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quarta-feira, 28 de abril de 2010

As sombras de Katyn


A Rússia divulgou hoje mais documentos oficiais que comprovam que massacre de Katin foi ordenado por Estalin. No final da semana passada a RTP 2 passou o filme O Massacre de Katyn, de Andrzej Wajda, um filme polaco de 2007 que conta a tragédia do povo polaco, primeiro às mãos dos nazis, depois às mãos dos soviéticos. Baseado em documentos históricos e tendo como personagens principais as mulheres, mães e filhas dos cerca de 20 000 oficiais e militares polacos que foram feitos prisioneiros pelos soviéticos, em 1940, e depois executados, um a um, com um tiro na nuca, na floresta de Katyn, o filme mostra com uma clareza aterrorizadora a monstruosa acção e a diabólica teia de mentiras urdida em torno da sua autoria. Impressionante o discurso do general às suas tropas aprisionadas, sem saberem que destino os esperava mas com a certeza de que “a Europa” não os ia abandonar, era impossível, mais cedo ou mais tarde ainda haviam de rir-se daquele episódio… Pouco depois começaram a chamá-los, grupo a grupo, pensavam que iam ser libertados, mas desembarcavam numa floresta gelada onde, numa gigantesca vala aberta, já se amontoavam os cadáveres dos que tinham sido chamados antes deles.
Só em 1943, quando a Alemanha invadiu a URSS, se soube do trágico destino dos milhares de oficiais de quem nunca mais se tinha sabido nada. As famílias começam a ser avisadas e os soviéticos acusados do massacre recusam essa autoria e devolvem a acusação aos nazis. Na Polónia ocupada soavam nos altifalantes os nomes da interminável lista de mortos e o massacre foi utilizado na propaganda contra os soviéticos. No entanto, no final da Guerra, quando a Polónia ficou sob influência soviética, a verdade foi substituída por outra verdade, a “verdade oficial”, que decretou que o massacre tinha afinal sido cometido pelos nazis, com o intuito de incriminarem os soviéticos. Contra todas as evidências, incluindo a das datas, os polacos foram obrigados a aceitar esta versão, tendo sido mortos, presos ou perseguidos os que ousavam pôr em causa a inocência dos soviéticos.
O filme consegue mostrar com um realismo impressionante o ambiente de terror, de dúvidas e angústias, de revolta abafada dos que já não sabiam dizer de que lado viria o maior perigo para a sua liberdade e para as suas vidas atormentadas. Já não conseguiam acreditar ou confiar em nada, aprenderam que tudo era possível, mesmo o inacreditável. Numa cena final, a viúva de um general assassinado em Katin, que tinha sofrido o horror do domínio nazi e assistia agora às mentiras e perseguições dos novos dominantes, encontrou um soldado do exército do marido que tinha escapado ao massacre e que agora integrava o exército soviético. Ele aconselhou-a a esquecer, em nome da sobrevivência, a não teimar na verdade e a aceitar a versão oficial, porque os soviéticos tinham ideias diferentes dos nazis e isso era melhor para a Polónia. E ela respondeu-lhe: -“De que serve pensarem de maneira diferente se os actos que praticam são os mesmos?” E afastou-se com desprezo, até a sua silhueta se diluir no nevoeiro espesso que caía no horizonte.
A verdade oficial só cedeu depois da queda do muro de Berlim. Em 1990, Gorbachov reconheceu pela primeira vez a responsabilidade soviética pelo massacre de Katyn, demasiado tarde para todos os que foram sacrificados à importância política da mentira.

2 comentários:

Pinho Cardão disse...

Cara Suzana:
O regime soviético emparelha com os maiores horrores da humanidade. Este é um exemplo. Ou o da Grande Fome da Ucrânia. E tantos e tantos outros. Mas continua a ser branqueado, pior, a ter adeptos e a ser glorificado. Também em Portugal.

José Domingos disse...

Os armários portugueses, também têm muitas verdades, não oficiais, sobre o nosso passado, contemporanêo, a luta "antifascista", os grupos de Argel, a descolonização. Só que por enquanto, é um dogma, quer dizer, não dá jeito.
Os "guardas da revolução", bem pagos, não deixam.
E depois, ainda falam dos revisionistas.