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quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Porque é que a cultura é tão desprezada?

Não conheço os subscritores da petição pelo Conservatório Nacional que está a circular na Internet para a obtenção de 4.000 assinaturas com o objectivo de apelar aos órgãos de soberania para a urgente intervenção de salvamento do seu Salão Nobre. Mas o assunto merece a nossa atenção!
A Escola de Música do Conservatório Nacional é a mais antiga escola de música em Portugal, fundada em 1835. Em 1881 foi inaugurado o Salão Nobre, da autoria do arquitecto Eugénio Cotrim, do qual se destacam e ainda se podem admirar no tecto os magníficos frescos de José Malhoa. Está situado no Bairro Alto no Convento dos Caetanos, num dos bairros populares da cidade de Lisboa, no qual abundam elementos pitorescos e antigas casas senhoriais e palácios, alguns do século XVII.
O Salão Nobre para além do seu inegável valor arquitectónico e artístico, foi ao longo dos últimos 60 anos um espaço de extraordinária vitalidade musical e cultural, no qual concertos, audições, concursos e aulas deixaram as suas marcas. O Concurso Internacional de Música Vieira da Motta deixou de se realizar, como sempre foi tradição, no Conservatório Nacional devido ao seu estado de degradação.
Desde 1946 que não são efectuadas obras no Salão Nobre, que se encontra em elevado estado de degradação que ameaça chegar a um ponto de não retorno - com paredes rachadas, um balcão lateral suportado por barras de ferro, cadeiras com estofos rotos e reposteiros podres, instalação eléctrica à vista, paredes com buracos – num espectáculo que nos deveria envergonhar a todos e em particular aos responsáveis políticos da Cultura.
Desde há muitos anos que sucessivos conselhos directivos do Conservatório Nacional solicitam e insistem junto das entidades competentes para a necessidade e urgência da realização das obras. Chegou a ser publicado um concurso público em finais de 2005 para a Recuperação do Salão Nobre, o qual viria, no entanto, a ser cancelado!
A realidade que está à vista não é, como é óbvio, obra de agora. É consequência de uma enorme negligência e inércia que ao longo dos anos se tem vindo a verificar.
É inacreditável que se tenha chegado ao ponto a que se chegou no único Conservatório de Música existente em Lisboa. E digo único porque se olharmos para o que se passa em outras capitais europeias como Paris ou Praga verificamos que existe uma escola de música por bairro.
Veremos se a petição tem o condão de sensibilizar o Governo para que não se cometa mais este crime de lesa-património.
Se o Governo continuar de braços cruzados, ficamos sem Património e sem Música. Ficamos também cada vez mais longe da Cultura e da Educação. Cada vez mais ignorantes…

11 comentários:

SC disse...

Cara Margarida,

Estou de acordo quanto à preocupação por, mais este, exemplo de negligência continuada.
Só não me limito é a olhar apenas para o Governo.
Será que os secessivos Conselhos Directivos do Conservatório não tiveram mais imaginação, e vontade, para anagariar os fundos necessários senão bater à porta do Governo?

Bartolomeu disse...

Cara Margarida,
A meu ver, o Salão Nobre representa o coração do Conservatório Nacional e este, por sua vez, representa um braço do nosso património cultural.
Deixar que este coração pare em definitivo, significa amputar-lhe um orgão que lhe é caríssimo pelo carácter representativo que desempenha.Ésta é mais uma das incoerências que grassa na sociedade política e civil do nosso tempo. Por quanto tempo mais, será necessário fazerem-se petições e denúncias nos orgãos de informação, para que os orgãos do governo, das diferentes tutelas, ajam, ou deixem de agir em determinadas questões, que são como a cara Margarida refere, de lesa património?
Até parece que o património nacional, é pertença de meia-duzia de cidadãos e que não espelha a afectividade que a nação dedica às suas obras.
Obras no salão nobre do "seu" Conservatório, né sôr João Domingos Bomtempo?
Pois... não dá votos, sabe?
Fica mais barato deixar ruir...

Rui Fonseca disse...

Cara Margarida Corrêa de Aguiar,

Quem lê este seu "post" dificilmente reprime um desabafo de indignação. E, no entanto, as situações de incúria são tantas que a banalização já tomou conta da nossa consciência colectiva, se alguma vez existiu. A nossa indignação é, lamentavelmente, ocasional.

Mas é recomendável também outra leitura.

O Estado é, em Portugal, para uns um empecilho, para outros um inimigo, para quase todos um indispensável guarda-chuva. Sempre que alguma coisa menos boa ocorre, a culpa é do Estado, chamem o Estado, e depressa.

É assim também com a cultura. E convém ter sempre em conta, a este propósito, que quando falamos de cultura muitas vezes do que falamos é da falta dela.

Se os preocupados já 4000 subscritores em vez de se limitarem a assinar, à frente da assinatura colocassem um contributo talvez as obras pudessem arrancar já no próximo mês de Janeiro. Que lhe parece?

Dir-me-á: Mas não é suposto que é para pagar estas e outras coisas que pagamos impostos. É, mas pelos vistos não chega. A menos que se corte em outra parte qualquer. Caímos sempre na mesma, Cara Margarida!

Este assunto dá pano para costurar todo o dia. Fico-me pelas mangas.

Em Washington, perto da qual me encontro, foi inaugurado no passado mês de Outubro um novo espaço para a Shakespeare Theatre Company,o Sidney Harman Hall, bem próximo do anterior, que se mantém aberto, o Lansburgh Theater.

O novo espaço tem o nome do principal mecenas e no hall estão também gravados os nomes dos outros beneméritos, um dos quais "Anonymus".
O teatro vive da bilheteira e de contribuições que variam entre $75 e $1500 por ano.

Conhece algum espaço cultural em Portugal que tenha sido pago por algum mecenas? Eu não conheço.

Conheço, sim, muitos locais onde estão placas comemorativas de inaugurações, nomeando os políticos que mandaram fazer as obras, algumas bem escusadas, com o nosso dinheiro.

São Carlos tem um mecenas, O Millennium, que cobre cerca de 16% dos custos. A bilheteira cobre mais 16%. O resto é pago por todos os que pagam impostos, a esmagadora maioria dos quais nunca pôs nem vai poder pôr os pés em
São Carlos.O Millennium, por outro lado, tem direito a bilhetes para amigos e conhecidos a preços de bilheteira, isto é a preço equivalente a 16% dos custos. Oferece esses bilhetes também a amigos e conhecidos que não vão lá. Resultado: Ficam lugares vazios e na bilheteira dizem que o espectáculo está esgotado.

No Sidney Harman Hall, não há borlas.

Em Lisboa não há falta de espaços culturais pagos pelo Estado.
Veja o caso do Teatro Aberto. Sou insuspeito porque, no máximo, devo ter falhado 3 ou 4 espectáculos desde o início em que o Grupo se estreou no Tivoli, há bem mais de trinta anos. É uma casa de teatro bonita, duas salas, com todas as funcionalidades requeridas pelo teatro moderno, um bom restaurante, as peças levadas à cena são bem escolhidas. Mas poucos vão lá. A bilheteira não sustenta o teatro, até porque muitos espectadores vão lá com bilhetes oferecidos.

Podemos exigir mais do orçamento?
Ou temos de optar?

PS(D)- Já agora: A endividadíssima Câmara de Lisboa continua a montar iluminações de Natal a partir de Outubro e levanta-as lá para Março. Claro que as outras, também endividadas, em geral, fazem o mesmo. Ninguém quer ficar para trás, senão perde as eleições.

Em Washington, a árvore que está em frente da Casa Branca é uma pelintrice quando se compara com a do Millennium, no Porto. Não há iluminações pagas pelos cofres do Estado. Quem quer luminárias paga-as do seu bolso. Aliás, não conheço cidade europeia ou norte-americana com mais iluminações natalícias que Lisboa

O dinheiro não dá para tudo, é o que é. E quem poderia dar uma ajuda faz uma petição com milhares de assinaturas. Ou ignora.
Mas vai a São Carlos se não vai alla Scala.

Rui Fonseca disse...

Exagerei quando disse que não há espaço cultural público com um nome de um mecenas: Existe a Gulbenkian. Arménio.

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Caros Amigos
Deixo aqui alguma reflexão sobre o mecenato que me suscitaram os diversos comentários. O mecenato cultural pode ser mais uma fonte de financiamento de investimentos na reabilitação de património histórico e artístico e da exploração de actividades ligadas directa ou indirectamente à cultura.
Em Portugal vai havendo algum mecenato (cultural, social) mas não se pode dizer que haja uma cultura de mecenato. Do meu ponto de vista a legislação que enquadra a actividade do mecenato precisa de ser revista, para que sejam criados adequados incentivos e se obtenha uma correcta conjugação de interesses privados e interesses públicos.
Por outro lado, para que o mecenato ganhe outra dimensão é também necessário, do meu ponto de vista, conceder alguma autonomia administrativa e financeira à gestão do património beneficiado e criar mecanismos que incentivem e reconheçam o esforço realizado pelos responsáveis directos dessa gestão.
Quando o mecenato implica um grande envolvimento financeiro (as questões serão as mesmas para projectos pequenos mas com graus de exigência diferenciados) também deve exigir mecanismos que permitam avaliar e medir os resultados, bem como dispor de uma certificação de que o beneficiário dispõe de um conjunto de instrumentos de gestão e requisitos de boas práticas de gestão que garantam valor económico e social à intervenção.
Recolhi alguma informação adicional sobre o que se passa com o Conservatório Nacional e quer-me parecer que estará em causa acabar com o ensino "especializado" da música. Mais uma...

Caro SC
Não sei porque razão o Conservatório Nacional não recorreu eventualmente ao mecenato ou se recorreu, e não tendo sido bem sucedido, quais as razões para ver inviabilizadas ajudas que eventualmente tenham sido apresentadas.

Caro Bartolomeu
Tenho verificado que há muito mais apetência para licenciar a construção de novos equipamentos e edifícios, com honrosas excepções muitas vezes conseguidas com a pressão da sociedade civil.
Para quê reabilitar o que é velho?
É por estas e por outras que somos "ignorantes". Não basta ter uma licenciatura ou fazer o 12º ano - fasquias altas que apenas alguns aproveitam. O nível cultural e moral de uma sociedade não se mede apenas pelas "tecnologias"! Andamos completamente deslumbrados...

Caro Rui Fonseca
Há em Portugal alguns mecenas da cultura de referência, pela importância dos financiamentos envolvidos e viabilidade que asseguram à reabilitação e manutenção de património e actividades culturais. São, no entanto, poucos. São os casos, por exemplo, e passo a publicidade, da EDP em relação à Companhia Nacional de Bailado e o Millennium em relação ao Museu Nacional de Arte Antiga.
Mais depressa há dinheiro para iluminações de Natal do que para reabilitar os "Salões Nobres" do País. Isto diz tudo...

Rui Fonseca disse...

Cara Margarida C. Aguiar,

Nos EUA os mecenas são pessoas, não são empresas.

Quando diz, e eu concordo, que falta uma cultura de mecenato em Portugal, só discordo quando refere a EDP e o Millennium. É muito fácil ser mecenas com o dinheiro dos outros.

Realmente, passe a redundância, o problema da cultura em Portugal é a falta dela.

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Caro Rui Fonseca
Quanto a pessoas então é que o mecenato está na "infância da arte"!
Quanto às empresas não vejo que seja negativo. Se têm fundos ainda bem e ainda bem que os accionistas estão de acordo.
Apoiado, sem reservas: "o problema da cultura em Portugal é a falta dela".

antoniodasiscas disse...

Cara Margarida
Sinto-me humilhado com tanta incúria e desfaçatez dos sucessivos governos que temos aturado, uns mesmo assim melhores, outros, de mal pior. Esta indiferença, bem exposta no seu texto, é na realidade descorçoante e atrevo- me a perguntar à actual ministra, com m pequena, já se vê, se tem ideia do que é um país sem referências culturais, que vão desde edifícios, a todos os títulos especiais, que é indispensável conservar, até a uma Guilhermina Sugia, de quem como é de desconfiar, a ministra nunca ouviu falar! é que os outros governos eram maus, mas não foi para melhorar que o Zé Pagode votou nestes senhores ? E o Zé Pagode saberia porquê ? Não resisto a transcrever do jornal Público de hoje, o registado no " escrito na pedra" de Eça de Queiroz : no fundo , nós somos todos fadistas: do que gostamos é de vinhaça e viola e bordoada.

Pedro disse...

Nesta história do conservatório há uma coisa que eu não percebo e desde já confesso a minha completa ignorância.

Parece-me que os particulares gastam rios de dinheiro na educação musical dos filhos. Mesmo no interior existem escolas de música. E estou a falar de música erudita e não de professores com pregos espetados pelo corpo a ensinar guitarra eléctrica e bateria.

Há mercado na música erudita (mesmo pelas más razões) e o conservatório não deve estar a sobreviver. Paciência, outros melhores já devem ter ocupado o seu lugar...

Cumprimentos,
Paulo.
PS: a página do conservatório nacional (que apenas tem pólos em lisboa, loures e amadora) diz muito...

http://www.em-conservatorio-nacional.rcts.pt/

Pinho Cardão disse...

Caro Rui Fonseca:
Um abraço!...
Bem escrito. Completamente de acordo contigo!...

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Caro antoniodasiscas
Excelente lembrança! O grande Eça de Queiroz é intemporal no diagnóstico que faz deste "cantinho à beira mal plantado". Vale a pena relermos a sua obra...

Caro Paulo
Parece haver mercado para tudo, mas a qualidade enquanto património deve ser, a meu ver, prioritariamente preservada.
As escolas medem-se pela cultura que impõem. O Conservatório Nacional apesar de estar a "cair" acumula um acervo de cultura pelo qual deveríamos ter mais respeito. É fácil destruir, mas construir leva muito tempo...
Se o Salão Nobre for devolvido aos cidadãos certamente que ficamos todos a ganhar. O Conservatório Nacional encontrará aí, de novo, uma excelente fonte de promoção da cultura, à qual não será alheia uma fonte de receita que lhe permitirá ultrapassar alguns dos problemas financeiros com que se debate. A obtenção de valor cultural, económico e social passa por, num primeiro momento, fazer os necessários investimentos.