Leio testemunhos recentes, de António Borges a Augusto Mateus, contestando a ideia do "choque", seja do que for, fiscal, tecnológico, de gestão, etc. A ideia original vem da proposta do "choque fiscal", inspirado por Miguel Frasquilho e relativo aos efeitos para o investimento de uma baixa significativa do IRC.
Que me perdoem os mais ortodoxos das finanças públicas, mas a ideia continua, para mim, a fazer sentido. Se nós queremos ganhar competitividade externa na captação de investimentos que permitam o aumento da oferta de bens transaccionáveis, em especial das exportações e do consequente aumento de quotas de mercado, a proposta de baixar as taxas de IRC continua a fazer sentido. Por mais de uma vez ouvi Miguel Cadilhe a queixar-se dos elevados custos fiscais como dissuasor dos eventuais candidatos a investir em Portugal. Por mais de uma vez ouvi que uma eventual quebra das taxas poderia ser compensada pelo alargamento da base fiscal. Nesta perspectiva, a ideia de “choque” tem todo o sentido, dado que através de uma medida simples se poderiam induzir efeitos multiplicadores sobre outras variáveis macroeconómicas, pelo menos, a médio prazo. Convém igualmente lembrar que a actual taxa nominal fica acima da taxa média real. Uma acção conjunta de uma redução das taxas máximas e um aumento das taxas mínimas (tal como avançado no OE2005) constituiriam medidas positivas para quem entende que a reformulação do modelo económico passaria por favorecer as “injecções” externas (exportações e IDE) no circuito.
A proposta do PS de um “choque tecnológico” parece ser uma resposta retardada à ideia do “choque fiscal”, mas a sua concretização não é susceptível de se verificar num período tão reduzido. Neste aspecto, a tentação propagandística sobrelevou a atitude de rigor e seriedade. O “choque tecnológico” que não passe pela sua associação ao investimento estrangeiro arrisca-se a demorar bem mais do que uma ou duas legislaturas. A alavancagem tecnológica do crescimento económico por via endógena só é concretizável se fosse possível concretizar previamente um “choque de conhecimento e de cultura organizacional”. Ora, o “stock” de capital humano é de tal forma baixo que dificilmente se poderá mobilizar para esse objectivo no curto e médio prazo. Ou seja, não há choque possível. Neste aspecto têm razão António Borges e Augusto Mateus: isto só lá vai com muito trabalho, disciplina, continuidade das políticas públicas e … tempo!
O mesmo raciocínio é extensível ao “choque de gestão” do PSD, que por sua vez parece ter sido inventado para responder ao “choque” do PS. Dão bons slogans, mas dificilmente darão boas ideias. O “choque de gestão” está igualmente condicionado pelo deficit de capital humano. Parte-se sempre da ideia que existem recursos, mas que estão mal aproveitados, mal geridos. Não é verdade! O problema resume-se ao facto de não existirem recursos, nomeadamente em termos de competências, experiência e conhecimento. Há igualmente um outro problema que agrava esse deficit: o que alguns sociólogos designam de “capital social”, enquanto capacidade para se gerar confiança nas instituições, de se organizarem e mobilizarem recursos humanos para objectivos comuns de médio e longo prazo, de se assumirem os sacrifícios de uma geração em benefício das gerações seguintes. Esse é o verdadeiro deficit que bloqueia o desenvolvimento da sociedade portuguesa que não se supera com qualquer choque.
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