Na imprensa especializada e não só é hoje tema quase obrigatório a necessidade de correcção dos grandes desequilíbrios que afectam a maior economia do Mundo.
Discute-se até à saciedade se essa correcção vai ser realizada de uma forma controlada, gradual (“soft landing”) ou se vai acontecer apressadamente, no contexto de uma recessão mais ou menos pronunciada (“hard landing”).
Este problema não é novo nos EUA.
Já na 2ª metade dos anos 80 o país se viu defrontado com esse dilema (ou trilema), sendo útil, na sua análise, ter em conta alguns pontos fundamentais que são válidos hoje tanto como eram há 20 anos.
O primeiro ponto tem a ver com a natureza dos desequilíbrios, que são de três ordens:
(i) entre a produção e a despesa (output spending gap);
(ii) entre a poupança e o investimento (saving-investment gap);
(iii) entre as exportações e as importações (export-import gap).
É claro que estas três formas de desequilíbrio estão intimamente relacionadas, “ajudam-se” mutuamente.
O segundo ponto é o de que para fazer face a este tipo de situação não há remédios simples.
Quer isto dizer que a política monetária (subir as taxas de juro) tem o seu papel mas não basta – pode até ser contraproducente, a partir de certo momento ou grau.
A justificada desvalorização do USD também não chega, podendo também ter efeitos indesejáveis se excessiva.
Há uma componente obrigatória neste processo de ajustamento, se o objectivo for o “soft landing”: a redução, significativa, do elevado défice do orçamento federal, que é da ordem de 4,5% do PIB.
Com efeito, a correcção do desequilíbrio externo (que excede 6% do PIB) - a face mais visível e preocupante da trilogia de desequilíbrios - exige que haja um aumento das exportações e uma diminuição ou contenção das importações.
Ora isto só será possível se houver uma alteração na composição da procura interna, diminuindo o peso do consumo privado e público e reforçando o peso do investimento produtivo (não investimento "à portuguesa", em projectos geradores de prejuízos).
Esse reforço do investimento deve ser suficiente para que a economia continue a crescer, a ritmo próximo do potencial.
E para que o investimento produtivo aumente a sua quota no PIB, é indispensável que o sector público liberte recursos, reduzindo a despesa em especial a de consumo. E que as famílias poupem mais.
Deve ser evitado o aumento de impostos, em especial os directos.
É necessário que a política monetária não seja penalizadora do investimento – taxas reais muito altas, por exemplo, compreensíveis na perspectiva de travar o consumo privado e aumentar a poupança, podem contrariar o aumento do investimento.
A desvalorização do USD pode ajudar, incentivando as exportações, mas não ao ponto de pressionar os preços internos, fazendo subir a inflação e as taxas de juro.
A evolução recente sugere que as hipóteses de “soft landing” serão agora maiores, embora não seja de excluir cenário menos favorável, sobretudo se a Reserva Federal (FED) vier a endurecer mais a política monetária.
Em suma, um sério desafio para os decisores da política americana e para o Congresso que sair das eleições de Novembro próximo.
Mas é um problema cuja solução interessa a todo o resto do Mundo.
12 comentários:
eheheh, gostei dessa dos "investimentos à portuguesa"! Se calhar o que lhes falta é um mega aeroporto, com uma mega plataforma logística para servir os TGV's! Que burros....;)
Tem razão o camarada Tavares Moreira em todo o post, mas particularmente na última frase. Sem os "motores de inovação" que existiram nas últimas gerações, como é que eles (e nós) se vão safar desta?
Já agora, pergunto eu, e porque é que essas belas teorias(exceptuando as ligadas ás políticas monetárias que não são exclusividade do Governo Português), não são, nem nunca foram aplicadas dessa forma no nosso país nos últimos 15 anos, falo da política fiscal, de redução do défice (de uma forma séria e não patética como sempre foi feito), de incentivo à poupança, ao investimento produtivo e criador de emprego, etc..
Se nós sabemos todos (pelo menos os que andam por estas áreas), como o meu caro TM parece que sabe, a verdade absoluta sobre o que é preciso fazer porque é que ainda não o fizemos e contínuamos a fazer tudo o contrário daquilo que aqui defende?
Isso é uma pergunta terrível, caro Vírus. Terrível!
A resposta, camarada Vírus, é muito simples. É aquela que todos repetem todos os dias, a toda a hora. Cada qual deve fazer aquilo que é melhor para si, dar valor às coisas que para cada um têm valor, usar da sua liberdade no extremo e defender os seus direitos até à última. Ao conjunto de nós cabe dar a cada um os meios para fazer isto no individual. Chama-se LIBERDADE, essa coisa que os portugueses odeiam porque dá trabalho.
A questão colocada por Virus nada tem de terrível, meu caro CMonteiro, é naturalíssima.
O post que apresentei contempla especificamente o caso dos EUA e algumas das ideias nele expressas encontram-se, por exemplo, em relatórios do Federal Reserve Bank de New York.
No entanto, essas mesmas ideias seriam aplicáveis ao caso português, sendo obvia e consensual por exemplo a necessidade de redução da despesa pública.
Também me parece obvia a contraindicação do agravamento da carga fiscal, mas aí parece que a orientação oficial é outra.
No tocante à política monetária, como bem nota Virus, não é nacional, tem de ser o "melhor" denominador comum para a zona Euro.
Mas também lhes digo que, apesar de nos causar algum desconforto, a recente subida de taxas do BCE é adequada para ajudar à correcção dos nossos desequilíbrios.
Em especial do nosso "output-spending gap".
Não é pelo nível das taxas de juro que o investimento parece não arrancar em Portugal. Serão outras razões mais estruturais e também, porque não reconhecer, termos passado de moda para o investimento estrangeiro.
O comentário de Tonibler, bem ao seu habitual estilo, foca um problema de raiz cultural que muito condiciona o nosso desempenho e a nossa dificuldade em assumir soluções mais "difíceis".
E tendo em atenção que somos uma região europeia de periferia (eu diria mesmo de quase ultra-periférica), tal como a Irlanda, tendo em atenção que estamos a passar de moda, em detrimento do Leste Europeu (o que já não era novidade para ninguém desde 94-95) qual é que é a melhor forma de tornar o nosso país atractivo para o investimento estrangeiro, e nacional, através de uma correcção da política fiscal.
Já reparam nas assimetrias da política fiscal para o sector financeiro e para os outros sectores de produção do país?
Se o sector financeiro funciona, aparentemente, bem em Portugal e é próspero, não será chegada a hora de aplicar as mesmas receitas aos outros sectores da economia?
Como dizia o DG da AutoEuropa em entrevista há umas semanas, "como é que eu vou conseguir competir com os meus concorrentes da Europa do Leste, quando para a fábrica produzir ao Domingo tenho um acréscimo de custos de mão de obra de 200% enquanto que nos outros países o acréscimo nunca ultrapassa os 40-50%? Depois tenho de compensar noutras áreas!", isto no que diz respeito à legislação laboral.
O PSD esteve no Governo e desenvolveu uma legislação laboral que ainda cria maiores entraves às empresas e aos próprios trabalhadores, foi claramente uma situação em que todos perderam!
Como é que é possível quererem recuperar o país de uma forma séria?
Caro Virus,
A legislação laboral não é um problema. Nunca foi. Existe uma figura chamada de "comum acordo" na qual as empresas e os empregados já mandaram a legislação laboral às urtigas há muitos anos.
Na realidade a política fiscal só é um problema para quem paga impostos. Para quem não paga, não é.
O nosso problema chama-se "custo de manutenção da democracia". É uma espécie de mega-imposto imposto pelos "donos" da democracia sobre o país em que os recursos do país (internos ou vindos da UE) são canalizados para sustentar a própria organização da democracia. Nos tribunais que não funcionam, na legislação que não vale nada, nos financiamentos da energia eólica tão ligada a um "espírito" qualquer, no pagamento dos partidos...
A sua admiração vem do facto do PSD fazer exactamente aquilo que faz o PS? Esperava diferente?
Caro Tavares Moreira,
O comentário não era exactamente relativo à cultura.
Caro Tonibler,
"Essa coisa que os portugueses odeiam porque dá trabalho..." - não é isto uma questão cultural? Ou uma questão de atitude com raízes culturais, não é o mesmo?
Nos meus já distantes tempos de liceu, um professor de filosofia, Orlando Taipa,homem de vasta cultura e grande amigo e companheiro de José Régio, deu-nos uma vez uma noção de cultura que nunca mais esqueci.
Reza assim, em verso:
"Sabes o que é cultura?
Cultura vou-te dizer
Cultura é tudo o que fica,
Mesmo depois de morrer".
Caro Tonibler, essa atitude que denunciou é pluri-geracional, resiste à morte.
É pois cultural.
Grande Tonibler,
como é hábito é dificil de não concordar consigo...
Em relação ao PSD é lógico que não esperava que fizesse diferente do PS! Essa inocência perdi-a em 95 quando concluí a licenciatura!
Essa do "comum acordo" entre patrões e empregados funciona bem quando damos com pessoas razoáveis de ambas as partes, mas agora aqui entre nós que ninguém nos ouve, acredita mesmo nisso? Com o povinho que nós temos? Basta aparecer um "espertalhão" a não querer fazer nenhum que fica o caldo entornado! E para o mandar embora é o cabo dos trabalhos! Por outro lado se eu tiver um que quer trabalhar mais não posso deixar, pois a legislação não o permite!
Já agora para mim a política fiscal é um problema, porque eu estou no grupo daqueles que paga! E o pior é que depois não vejo nada!
Caro Tavares Moreira,
De facto é mesmo cultural! Tem toda a razão.
Caro Vírus,
Mas a questão dos "razoáveis" é que é um problema. Tem razão numa questão, é impossível uma economia viver com esta lei laboral e com esta fiscalidade. É impossível. Talvez num estágio de desenvolvimento que nós não temos.
Logo, como a natureza, a economia faz o seu trabalho invisível. Junta os patrões razoáveis aos empregados razoáveis. E os espertalhões chuta-os para canto, onde há outra economia à espera dele - o sistema judicial que não funciona, um sistema fiscal que não interessa, um partido para financiar ou para colar cartazes, um lugarito na biblioteca da câmara, na administração da Galp ou um "project finance" de um aeroporto. O nosso mega-imposto "democrático", isto que devia ser economia paralela é, de facto, a formal.
Será que isto se resolve antes de "irmos todos às maternidades espanholas"?
Caros Comentadores,
Recodo-me de já aqui ter reconhecidodo, de forma bem clara, a existência de um extenso, pesado, muito dispendioso e fundamentalmente inútil baronato político-burocrático, que se estende muito para além da Administração Publica.
É essa sem dúvida uma das causas da elevada fiscalidade que suportamos.
E deixem-me acrescentar que não me deixam nada feliz as notícias (agora aos montes) do sucesso da administração na "caça" aos contribuintes.
E não fico feliz pois, ao contrário daquilo que muitos poderão pensar, essa eficácia - que é positiva no plano da pura análise da produtividade dos serviços - é ao mesmo tempo tributária de um sistema de afectação de recursos cada vez mais ineficiente.
E que compromete, crescentemente, o futuro da nossa economia.
A prioridade da política orçamental deveria ser agora voltada, na minha perspectiva, para a redução urgente da carga fiscal, sobretudo a directa, sob formas a analisar -para incentivar o investimento.
E tendo com objectivo paralelo a redução dos imensos custos com o tal baronato político-burocrático.
Caros Tonibler e TM,
5 estrelas e 100% de acordo!
É bom ver que estamos no mesmo comprimento de onda!... Deviamos formar um partido político!...
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