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quarta-feira, 5 de novembro de 2008

“Número de Danbar”...

Certas notícias provocam-me uma certo desconforto ao ponto de ficar a ruminar dias a fio sem saber como me libertar.
Badaró morreu. Ao ler o relato do funeral fiquei a saber que o mesmo “contou com a presença do único filho, de amigos e vizinhos e de só quatro artistas, incrédulos com a falta de solidariedade da classe”.
O humorista já tinha entrado naquela idade em que se começa a morrer com mais frequência e há muito que devia ter-se libertado da ideia de “imortalidade” própria das crianças e dos jovens. Também já devia ter-se esquecido da fase da “intermitência da morte”, quando os avós ou os pais vão desaparecendo. Na última fase a morte começa a ser normal na vida de cada um. O ponto de viragem, que caracteriza esta fase, corresponde ao momento em que todos os anos se espera que morra um familiar, um amigo ou pessoa do nosso círculo social da mesma idade. Qualquer morte, neste período, pode provocar um choque terrível e inesperado, mas não pode ser considerada como uma surpresa.
Chegou o momento. Qualquer um deve ter, pelo menos, uma centena de pessoas pertencentes ao círculo social e familiar as quais “são” convidadas para o funeral! Cem pessoas? Mas a capela mortuária não leva tanta gente! Não há problema! Em média metade estará demasiada ocupada para assistir à cerimónia. A frase de Max Beerbohm, humorista e caricaturista inglês, na sua novela, Zuleika Dobson, “A morte cancela todos os compromissos”, faz-me sorrir, porque depende de quem morre, como é óbvio.
Mas poderão questionar, como se chega aos tais putativos cem acompanhantes de um funeral? O cálculo não é meu, foi feito por Michael Kinsley, num belo ensaio publicado no The New Yorker. O jornalista norte-americano utilizou o “Número de Dunbar” e aplicou-lhe dois terços. O “Número de Dunbar” é, segundo o antropólogo do mesmo nome, a quantidade de indivíduos com os quais uma pessoa pode manter uma relação estável. O cientista teoriza que este número depende do tamanho do neocórtex cerebral, que começou a desenvolver-se há 250.000 anos. Tudo aponta que os grupos com um tamanho de 150 pessoas são ideais para construir tribos. Para que os seus elementos se mantivessem juntos teriam de ter fortes incentivos. De facto, despendiam cerca de quarenta por cento do tempo na socialização, o que permitia manter o grupo coeso. Aqui está um interessante fruto que depende do tamanho do neocórtex, imagem de marca da espécie humana. Os dois terços de “convidados” para um funeral, calculados por Kinsley, a partir do “Número de Dunbar”, correspondem aos que têm uma idade idêntica ao do morto.
Poderão argumentar que, no caso do Badaró, o círculo já não seria de 150 e o número de “convidados” para o funeral, com a mesma idade que o humorista, não atingiria a centena. Hum! Talvez! Mas mesmo assim, aos 75 anos, os cálculos matemáticos apontam para a existência de cerca de quarenta por cento dos “cem” originais. Apareceram pouco mais de quatro!
As leituras referidas permitiram-me libertar-me do incómodo que relatei no início desta crónica. Afinal, devemos estar presente perante um problema de “involução” do neocórtex num determinado círculo. Claro! Sem um bom neocórtex não há solidariedade possível...

2 comentários:

jotaC disse...

Talvez o neocórtex do grupo do Badaró esteja já mirrado...de facto não se têm visto grandes sorrisos!
Foi acompanhado por poucos mas sinceros e desinteressados, acho eu...

Suzana Toscano disse...

É triste, mas é cada vez mais difícil encontrar os tais " fortes incentivos" para que as pessoas mantenham laços e então, se forem velhas e sem herança visível,é quase impossível. Às vezes nem que se tenha levado a vida inteira a cultivar afectos.Além disso é preciso tempo, como refere, "despendiam cerca de quarenta por cento do tempo na socialização, o que permitia manter o grupo, o tempo de socialização não é valorizado, não se mede em produtividade e é, bem pelo contrário, considerado improdutivo ou nocivo. Talvez tenhamos que rever os nossos conceitos sociais de "perda de tempo".