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quinta-feira, 29 de abril de 2010

Os azares de uma cidadã em campanha

Vi há pouco no telejornal uma cena incrível, bem representativa da insensibilidade dos repórteres que acompanham os políticos, ávidos de episódios ridículos ou escandalosos que “marquem” as campanhas.
Gordon Brown saiu em campanha e foi abordado por uma senhora que se queixou de qualquer coisa relacionada com os imigrantes, não sei bem o quê mas era uma daquelas histórias da vida comum e a senhora reteve o candidato até conseguir contar-lhe a sua preocupação. É claro que ele parecia estar a ouvi-la atentamente, como manda a educação e a simpatia de um interessado no voto. No entanto, já dentro do automóvel, Brown desabafou a sua impaciência por aquele encontro, criticando a organização por ter permitido que a senhora o abordasse com aquele história. Ouviu-se tudo porque ele se esquecera de desligar o microfone transmissor, e a sua impaciência mal humorada, qualificando a cidadã de “uma fanática qualquer” soou em alta voz a todos os jornalistas que aguardavam que o carro seguisse viagem.
Enfim, seria normal que o episódio fosse divulgado e corresse mundo, como é costume, mas o que me chocou foi que os jornalistas correram atrás da senhora e contaram-lhe tudo. Um belo “directo”, pensaram os profissionais, o choque da cidadã enganada. Pareciam miúdos sonsos, a fazer uma maldade com ar inocente. Foi visível o jogo facial da mulher, primeiro perguntaram-lhe se ela sabia o que o Primeiro Ministro tinha dito dela e o seu olhar brilhou “ai sim? Ele falou de mim? O que é que disse?”, muito excitada com a importância que ele lhe tinha dado, mas logo o jornalista lhe tirou as ilusões relatando cruamente o insulto e a impaciência. O olhar da mulher esbugalhou-se, ficou hirta, mal conteve as lágrimas com a humilhação e a vergonha a que estava a ser exposta.
A notícia acabava com a conclusão, muito satisfeita, de que Gordon tinha perdido um voto e todos devem ter ido para casa a rir-se muito com a marotice. Mas a senhora, coitada, que ia tão contente com a sua proeza para contar às amigas, deve levar muito mais tempo que o candidato até recuperar do desgosto que lhe deram. Apesar dos pedidos de desculpa imediatos que mereceu do seu ex-ídolo...

7 comentários:

Ana Rita Bessa disse...

:) Moralismos à parte, e sabendo que tomos temos os "nossos dias", não posso deixar de pensar que, de vez em quando ou demasiadas vezes, perdemos o rumo e porquê do que fazemos. Políticos, jornalistas ou simplesmente pessoas. E assim, a "história para contar às amigas" muda para um tom mais feio...

Catarina disse...

Mais um exemplo das “grandes reportagens” que caracterizam a maioria dos repórteres de hoje, mas também da absoluta falta de interesse (e hipócrisia) de muitos políticos pelas preocupações das pessoas que não têm estatuto social e económico de relevo, embora um simples voto de um desses membros da sociedade possa fazer uma grande diferença entre o ganhar e o perder. Seguiu-se, pelo que ouvi também, a sessão do pedido de desculpas que teve a duração de 40 minutos. Não foi meia hora, não foram 45 minutos. Foram 40! O Mr. Brown entrou na casa desta pensionista às 15:02 e saiu 40 minutos mais tarde! Que grande encenação! British hypocrisy at its best! : )
Sempre gostava de saber se havia alguém incumbido de desligar o microfone de lapela! Irá esse alguém aumentar a taxa de desemprego?!

Pinho Cardão disse...

Cara Suzana:
O desabafo de Brown, mesmo no meio do cansaço natural de uma campanha, é censurável. Mas eu, que tanto critico os políticos, agora não vou crucificar Brown.
Condenável, sim, é a atitude dos jornalistas, uma garotice de péssimo gosto que tudo usa, sentimentos e pessoas, para aumentar audiências. Com o beneplácito total das chefias, num exercício de plena irresponsabilidade. A falta de critério que leva a esta libertinagem informativa estendeu-se a todo o lado. E é da história que, a períodos de grande lassidão, se seguem períodos de extrema dureza. Já estivemos mais longe. Lamentavelmente, ficamos cada vez mais perto.

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Suzana
Brown não deveria ter feito aquele desabafo porque, ainda que a pressão da campanha o pudesse explicar, a verdade é que expressa falta de sensibilidade social e falta de consideração pelas pessoas.
Mas não aprovo o comportamento dos jornalistas. Tudo serve para fazer manchetes, em especial se puderem jogar com as emoções e sentimentos das "vítimas" e das audiências. Isto não é profissionalismo, é um exercício de falta de cidadania a todos os títulos degradante.

Fartinho da Silva disse...

É um "jornalismo" saloio que percebe que deve satisfazer um nicho de mercado interessante, o dos saloios.

jotaC disse...

Bom…eu penso que os jornalistas perceberam (e a meu ver muito bem), que a “notícia” seria a reacção da senhora às palavras de Brown, como se veio a confirmar pelo pedido de desculpas.
O facto de um político instalado não querer ser abordado, não é notícia, é um lugar comum em qualquer país do mundo, toda a gente vê o ar enjoado, distante e sobranceiro que põem quando alguém se chega mais próximo, a menos que estejam em maré de cativar simpatias, aí sim, abrem os palácios, e beijinhos e abraços, há que suportar o cheiro a rexona, a lavanda, a dove e, tantas vezes, a sabão azul e branco…meu Deus, tanto sacrifício!… E se calhar, é por todo este sacrifício que em Portugal escasseiam bons políticos…

Catarina disse...

Embora os jornalistas usassem a senhora para as suas notícias sensacionalistas, a atenção recaiu mais fortemente no Mr. Brown como era de esperar! Os canais de televisão estrangeira não perderam a oportunidade de ridicularizar o senhor em questão. Mas o senhor Brown não se vai interessar mais pelos problemas/questões do povo devido a esta gafe. Irá apenas ter mais cuidado e demonstrar uma maior capacidade de dissimulação... tal como muitas outras figuras “ilustres” a quem os microfones de lapela lhes tem pregado partidas.