comentou. Em especial do 'abandono' de que fala. Mas também conhecera situações contrárias, de ingerência onde não deve existir ingerência. Ao acionista deve competir deixar claros quais são os seus interesses, em espia para aqueles a quem entrega a administração da empresa. E muitas vezes as intervenções obedecem a outras lógicas (designadamente servem o combate político partidário) que não a do interesse da comunidade que é, na realidade, o acionista.
José Mário
Concordo com a sua análise.
Os serviços públicos não têm que ser rentáveis, no sentido do lucro. Os serviços de transportes públicos não são normalmente rentáveis, a não ser que no limite fossem descaracterizados de tal ordem que deixariam de o ser para dar lucro! Infelizmente, sabemos bem como foram geridas politicamente as empresas de transportes públicos, com o Estado, por exemplo, a não pagar as compensações devidas e arrastar as empresas para condições de gestão insustentáveis.
Uma gestão integrada e municipalizada pode dar bons resultados, está na proximidade dos utilizadores e das suas necessidades. Uma boa articulação de políticas municipais de transportes públicos pode, além de melhor servir os interesses das comunidades abrangidas, poupar custos, obter ganhos de eficiência e aumentar a qualidade do serviço prestado.
Caro Ferreira de Almeia, o foco é então na gestão municipal da Carris e do Metro. Em tese poderia funcionar mas tenho muito receio e por vários motivos. Primeiro e desde logo não sei até que ponto a CML tem capacidade técnica para arcar com duas empresas de transportes com a dimensão da Carris e do Metropolitano de Lisboa ou, sequer, para fazer uma proposta e concorrer ao concurso. Em segundo lugar não sei até que ponto têm capacidade financeira e, decorrente do anterior, se têm sequer noção dos dinheiros que terão que gastar. Por último e o maior dos meus receios, tenho muito medo que sejam usadas de forma eleitoralista o que conduz inevitavelmente a rombos financeiros tremendos que, já se sabe, a Câmara dirá não ter dinheiro para pagar e lá tem o Estado que os cobrir mas em simultâneo sem poder resgatar a concessão.
Meu caro Zuricher, percebo-o bem. Mas esse é o plano da patologia de que eu me quis afastar sem contudo deixar claro que esse risco existe quando o acionista único é o Estado.
Questão de fundo é saber se faz sentido que o município seja opositor a um concurso de concessão de empresas de transporte de âmbito ... municipal. Não vê aí nada de estranho que passado todo este tempo após as nacionalizações o Estado mantenha a sua presença nestas empresas das quais está tudo menos próximo?
Exato, Margarida. Sem prejuízo da coordenação metropolitana dos sistemas de transportes que acima se assinalou como essencial, e sem ignorar todos os possíveis inconvenientes, creio que o tal propalado princípio da subsidariedade se faz pleno sentido é neste domínio.
Caro Ferreira de Almeida, concordo que, por vezes, será mais prejudicial a “ingerência onde não deve haver ingerência, por parte dos poderes públicos (accionista) do que o “abandono” que referi, tanto mais que, por regra e como diz, “as intervenções (dos políticos) obedecem a outras lógicas (designadamente servem o combate político partidário) que não a do interesse da comunidade”, mas essa é a realidade com que temos de contar. É por isso que defendo a não intervenção dos poderes públicos no funcionamento dos vários agentes (na operação), reservando-lhes as áreas de planeamento e controlo, deixando para outros, municípios ou agentes do sector privado, a responsabilidade da execução.
Caro Ferreira de Almeida, a Carris e o Metro não são empresas de âmbito apenas municipal. A sua influência vai muito mais além das fronteiras do município. São empresas com uma acção estruturante da AML com influência não apenas ao nível dos outros transportes como também do urbanismo, da qualidade de vida, em geral, da mobilidade e tudo o que esta tem atrelado, não apenas em Lisboa mas influenciando toda a AML.
Ilustrando de forma rápida, a forma como os transportes públicos funcionam dentro da cidade de Lisboa influencía a decisão dum habitante de Cascais em fazer as suas viagens diárias casa-trabalho-casa de transportes públicos ou no seu automovel. A soma de multiplas decisões de habitantes de Cascais leva à necessidade de melhorar ou não as acessibilidades rodoviárias entre Cascais e Lisboa.
Em Portugal é dificilímo pensar os transportes públicos nas cidades, principalmente Lisboa, Porto e Coimbra, por vários motivos mas um deles é precisamente a ausência dum organismo coordenador de transportes superior. Temo que a municipalização da Carris e do Metro agrave ainda mais os problemas advindos desta ausência.
Adenda ao anterior: não quero com isto, de forma alguma, defender que a Carris e o Metro sejam propriedade do Estado central. Agora, das autarquias é que não.
Meu caro Zuricher, vai-me perdoar mas não creio que se possa dizer que a Carris e o Metro têm uma dimensão supramunicipal. É certo que a Carris serve alguns pontos de Odivelas, Loures, Oeiras e Amadora mas, como sabe, são zonas próximas dos limites entre estes Concelhos e Lisboa. Também as linhas do Metro transportam para estações marginais de alguns destes concelhos. Ambas estão muito longe de preencher as necessidades da AML e até mesmo da AML Norte.
Por outro lado não advogo a exploração direta pela autarquia ou autarquias, dos serviços de transporte, isto é, não defendo que a Carris e o Metro se transformem em serviços municipais. O que me parece, insisto, é que a política metropolitana de transportes deve se definida pelos atores políticos que mais diretamente influenciam as dinâmicas dos territórios. Não só ao nível do planeamento mas do desenho do sistema. Por isso não excluo a possibilidade da concessão, mas o concedente deveria ser a autarquia.
Caro Ferreira de Almeida, elas operam apenas nos limites do municipio de Lisboa e pouco além. Porém, dado Lisboa ser o maior polo atractor e centro da área metropolitana, a forma como operam dentro de Lisboa impacta a forma como os transportes se organizam em toda a AML, Norte e Sul. Nem a Carris nem o ML servem apenas (ou na maioria sequer) viagens com origem e destino dentro do município. Pelo contrário, são na sua maioria componente de viagens cujos extremos estão, um dentro do município e outro fora dele, além de componente de viagens indirectamente relacionadas com aquelas.
Numa área metropolitana os transportes não podem ver-se individualmente. A Carris, o Metro, a CP, a Transtejo, a Vimeca, a Lisboa Transportes, a Stagecoach, etc, etc. Década disso houve em Lisboa com resultados muito sofriveis.
Qual a diferença entre o concedente ser a autarquia ou o Estado que é o efectivo proprietário das empresas?
Parece-me que está a querer dar na questão dos transportes demasiado protagonismo aos municípios. Nada que os próprios não façam, de resto, e é precisamente graças aos municípios que não existe em nenhuma area metropolitana Portuguesa um organismo coordenador de transportes.
Caro Ferreira de Almeida:
O grande problema das empresas públicas não são os gestores ( embora por vezes sejam...), mas o accionista, que exige determinado nível de serviço por razões políticas e eleitoralistas e não dá à empresa os meios financeiros para satisfazer esse nível de serviço, levando à degradação da empresa. Por outro lado, a empresa e os gestores ficam desculpados de não atingirem os objectivos previstos.
No fim, ninguém é responsabilizado, Tutela, porque o OE não prevê os fundos necessários, gestores, porque sabem de antemão que essa será a realidade.
Com a municipalização acontecerá inevitavelmente o mesmo. Por isso, creio que uma concessão a privados, mrediante um contrato-programa bem delineado e com sanções por incumprimento de ambas as partes, poderia ser a solução melhor para estes casos. Na esfera empresarial, a empresa obrigar-se-ia a determinado nível de serviço; se o Estado exigisse mais, pagá_lo-ia através de indemnizações compensatórias.
Mas é claro, que ningué, Estado ou Município, enveredar´´a por esta lógica. Não só não é eleitoralista, como retira votos.
Com o devido respeito não penso assim, Pinho Cardão. O acionista Estado das empresas de transportes está distante das realidades e sobretudo das necessidades. Faço notar que estamos a falar de mobilidade de que depende a vida é a atividade da Cidade. Já o acionista município - ou comunidade de municípios - está próximo das realidades e consciente das necessidades. Devo aliás lembrar que empresas municipais de transporte não são, sequer, uma novidade deste regime. Muitas cidades - Coimbra, Barreiro, Braga... - têm os transportes públicos geridos pelos municípios desde há décadas. E muitas mais cidades por esse mundo encarregam os governos locais de organizarem e gerirem um serviço que é quase uma atribuição natural das autarquias. O resto é patologia que temos de inverter.
Caro Ferreira de Almeida, não me recordo de nenhuma cidade por essa Europa fora que tenha a exploração dos seus autocarros e do seu metropolitano atribuída à autarquia sem subordinação a uma autoridade regional de transportes. Em Lisboa, ficando a CML com os autocarros e com o metro, se a própria CML nunca quis a Autoridade Metropolitana de Transportes, ficando com os transportes penso que ainda menos iria querer.
Caro Ferreira de Almeida, não me recordo de nenhuma cidade por essa Europa fora que tenha a exploração dos seus autocarros e do seu metropolitano atribuída à autarquia sem subordinação a uma autoridade regional de transportes. Em Lisboa, ficando a CML com os autocarros e com o metro, se a própria CML nunca quis a Autoridade Metropolitana de Transportes, ficando com os transportes penso que ainda menos iria querer.
Caro Ferreira de Almeida, o seu exemplo da boa gestão dos transportes públicos de Braga não colhe, bastando dizer que a Câmara mandou fazer o estádio municipal de futebol onde judas perdeu as botas, para, depois, em dias de jogo, pôr a sua rede de autocarros a transportar, DE BORLA, todos os amantes de futebol, desde a cidade e arredores até ao campo de futebol.
Caro Ferreira de Almeida:
Também com o devido respeito que, como sabe, é muito, diria total, creio que próximo, próximo dos clientes, dos utentes, dos consumidores, chama-se-lhes o que se entender, estão os privados, que dependem deles para viver ou sobreviver, tendo que prestar serviço em conformidade. E, por isso, seriam eles os primeiros a cumprir o estabelecido no contrato de concessão, sob pena de a perderem.
Mas isto sou eu a pensar...
Meu caro Tiro ao Alvo, parece-me bem que esse mau exemplo é que não colhe...
Não me fiz entender, Pinho Cardão. O nosso conceito de "proximidade" não é o mesmo. Por mais próximos que os privados possam estar dos utentes, não são os privados os responsáveis pelo planeamento e gestão das cidades e por isso não identificam, nem lhes cabe identificar, as necessidades públicas que nem sempre andam de mãos dadas com os interesses sociais das empresas privadas. Vê o meu Ex.mo Amigo notória diferença entre serviços públicos essenciais como a recolha de resíduos, o fornecimento de água, a gestão do tráfego, a limpeza urbana, agora os equipamentos de educação dos primeiros ciclos, o ordenamento do trânsito e os transportes? Os primeiro ninguém - creio - contesta que são, e bem, atividades que só devem ser desempenhadas pelos municípios ou por associações de municípios. Por que não assim com os transportes? A resposta aqui dada é que as autarquias gerem mal e a prova são os exemplos que dão que, convenhamos, são a patologia.
Repito, de resto, que nada tenho contra que a operação possa ser contratualizada com empresas privadas, mediante o modelo de concessão ou de sociedade mista. Mas concessão outorgada por um concedente que não faz sentido que seja o Estado. Ou então, não sendo assim, começa a fazer pouco sentido a nossa organização administrativa e não passa de estória de embalar essa ideia da descentralização que se julgava consensual...
Agora é que me parece que o caro Ferreira de Almeida dá precisamente no fulcro da coisa. Fará sentido a organização administrativa Portuguesa? Até posso aceitar (e defender até) a descentralização. Mas, de todo, isto não é sinónimo de municipalismo. O município é uma unidade territorial demasiado pequena para poder ter uma série de competências, sobretudo de planeamento, que requerem uma visão mais abrangente para poderem ter coerência. Além de ineficiencias várias que gera gerir uma unidade territorial de tão pequena dimensão.
Não é especificamente uma questão de gerirem mal. Até podem gerir bem. Porém os municípios, mormente os grandes que são centro de áreas regionais mais abrangentes, têm uma influência sobre a área envolvente até várias dezenas de quilómetros ou, de forma mais correcta, até várias dezenas de minutos de distância temporal. Pior do que ter transportes (e várias outras coisas) geridos directamente pelo Estado só cair no extremo oposto, os municípios. Nem 80 nem 8.
Essa é uma outra discussão, meu caro Zuricher. Plena de razão de ser. Mas para a qual, infelizmente, não existem condições para que se faça desde logo porque não temos elites preparadas para a fazer. Repare o meu Amigo que o governo diz que fez a reforma administrativa extinguindo freguesias e facilitando o intermunicipalismo. E ninguém se riu.
O drama é ninguém se ter rido, sem dúvida. Porque era efectivamente caso para isso. A questão, porém, vai mais além do que apenas isso e leva esta nossa agradavel conversa para um plano diferente.
O pormenor a que alude é consequência mais do que causa. É certo que a élite Portuguesa tem uma massa crítica muito pequena. Esse facto impede a existência duma verdadeira sociedade civil, culta, informada, com saber. Mas há ainda outro problema adicional que é mesmo a pequena massa crítica que existe está muito dependente do Estado o que leva a que muitos se retraiam de posições que, sem esse espartilho, exporiam sem quaisquer receios.
Este plano é um plano diferente e superior ao da operação duma empresa de transportes ou mesmo ao planeamento de transportes. É uma questão de ordenamento social, de organização da sociedade. Criando uma economia tão privada quanto possivel, tão livre quanto possamos diminuímos as dependencias do Estado e aumentamos a liberdade. Uma economia privada florescente e vibrante é também uma forma de impulsionar a sociedade civil. Refiro-me a uma sociedade civil culta, formada, séria e sem constrangimentos. Não a gente aos guinchos e em bicos de pés vendo como melhor granjear os favores dum governante.
Este argumento é um dos que me leva invariavelmente a pender para o lado da privatização da generalidade das empresas.
Desculpe caro Ferreira de Almeida, mas parece-me que não quer entender os pontos de vista do Zuricher, com as quais concordo, de uma maneira geral.
Relativamente ao exemplo que dei, adoptado pelo município de Braga (que referiu para justificar a sua posição), peço-lhe que atente no seguinte: a Câmara de Braga decidiu construir um estádio muito longe da cidade, num local não servido por transportes públicos e mal inserido na rede viária; depois, para evitar o caos nos transportes, decidiu pôr, nos dias de jogo, graciosamente, a frota de autocarros da empresa municipal ao serviço dos adeptos da bola, transportando-os entre o estádio e a cidade e os seus arredores, quer esses adeptos sejam bracarenses, quer sejam adeptos dos clubes adversários do Braga, e o caro Ferreira de Almeida diz que o meu exemplo não colhe? A mim parece-me um bom exemplo para mostrar o perigo que corríamos se entregássemos aos municípios do nosso país toda a responsabilidade pelo planeamento e pela gestão do sector dos transportes públicos.
Meu caro Tiro ao Alvo, entendo o seu ponto de vista e o de Zuricher. Tanto assim que mantenho esta conversa. Mas entender não obriga a concordar mas sim a respeitar. E respeito, naturalmente, todas as opiniões divergentes das minhas.
Quanto ao exemplo que deu, não escrevi que o seu exemplo não colhia. Escrevi que um mau exemplo naturalmente não invalida a opção. Explico uma vez mais: salvo caso em que me deixo cair no pecado da generalização - e também eu peco - tendo a não analisar o fenómeno pelo lado da sua patologia. Ora, o caso que refere é a patologia.
Aceito melhor que me digam que a visão da sociedade que perfilham pressupõe, como comenta Zuricher, "uma economia tão privada quanto possível" como condição de liberdade. É um pressuposto ideológico que naturalmente respeito, compreendendo que quem assim pensa entenda que o Estado deve reduzir-se a funções mínimas, delas ausente as que têm que ver com a intervenção na economia através, designadamente, empresas. Já me custa a aceitar que um exemplo de má gestão conduza às conclusões que o meu caro Tiro ao Alvo extrai.
Caro Ferreira de Almeida, saiba que sobre transportes públicos não defendo um sector “tão privado quanto possível” como condição de liberdade. O que defendo é que as empresas de transportes públicos – comboios, metro, autocarros, etc. -, quer sejam privadas ou não, devem funcionar de uma forma coordenada, em obediência a um plano que tenha em conta os diversos interesses públicos em jogo, mobilidade, urbanismo, etc., plano que deve ser concebido e controlado por uma entidade pública acima do nível dos municípios. Mais nada.
Caro Tiro ao Alvo, a tal "entidade pública acima do nível dos municípios" é precisamente o que os municípios em Portugal nunca quiseram e nenhum governo foi capaz de fazer-lhes frente.
Uma autoridade de transportes tem funções de coordenação de transportes que envolvem coordenação de horários, de tarifas, de repartição das receitas dos titulos (passes ou bilhetes) multimodais, de inspecção do cumprimento pelas empresas das condições comerciais a que estão sujeitas, financiamento dos transportes públicos urbanos, suburbanos e periurbanos e um largo etc relativo às empresas. Mas tem também importantes funções de planeamento e coordenação de infra-estruturas de transportes como sejam interfaces e a sua localização, parques de estacionamento, expansões de redes, faixas BUS, ordenamento viário, financiamento de infra-estruturas de transportes, etc, etc que entram em cheio em competências que os municípios têm em Portugal. Nuns casos as autoridades de transportes têm mesmo poder decisório próprio, noutros em conjunto com os municípios com estes subordinados àquelas.
Ou seja, os municípios perdem uma série de competências que têm hoje em dia... que é precisamente tudo o que não querem, não aceitam e ninguém teve até hoje coragem para fazer-lhes frente.
Sem um organismo de topo com as atribuições relativas a transportes numa área metropolitana tudo o resto é inglório o que, aliás, se nota muito bem em Lisboa. Inversamente, no Porto, embora não exista um organismo assim, com o projecto do Metro do Porto foi criado um sucedâneo informal de autoridade de transportes que planeou e coordenou a revolução nos transportes da AMP que aconteceu com a implantação do MdP e que levou a mudanças profundas na CP, STCP e empresas privadas com resultados de tal forma positivos que levam a que o Porto seja hoje um case-study de boas practicas em organização de transportes numa área metropolitana.
Caro Zuricher, obrigado pelas suas explicações que, para mim, eram desnecessárias, pois, neste particular, comungo inteiramente dos seus pontos de vista.
Relativamente à coordenação dos transportes na área metropolitana do Porto, nem tudo foi bem feito e ainda há coisas por fazer. Muito concretamente, a extensão do Metro até à Póvoa de Varzim, penso que foi um erro e que os habitantes daquela região estariam muito melhor servidos se apenas tivessem alargado e duplicado a linha e adquirido composições de comboios adequadas a tão curta distância - 30 Kms. Basta dizer que o tempo que o Metro demora, hoje, a percorrer esses 30 Kms., o mesmo que demorava na época dos comboios a vapor...
Além disso, algumas das ligações Porto/Póvoa são feitas em modo expresso, parando o Metro apenas em algumas estações, não tendo havido o cuidado de criar interfaces nessas estações, com as redes de transportes locais (autocarros), que servem a região, cujos autocarros continuam a parar nas estações não servida pelos expressos, alongando assim, desnecessariamente, os tempos de viagem.
Concluindo, continue o Zuricher a lutar pela sua dama, tanto mais que parece dominar bem esta problemática e pode ser que algum dia apareça um governante que pegue o boi pelos cornos e as coisas mudem, por que, lá diz o povo, "água mole em pedra dura, tanto bate até que fura".
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