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sexta-feira, 4 de agosto de 2006

Estórias do reino da hipocrisia

Tinha o governo escassos dias de vida. Uma das primeiras sessões de perguntas dos parlamentares aos novos governantes foi a propósito da unidade cimenteira do Outão em Setúbal.
Empertigada, uma deputada dessa marcante corrente política que se reúne no chamado “Partido” Os Verdes, berrava pelo fim das pedreiras que alimentam de margas e calcários a unidade cimenteira da Secil no Outão. Entre as muitas razões para o incendiado protesto – como não podia deixar de ser, todas da responsabilidade do governo nascente! – estava o facto de esta actividade ser desenvolvida dentro do Parque Natural da Arrábida, apesar de os limites administrativos do parque terem sido fixados depois de instalada a unidade industrial, pelo que a opção pela sua inclusão naquela área, para não ser considerada um atentado à inteligência configura ainda hoje um inexplicável mistério.
Aproveitou nessa altura o PS para acompanhar a verde deputada no protesto, apesar de estar fresquíssimo o rasto das responsabilidades governativas que trespassara escassas semanas antes.
Volveram-se 4 anos. Nada de objectivo mudou. O Outão lá está em plena área protegida. E continua a extracção de inertes (esperando-se que continue também o esforço para renaturalizar as partes das pedreiras cuja exploração foi sendo descontinuada, procurando disfarçar a ferida profunda na paisagem única da Arrábida).
Mudou o governo. E neste como em muitos outros domínios mudou também a atitude do PS. Agora no governo, dizendo-se fiel a propósitos antigos e leal a velhas promessas, autorizou a queima naquela cimenteira, ao que parece, de óleos usados, lamas contaminadas e solventes, resíduos industriais considerados perigosos.
Fê-lo, como confirmou hoje o senhor Ministro do Ambiente, dispensando a avaliação de impactes ambientais por considerar que se trata de retomar processo interrompido pela derrota eleitoral de 2002.
Entre os resíduos a queimar encontram-se alguns que integram as fileiras de recicláveis, aliás com larga procura no mercado, como é o caso dos óleos usados.
Para além do estímulo à alternativa ambientalmente menos recomendável (a queima) em prejuízo do reaproveitamento e valorização dos resíduos, dá-se assim um sinal inequívoco de quanto vale o discurso do governo neste domínio.
Confesso que o acto não me espanta. A política ambiental do PS sempre foi feita mais de espectáculo mediático (hipnótico para os órgãos de comunicação social e algumas ONGA), do que de convicções ou obediência a princípios. Como compensação desta medida, veremos se daqui a dias não aparece aí, em grandes parangonas, uma prometida acção espectacular, uma medida tipo verde-mais-verde-não-há, anunciada pelo ministro na presença do primeiro-ministro que emprestará a credibilidade de um grande ambientalista que até o Papa sabe que o Sr. Engº Sócrates é!
Chama clamorosamente a atenção, porém, o berreiro transformado no cúmplice silêncio dos que, há bem pouco tempo, condenavam ao mais profundo dos infernos (onde ardem os inimigos da Terra!) aqueles que mantinham a Secil no Outão.
Actualização
Leio a notícia de que à esquerda houve, afinal, sonoras manifestações de protesto. O outro lado, por enquanto, foi a banhos e por lá se mantém como tem sido hábito. Anuncia-se que o senhor ministro irá ao Parlamento esclarecer. Ainda bem.

3 comentários:

Carlos Monteiro disse...

Caro Ferreira de Almeida,

Perdoe-me a pergunta: Não existia até há bem pouco tempo atrás uma "coincineração Nobre Guedes" no Outão, perfeitamente inofensiva, cheia de estudos que provavam que a queima desses mesmos produtos era tão inofensiva como queimar caruma dos pinheiros e que era alvo do silêncio (proveitoso) do MPT o qual sabemos com fortes ligações à Quercus por via de alguns dos seus dirigentes comuns, com quem o governo Santana Lopes fez acordos eleitorais?

De que falamos agora? Da falta de estudos? Eles existem e tem só três ou quatro anos. Da falta de barulho mediático? O Dr. Nobre Guedes e a Quercus confirmaram que era um processo inofensivo! Dos resíduos? São os mesmos que o Dr. Nobre Guedes queimava!

Caro Ferreira de Almeida, a coisa está bem pensada e não há qualquer problema!...

;)

Anónimo disse...

Meu caro cmonteiro, são censuráveis as medidas que não promovam, e sobretudo as que desestimulem o reaproveitamento de residuos, em especial os resíduos perigosos. É o caso dá fileira dos óleos usados que sempre foi o combustível "preferido" das cimenteiras. Não por acaso, garanto-lhe.
Acrescento que, para mim, são criticáveis e devem merecer especial atenção da opinião pública qualificada, independentemente do ministro que as toma. Seja o actual, ou no passado tenha sido o Dr. Nobre Guedes. Deixe-me aliás dizer que nestas coisas sou pouco impressionável pela "cor"...
Quanto à falta de barulho mediático sobre o assunto, limitei-me a assinalar um de entre muitos exemplos de tratamento diferenciado...
Quanto ao carácter inofensivo do processo, faço votos para que o meu caro Amigo tenha razão.

just-in-time disse...

Meus caros

Não vou entrar na discussão iniciada pelo nosso caro Ferreira de Almeida, mas aproveito para divagar um pouco sobre ambiente.

Até meados do séc. XX, quando escasseavam, ou eram economicamente inacessíveis, os meios de redução da poluição industrial, eram os trabalhadores quem directamente se queixava dos seus efeitos, enquanto os empresários se queixavam da falta de reconhecimento dos trabalhadores perante o benefício de 1ª ordem que era o seu ganha-pão, bem superior aos eventuais inconvenientes da poluição que lhe estava associada.

O grande sinal de “defesa” do ambiente era de ordenamento do território: a localização dos bairros ricos e pobres, relativamente à situação das fábricas e à orientação dos ventos predominantes: os 1ºs estavam a montante e os 2ºs a juzante.

Depois, o desenvolvimento da ciência, da tecnologia e da economia ambientais criou um mundo novo, em que o paradigma é o do desenvolvimento económica e ambientalmente sustentáveis, mas onde o conceito de sustentabilidade tem sido fortemente maltratado.

Como todos estamos lembrados, nada se cria, nada se destrói, tudo se transforma, mas nós temos dificuldade em aceitar que qualquer coisa é sempre conseguida à custa de outras e é preciso fazer escolhas. Daí, os grandes e inflamados combates de cariz ambiental, para não referir quanto o tema é sensível, controverso e económico.

Um exemplo: no início dos anos 90, muitos milhares de pessoas sofriam, diariamente, as “passas do Algarve” para atravessarem a ponte 25 de Abril, poluindo-se muito significativamente com gases de hidrocarbonetos queimados, amianto das pastilhas dos travões, etc, etc, e assumindo elevados custos económicos.
.
Enquanto isso, alguns simpatizantes do ambientalismo encarniçavam-se na luta em defesa de alguns flamingos que periodicamente habitavam os sapais do Montijo e que poderíam vir a desaparecer com a construção da ponte V. Gama!

Afinal, construída a ponte, parece que aumentou muito a população de flamingos!

E, no fim de tudo, faltam-nos, pelo menos, duas pontes sobre o Tejo.