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sexta-feira, 23 de abril de 2010

Acções de marketing e julgamentos populares

Cada vez mais proliferam os julgamentos populares patrocinados pelos media que, obviamente com pouco rigor, apresentam ou interpretam, a seu modo, a acusação, a réplica e a tréplica, induzindo o povo a condenar o réu sem apelo nem agravo.
Ao longo de quatro anos, o empresário Domingos Névoa foi sistematicamente acusado nos jornais e telejornais pelos irmãos Sá Fernandes como tendo praticado o crime de suborno, pela tentativa de oferecer 200 mil euros ao vereador José Sá Fernandes, através do seu irmão Ricardo, em troca de vir a favorecer um negócio de terrenos entre a Bragaparques e a Câmara de Lisboa.
Se os contornos, a natureza e consequentemente a gravidade do crime tão publicamente publicitado pelos irmãos Sá Fernandes só parcialmente foram acolhidos pelo Tribunal de Primeira Instância, que condenou o empresário a pagar uma multa de cinco mil euros por tentativa de corrupção, agora é o próprio Tribunal da Relação de Lisboa a absolver o “réu” Domingos Névoa.
Absolvição virtual, porque o homem já há muito foi condenado pela opinião pública que, em contrapartida, vai erigir como heróis os irmãos Sá Fernandes.
Claro que nenhum Tribunal pode competir com os telejornais. O Tribunal tem que ser discreto nas sentenças e, bem, não pode nem deve aparecer a justificar publicamente a sua fundamentação. Mas a contestação da sentença por quem fez a campanha da condenação é, de imediato, notícia de primeira hora e devidamente sustentada nos dias seguintes.
E chegámos à inquisição dos nossos dias: mesmo depois de inocentado, o “réu” continua a ser queimado em lume brando.
Situação que pode fazer esquecer que a corrupção é crime demasiado grave para servir a alguns de pretexto à exibição pública de virtudes que deveriam ficar no foro do privado.
Nota: Entre procedimento não ético e desconformidade com a lei vai diferença substancial. Nem tudo o que parece ilegal, no final de contas o é. Ao Tribunal compete ajuizar da conformidade com a lei. A outros, competirá aproximar a lei da ética.

11 comentários:

João Pais disse...

Há uma coisa que nao percebo: de acordo com a notícia, http://aeiou.expresso.pt/domingos-nevoa-absolvido-de-tentativa-de-corrupcao=f578111, foi provado que o empresário contactou o advogado e lhe ofereceu a soma em causa.
A única razao porque o empresário nao foi agora condenado, é porque "não se preenche a factualidade típica do crime de corrupção ativa de titular de cargo político". Quer dizer, porque ele contactou o Sá Fernandes errado.
Mas isso nega o facto que alguém foi contactado e oferecido uma quantia substancial para mexer uns cordelinhos?

Resumo da situacao: Domingos Névoa sai livre. Ricardo Sá Fernandes toma a iniciativa de fazer cumprir a lei (tornando-se "agente secreto" do MP) e tem que pagar 12.000Eu ao primeiro - para além das vissicitudes pessoais que sofre. É este o modelo que quer para o país?

Quando contei a história à minha namorada (estrangeira), ela estremeceu. Esta é uma boa razao porque eu nao vivo em Portugal.

José Meireles Graça disse...

"O Tribunal tem que ser discreto nas sentenças e, bem, não pode nem deve aparecer a justificar publicamente a sua fundamentação."
Meu caro Dr. Pinho Cardão, difìcilmente poderia estar em maior desacordo. Por várias razões: i) Os tribunais julgam em nome do Povo e à luz da Lei, que é suposta ser ela própria uma emanação da vontade popular interpretada pelo legislador; ii) Os julgamentos são em princípio públicos; nem se compreenderia que o não fossem; iii) A publicitação das sentenças (eventualmente omitindo dados que ofendam direitos e interesses legítimos das partes) e seus fundamentos serviria, pelo menos, três propósitos: o permitir aos cidadãos interessados conhecer as leis que nos regem e delas fazer um juízo de valor; o aquilatar da conformidade das decisões judiciais com as leis que nos regem; o pôr os juízes ao abrigo de interpretações abusivas dos fundamentos que levaram às decisões judiciais, precisamente por ignorância de quais foram esses fundamentos. Reconheço que este é um caminho eriçado de dificuldades, por haver o risco de transformar os Tribunais em arenas políticas e mediáticas e neles aparecerem contaminações de justiça popular. Mas a opacidade não protege verdadeiramente nada que mereça protecção. E o corrosivo e crescente desprestígio da Justiça é também fruto da ignorância em que a opinião pública é mantida sobre os constrangimentos que limitam a acção do Juiz. Cordiais cumps.

(c) P.A.S. Pedro Almeida Sande disse...

Quanto mais se conhece o sistema jurídico Português mais se gosta do Anglo-Saxónico. Pelo menos neste último a lei não se espartilha nas vírgulas e na má interpretação e feitura jurídica!

David R. Oliveira disse...

Dr. Pinho Cardão ...
e eu fiquei pasmo. Exactamente pelo que diz na Nota a nós compete-nos tentar de todas as formas - se houver meios e formas - tentar a conformidade entre a Lei e a Moral e a Ética. Porque já chegam os inúmeros casos em que o Direito não acompanha a Moral.
Cumprimentos
David Oliveira

Pinho Cardão disse...

Caros João Pais, JMG, Maioria Silenciosa e David Oliveira:

Sei que a corrupção está na ordem do dia e que, nesse sentido, o meu post não era politicamente correcto nem ia a favor da corrente.
No entanto, a lei escrita que rege as sociedades é uma das maiores conquistas da humanidade. Porque permite que seja em relação a ela que se averiguem e julguem as condutas. E não em relação a sentimentos pessoais ou juízos éticos do julgador.
Nem todos os valores éticos são contemplados na lei. Logo, porque pode não existir sobre eles um consenso alargado. Ou porque pura e simplesmente foram esquecidos.
Assim, nos Estados de direito vigora o princípio de que não há crime sem lei. Se a lei não contempla determinado caso, ele não é crime e não pode o juíz sobrepor-se à lei positiva.
Claro que o processo legislativo nunca termina. Novas condições e novos procedimentos estão sempre a surgir. E novos sentimentos sobre a avaliação das condutas. Não há muitos anos, a pedofilia não era legalmente considerada crime, apesar de ser das condutas mais reprováveis e quase sem perdão. Agora, e felizmente, é.
O meu post teve apenas e tão só como objectivo referir e salientar que condutas pouco éticas podem não ser condutas ilegais. Reprováveis, na mesma. Até por maioria de razão. Mas os Tribunais existem para aplicar a lei positiva e não princípios éticos por mais respeitáveis que sejam.

Caro JMG:
Pois a justiça deve ser discreta, precisamente, para, como diz, e utilizando as suas palavras, "não haver o risco de transformar os Tribunais em arenas políticas e mediáticas e neles aparecerem contaminações de justiça popular".
Evitar que a justiça caia na rua é o objectivo.

commonsense disse...

Portugal não é um paraiso fiscal, mas é um paraíso criminal

commonsense disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Tonibler disse...

Caro Pinho Cardão,

Confiando que as razões pela qual o sujeito em causa foi ilibado são aquelas que são veiculadas pela comunicação social e que esta alega terem sido transcritas do acordão do tribunal da relação, não consigo ver razão pela qual se deva continuar a manter um sistema de justiça civil e justifica a minha velha pretensão de construir casas de banho públicas sobre as campas dos pais do direito português. Ah, e já agora também me quero juntar ao movimento "impostos? eu? porquê?"

Pinho Cardão disse...

Caro Tonibler:
Naturalmente de acordo quanto aos impostos...

Pinho Cardão disse...

Caro Commonsense:
Também acho, pelo tempo que os processos demoram a resolver...

Pedro disse...
Este comentário foi removido pelo autor.