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quarta-feira, 26 de outubro de 2011

"Amiga dos velhos"

- Então o J. não veio? - Não, o filho foi operado a uma apendicite. - Correu bem? - Correu, o pior foi a infeção que se seguiu! O nosso colega cirurgião disse que são cada vez mais frequentes estes casos, mas não se pode fechar o hospital... - Pois! O raio da infeção hospitalar começa a ser muito preocupante e, ainda por cima, com o aumento da resistência aos antibióticos.
A conversa parou por aqui, mas ficou a pairar na minha cabeça a problemática da resistência bacteriana aos antibióticos, os quais, quando começaram a surgir, criaram expectativas triunfantes que neste momento estão a ser fortemente abaladas. É incrível a velocidade como as diferentes bactérias estão a ficar resistentes. Algumas já adquiriram um estatuto mortífero quando, ainda, há alguns anos sucumbiam ao fim de alguns dias de terapêutica.
O esforço na descoberta e investimento de moléculas apropriadas a este fim foi uma realidade durante algumas décadas, mas nos últimos tempos tem vindo a esmorecer de forma acentuada. As razões são diversas, é preciso muito dinheiro para criar algo de novo e são precisos muitos anos para se obter o respetivo retorno que, por vezes, devido a políticas de patentes, não é garantida às farmacêuticas o prazo desejável para esse desiderato. Por outro lado, a "descoberta" da importância das doenças crónicas e a "criação" de outras fizeram com que a indústria especializada se dedicasse à produção de moléculas apropriadas. É tão fácil explicar esta viragem, um doente crónico, por exemplo, que sofra de hipertensão, de diabetes ou de colesterol elevado tem de tomar medicamentos durante toda a vida, logo está garantido o retorno do investimento, se a molécula for a original ou, então, dos comerciantes dos genéricos. O investimento em novos antibióticos tem vindo a diminuir, porque ao longo da vida não andamos a tomá-los diariamente, de um modo geral as infeções duram pouco e surgem, quando surgem, de lés a lés. A par desta realidade, juntam-se o uso indiscriminado e o mau uso dos mesmos, quer em saúde humana, quer em saúde animal. Por outro lado, as bactérias sabem defender-se e transmitir a informação a outras. São solidárias!
Entretanto é preciso fazer qualquer coisa sobre este assunto. Ouço tanta conversa sobre medicamentos, genéricos, gastos em saúde, prescrição excessiva, caso de antidepressivos e calmantes, mas pouco sobre os antibióticos. São precisas políticas adequadas, do género estimular a indústria a investir em novos fármacos, mediante o prolongamento das patentes, ou então racionalizar o uso de antibióticos através de medidas muito apertadas na prescrição. Também seria interessante modificar o sistema de comparticipação, pagando mais às farmacêuticas que vendessem menos unidades. Parece um contrassenso, mas não é, ficaria assegurado as expectativas de lucro e evitaria o sobre uso dos mesmos. Medidas utópicas? Talvez. Há uma semelhança entre a resistência bacteriana e o aquecimento global. Muitos países fazem os seus disparates ecológicos, lançando para a atmosfera gases com efeito estufa, e quem esteja a cumprir as regras acaba por comer as consequências da violação ambiental. Com as bactérias é a mesma coisa. Más práticas numa qualquer zona do planeta podem originar o aparecimento de novas espécies resistentes, as quais, usando os meios convencionais de transportes modernos, transmitem a informação às suas primas localizadas a milhares de quilómetros de distância. É assim a vida. Por este andar não deverá faltar muito para que a pneumonia volte a ser a "amiga dos velhos", a recordar os tempos pré antibióticos em que diagnosticar uma pneumonia tinha o sabor de uma morte anunciada.
A história repete-se, seja qual o for o campo em que naveguemos. Agora que começa o mau tempo, as infeções irão ocorrer com a naturalidade sazonal, mas seria conveniente que todos tivessem um pouco mais de cuidado na forma de encarar e tratar muitas delas. Infelizmente bom senso é algo que não existe, basta ver o que se diz, o que se faz e o que se promete nas esferas económicas e políticas. O disparate é o desporto preferido dos seres humanos, sobretudo se der lucro, muito lucro, independentemente daquilo que chamam princípios e valores. Ao menos as bactérias são muito melhores, mais coerentes, defendem-se e são solidárias. Imagino a gargalhada que ouviríamos se pudessem rir...
O melhor é levar as coisas mesmo a sério. Pode não resolver tudo, mas sempre ajuda.

3 comentários:

Anónimo disse...

Caro Professor, muito obrigado por este seu post cheio de pragmatismo e em que nos explica um pouco sobre como funciona (e parece-me lógico o mecanismo) a investigação farmacêutica. Parece-me natural que seja como descreve.

Deixou-me porém o seu post o ensejo de perguntar algo sobre a pneumonia. Realmente já muitas vezes ouvi referir essa doença como "Amiga dos Velhos" mas até hoje nunca percebi o porquê, a lógica ou seja lá o que for dessa expressão. Poderia explicar-me a que se deve o seu uso, porque se chama amiga a uma doença tão grave?

Massano Cardoso disse...

Zuricher

Os velhos são habitualmente portadores de doenças crónicas, muitas vezes incapacitantes e graves. Assim, uma pneumonia, que é relativamente fácil de contrair, consegue em pouco tempo, apenas alguns dias, "aliviar" definitivamente sofrimentos muito penosos e impossíveis de resolver. Como se acompanha, frequentemente,de má oxigenação, os velhos nem se apercebem do que lhes está a acontecer e, assim, despedem-se da vida. É esta última vertente que lhe confere a designação "amiga dos velhos"...

Anónimo disse...

Obrigado, Professor... É uma expressão verdadeiramente pragmática, estou a ver. Por fim entendi o seu significado. Obrigado. :-)