Deve ou não haver "visto prévio" aos programas eleitorais? Até há umas semanas atrás o assunto estava completamente fora da agenda política. Era um não assunto. O Estudo dos 12 Economistas apresentado ao PS veio suscitar pelo PSD a necessidade de o submeter a uma avaliação independente. Mas quem o faria? De imediato surgiu a ideia de entregar o trabalho à UTAO ou ao Conselho das Finanças Públicas. Mas dispõem estas entidades de um estatuto de independência para o efeito e de recursos adequados para o fazer?
A resposta ao "visto prévio" não é simples. E não é simples porque previamente à discussão de questões de ordem técnica há que avaliar o significado de instituir a avaliação de programas eleitorais. O País quer e precisa da avaliação independente dos programas eleitorais? Qual o seu significado de um ponto de vista das instituições políticas?
Este é um dossier a exigir uma reflexão ponderada, fora dos holofotes mediáticos e da urgência dos tempos que correm. A pressão pode ser positiva, mas não em excesso, pois normalmente o resultado são decisões precipitadas ou mal estruturadas. Poderemos concluir pela vantagem, pelo ganho para a democracia em o fazer. A responsabilização e a transparência são ganhos indiscutíveis. Mas temos nós condições institucionais para o fazer já?
25 comentários:
Não, Margarida, não faz sentido algum o escrutínio dos programas eleitorais que não seja feito pelos eleitores a quem se destinam. A ideia de um atestado de credibilidade passado por uma qualquer agência pública, por mais independente que seja, é para mim uma aberração num sistema representativo que rejeita a ideia de diretórios, mesmo que tecnicamente iluminados. Se assim não fosse, tínhamos resolvida a magna quaestio, achar as melhores soluções para a condução do País. Bastaria escolher para o governo os escrutinadores pois, pelos vistos, na cabeça de quem avançou com esta ideia (que nem sequer tenho por séria...) eles é que sabem como e o que fazer.
O problema é outro e esta ideia peregrina de um visto prévio aos programas eleitorais é a melhor prova dele. Os dirigentes dos partidos têm hoje plena consciência da fraca credibilidade das suas propostas. A falta de fé das pessoas nos programas é, no fundo, o resultado da erosão provocada, quando não pela dissimulação em que se especializaram os estrategas partidários, pela promessa vã porque formulada sem qualquer preocupação de estudar a realidade e projetar os efeitos das propostas. Esse problema não se resolve com pareceres de sábios "independentes", mas com uma nova república que restitua à política o seu nobre significado.
Já agora não me venham dizer que noutros países essa prática de "visto prévio" é aceite e praticada. Para além de estar habituado a que estes argumentos comparativos careçam de rigor, nunca fui adepto destes mimetismos. Aliás, uma das doenças que parecem incuráveis, é esta tendência para espreitar o que os outros fazem para aplicar no ambiente e na cultura que são os nossos, sem a preocupação - mais uma vez - de estudar de que forma essas práticas se adequam às nossas idiossincrasias.
Claro que o caro JMFA está repleto de razão.
Até porque quem é eleito são os deputados e os deputados não têm programa. A justificação para que não haja eleições todos os dias é que há deputados. Estes que façam as suas propostas concretas e , estas sim, que passem por uma explicação de quem vai pagar a proposta.
Caro JM Ferreira de Almeida:
Na Holanda é feito há muito tempo esse escrutínio público dos programas dos partidos por uma entidade pública semelhante à UTAO.
Porque tal prática é esclarecedora do eleitorado e confere credibilidade (ou não) às propostas eleitorais.
Habilita os eleitores a decidirem informados.
E evita-se a demagogia dos políticos demagogos, que prometem uma coisa e fazem outra, degradando assim a democracia.
Quanto Aos pormenores do «modus faciendi», isso é outra coisa.
A substância da análise é que interessa.
Meu caro Manuel Silva, com o devido respeito, não se evita demagogia alguma. A demagogia é resistente ao conhecimento, se não não era demagogia. A demagogia hipnotiza, o conhecimento e o rigor técnico não encantam maiorias.
Tinha antecipado no meu comentário isso que se anda para aí a dizer que noutras democracias, supostamente mais avançadas, já se procede a este escrutínio. Confesso a minha ignorância. Pode ser que o mei caro Amigo me elucide sobre quem, como e com que resultados concretos se procede à verificação da valia das prognoses e promessas eleitorais dos partidos holandeses, o que desde já lhe agradeço.
A minha confessada ignorância não me impede de reiterar o que disse: não vou atrás de exemplos de outros quando não fazem sentido, não o faço sabendo que a ambiência e a cultura políticas são diferentes das nossas; e, sobretudo, a questão da promessa infundamentada não está nela mesmo, está na ausência dos valores que, assumidos pelos dirigentes partidários, permitiria que não existisse.
Caro JM Ferreira e Almeida:
Segundo um artigo do jornal «Observador», que me parece factualmente bem informado (pode confirmar para a Holanda no link de Frits Bos: http://www.voxeu.org/person/frits-bos, um economista que faz parte do CPB, o organismo que avalia os programas), tal prática ocorre nos EUA desde 1974 e no Reino Unido desde 1997. Na Holanda tem já 25 anos, portanto, desde 1990.
Frits Bos e outro economista, Coen Teulings, professor em Oxford, publicaram um estudo que é hoje um «case study», do qual este artigo do «Observador» retira exemplos de gráficos de análise dos programas dos partidos.
Pode consultar o artigo aqui: http://observador.pt/2015/05/02/analise-das-propostas-eleitorais-antes-das-eleicoes-psd-quer-ps-nao-na-holanda-acontece-ha-25-anos/
É evidente que a cultura (tout court) do povo, em geral, é baixa, e a cultura económica ainda mais. Mas se mantivermos esta prática rotineira da mentira nas campanhas eleitorais caímos no sacramental «são todos iguais» e no «deixa andar», que nos conduzirão à abstenção galopante.
Antes da crise, há-de aceitar, havia muito mais ignorância sobre a economia do que hoje, porque se passou a falar dela todos os dias.
E muito menos consciência de que andámos décadas a gastar acima do que produzíamos, vivendo artificialmente à custa de empréstimos favorecidos por um contexto geral que os estimulava e os dissimulava.
(Só é pena que se tenha depois caído na lógica política rasteira da atribuição de culpas, em vez de se ter compreendido as razões económicas porque caímos na bancarrota: que são variadas e tiveram muitos protagonistas ao longo de décadas, com diferentes graus de responsabilidade).
Voltando ao escrutínio, porque não será legítimo fazê-lo publicamente e apurar-se as consequências económicas dos programas dos partidos? Por ser uma prática alheia à nossa cultura política? Mas então é legítimo sermos forçados a introduzir práticas de controlo orçamental típicas desses mesmos países que têm uma cultura e rigor orçamental?
Os bons exemplos são para seguir, venham donde vierem.
Se me falar do «modus faciendi» e dos cuidados a ter, aí estou de acordo consigo.
Até pode dizer-me que não deveria ser a UTAO mas outra entidade.
Mas já estamos a falar de outra coisa.
Meu caro Manuel Silva, percebo a sua fé e atribuo-a a um desejo bondoso, que é o de mudar o estado de coisas. Aí coincidimos. No resto não. Repito o que sempre aqui escrevi e tenho testado ao longo da vida, designadamente da minha vida académica e profissional, esta última já pesada: adotar métodos, procedimentos, que radicam em tradições que têm a sua explicação cultural, nunca nos foi favorável.
Mas para não me repetir, a minha objeção não é quanto ao modus, é mesmo quanto à ideia. Está o meu Amigo convencido da "independência" da UTAO? Acha mesmo que a UTAO ou qualquer outra instituição, pública ou privada por que se optasse, não tem na sua composição pessoas com diferentes orientações ideológicas que leem a realidade dos números à luz das suas convicções, dos seus modelos, das suas ideias? Repare que não estamos a falar de mandar analisar a contabilidade. Estamos a dizer que existe um conjunto de sábios que, com total neutralidade, são capazes de avalizar, de uma forma quimicamente pura para que dela o Povo possa beber sem o risco de contaminação, coisas que não passam de prognoses ou que se baseiam em variáveis cuja volatilidade é o único dado certo.
Não, caro Manuel Silva, não precisamos de mais sábios. Precisamos de gente politicamente honesta e de um eleitorado desperto.
Caro JM Ferreira de Almeida:
Disse: «Está o meu Amigo convencido da "independência" da UTAO?»
Não discuto que deva ser a UTAO, pode ser outra, tudo isso eu englobo no «modus faciendi»: o modo e quem o executa.
O que defendo é o princípio e a cultura do escrutínio das pantominices eleitorais, para cada vez serem menos pantominices, ou as que se mantiverem serem denunciadas.
Disse: «Estamos a dizer que existe um conjunto de sábios que, com total neutralidade, são capazes de avalizar, de uma forma quimicamente pura para que dela o Povo possa beber sem o risco de contaminação»
Não se trata de análises quimicamente puras, trata-se de análises tecnicamente sérias e fundamentadas.
Não me diga que tal não é possível?
Disse: «Precisamos de gente politicamente honesta e de um eleitorado desperto.»
A honestidade está à partida nas pessoas mas também se constrói (melhor, se pratica) em maior ou menor grau dependendo dos contextos.
Levando o seu princípio ao absurdo, teríamos de acabar com a democracia, pois não há pessoas isentas e quimicamente puras para a praticarem.
A vida política em sociedade é uma prática que quanto mais escrutinada mais controlável e aperfeiçoada poderá ser.
Mesmo ainda sem análise da UTAO (ou de outra entidade) veja o progresso que um documento como o Cenário Macroeconómico do PS já proporcionou, a discussão que permitiu e a luz que se fez, até sobre as suas fragilidades.
Já houve uma espécie de análise «avant la lettre» pela UTAO informal e não especializada (nem isenta ou quimicamente pura) que somos todos nós.
Melhor do que se não tivesse havido documento.
Meu caro Manuel Silva, o seu último argumento prova de mais e por isso invalida-se a si próprio. Note que o tal cenário macroeconómico que o PS apresentou não vale mais nem menos pelo facto de não ter sido objeto do escrutínio que o PSD sugeriu. Vale porque gerou a imediata necesssidade de serem devidamente fundamentadas as proposições que nele se baseiam. Vale porque obriga ao contraditório das restantes forças políticas. Por isso, se o PS o adotar sem reserva mental, a racionalidade do que é proposto vingará. Se o fizer com reserva mental, decaírá uma vez mais na costumeira demagogia de só se propor executar o que é popular.
Caro JM Ferreira de Almeida:
Certo, relativamente a este documento em concreto.
Mas a mim interessa-me mais o princípio.
E esse, com os 3 exemplos que lhe dei (EUA, UK e NL), mantêm-se válido.
Mas a sua opinião é legítima.
Não o quero converter, isto não passa de uma mera troca de opiniões.
Bom; uma vez que se verifica impossível encontrar uma entidade pública ou privada independente políticamente e suficientemente capaz para validar os programas eleitorais; ao menos que se crie um orgão oficial que seja fiel depositário do programa eleitoral que vencer as eleições e possua a autoridade suficiente para o fazer cumprir durante o seu exercício. Caso contrário, continuamos na mesma fantochada que tem sido: para ganhar eleições, apresentam-se programas fantásticos e fazem-se promessas muito sérias, depois... bom, depois vira-se o jogo de pernas para o ar, os jornalistas os comentadores o tribunal, o Presidente da República, a oposição, a opinião publica; toda a gente mia mas quem governa faz aquilo que bem entende.
Cara Margarida,
«Este é um dossier a exigir uma reflexão ponderada?»
A «Economia» não é uma ciência como a matemática, a física ou a medicina. E há muitos que afirmam que a economia nem sequer é uma ciência...
Como sabe, há economistas reputados que vão da extrema esquerda à extrema direita. Tudo depende daquilo que se pretende. E tudo depende das escolas que professam.
Eu defendo que a economia deve tentar proporcionar o máximo de bem-estar ao maior número de pessoas possível. Outros há que não vêem desta maneira - o importante é a produção, não importando que 99% da riqueza vá para 1% da população.
Como exemplo deste segundo grupo: é melhor produzir um Porche de 150.000 euros do que quatro Peugeots de 30.000 euros.
Caro Bartolomeu,
mas existe uma entidade privada independente politicamente capaz de validar os programas dos partidos. É o meu caro!
Caro João Cruz; se bem percebeu o sentido do meu comentário, concluiu não ser a validação do programa eleitoral dos partidos que precisa de ser visado, mas sim, o seu cumprimento depois de os seus autores serem eleitos.
Estou com o Ferreira de Almeida. A validação de programas eleitorais por uma comissão técnica parece-me um absurdo em termos do regime democrático vigente. Seria uma validação em relação a quê? À Constituição? E o Tribunal Constitucional? Em relação á lei ordinária? Em relação às normas europeias? Em relação ao pensar dos membros da comissão?
Neste regime de democracia representativa cabe ao cidadão escolher. Sem tutelas.
Caro Dr. Pinho Cardão:
Não se trata de avaliar politicamente a totalidade dos programas partidários.
Trata-se de avaliar os programas dos partidos quanto às suas consequências na saúde das contas públicas: cumprimento do défice; redução da dívida; sustentabilidade da SS; etc.
O eleitorado, em quem o senhor tem uma fé inabalável, tem escolhido muito bem – já não vou mais longe – desde a preparação do país para a entrada no euro e depois no percurso dentro da nova moeda, que nos pôs novos desafios: não haja dúvida que tem escolhido muito bem.
Têm-se visto a excelência das escolhas do eleitorado, certamente bem informadas.
E não me venha dizer que são os países onde tal é feito há décadas (p. ex, os EUA, o Reino Unido e a Holanda) que estão errados.
Seja a UTAO ou outra entidade.
Se não é possível encontrar nas nossas elites quem faça isso com competência técnica e isenção como é possível encontrar quem depois nos governe com competência?
Caro Manuel Silva:
Não vou citar Churchill sobre o sistema de democracia representativa. Mas posso dizer-lhe que confio mais na escolha do eleitorado do que no conselho de qualquer grupo de sábios.
Caro Dr. Pinho Cardão:
Não se trata de o Conselho de Sábios analisar os programas dos partidos e aconselhar as pessoas a votar neste ou naquele, nem sequer apreciar globalmente cada programa.
Trata-se de avaliar as consequências das medidas propostas, especialmente as que têm implicações nas contas públicas ou noutros aspectos essenciais da nossa vida colectiva: p. ex. a sustentabilidade da SS; o SNS.
Sabe que um dos temas do debate actual no Reino Unido é o financiamento do SNS?
É disso que se trata, habilitar o eleitorado a decidir com mais informação, sabendo que as promessas de bacalhau a pataco normalmente saem caras.
E que tal validar a consistência interna dos próprios documentos?
Para não termos em simultâneo promessas de baixas de impostos, aumentos de despesa e consolidação orçamental, num cenário de crescimento económico e baixa de desemprego totalmente inexplicados.
Não se trata de dizer que a proposta A é melhor que a B. Trata-se de analizar se a proposta A ou B são compatíveis com a realidade. Era bom que as opções políticas todas elas legítimas fossem tomadas dentro plano da realidade.
Caro Manuel Silva:
Teríamos então que outorgar ao tal Conselho poderes de infalibilidade no julgamento. Teríamos assim uns novos "papas" para aferirem das propostas.
Ora, mas se já nem ao Papa o dogma da infalibidade se vai aplicando...
Caro Dr. Pinho Cardão:
Quando se não quer admitir o óbvio, dá nisto.
Um fala em alhos (na realidade e na possibilidade de se acrescentar algo para o seu conhecimento), outro fala em bugalhos (infalibilidades).
Paciência, cada um na sua, e adiante.
Caros Amigos e Comentadores
As ideias e os comentários aqui deixados mostram bem que o assunto não é pacífico.
É curioso ver que até agora ninguém se preocupou com a avaliação de programas eleitorais. Mais uma vez o escrutinio público tem sido muito reduzido. Não temos tradição de avaliação, não avaliamos coisas tão fundamentais como políticas públicas. Esta "fiscalização" pela sociedade civil não pode nem deve, a meu ver, ser substituída por outras instituições. O escrutínio público tem uma função insubstituível e aqui ainda temos muitos progressos para fazer, até para podermos decidir o que queremos efectivamente avaliar e como fazê-lo.
Recordando ensinamentos de Margaret Tatcher. Acedam ao link para visionar o vídeo:
https://www.youtube.com/watch?v=WFIN5VfhSZo
Segundo vídeo:
https://www.youtube.com/watch?v=0wrlw2BVI84
Hoje com a serenidade provocada pela distância do tempo, a imagem da "Dama de ferro" vai sendo outra. Afinal, ela tinha bastante razão a respeito dos equívocos do socialismo...
Caro Pedro Almeida
Obrigada por partilhar os vídeos, parece que foi ontem. Gostei especialmente do segundo vídeo no qual Margaret Tacher chama a atenção sobre quais são as funções do Estado e o que devemos esperar do seu desempenho.
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