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sábado, 26 de agosto de 2006

A nossa viagem, segundo Oliveira Martins

"O nosso querer é apenas platónico, incapaz de nenhuma espécie de sacrifício. Não somos tão simples que o sintamos: o português é inteligente. O que nos falta é a mola íntima, rija de aço, que se partiu. Por isso buscamos iludir-nos como os doentes desenganados. Deitamo-nos aos anestésicos. Com o éter da finança esquecemos a anemia económica e com o clorofórmio da jogatina suprimos a fraqueza do trabalho; a morfina dos melhoramentos vai-nos dando horas regaladas, e o láudano do orçamento o pão-nosso de cada dia. O cloral da emigração afasta a necessidade cruel dos tratamentos antiflogísticos; e a cocaína do trânsito, pretendendo em vão tornar esta faixa litoral da Península uma terra de passagem, estalagem brunida e sécia para uso do mundo que se diverte, procura por o sol em acções - e quem sabe se a própria lua das nossas noites encantadoras, ela que desenrola o seu meigo velário de prata para também nos iludir com perspectivas fantásticas sobre a nudez da terra que habitamos!".

O trecho pertence a um artigo de Oliveira Martins publicado na edição de "O Tempo" de 16 de Maio de 1889 sob o título "Portugal nos Mares - Ensaios de crítica, história e geografia". É um dos vários textos que o grupo dos Vencidos da Vida - Eça, Ramalho Ortigão, Lobo d´Ávila, Oliveira Martins, Silva Gaio, Guerra Junqueiro, António Cândido e outros - foram publicando nos finais de novecentos. Alguns deles foram agora reunidos pela Fronteira do Caos-Editores, no livro "Os Vencidos da Vida" que, embora retrate incompletamente a importância na vida social e política de algumas das inciativas destas personalidades marcantes do final do século XIX, é suficientemente representativo do pensamento pessimista desse período.
Foi uma dos livros que devorei com gosto neste Verão. Não só pelo que impressiona a actualidade de algumas análises da nossa colectiva psicologia...


2 comentários:

Tonibler disse...

Eu gosto de pensar que em vez da nossa "colectiva psicologia" é apenas a psicologia da classe dominante. Mas o texto reflecte Portugal, sem a menor dúvida...

Arrebenta disse...

Por favor, regrida

Todas as grandes descobertas ganharam o mundo, através de povos que viajavam.
Eles chamaram-se Fenícios, e foram Gregos e Romanos, e Árabes e Chineses, e Portugueses, e Holandeses, e Ingleses e Americanos.

Viajar é afastar todos os fantasmas que recobrem o Mundo.

Sempre que soa um alarme de aeroporto, sempre que um voo é cancelado, sempre que um comboio fica indefinidamente retido, de cada vez que se ergue uma nova fronteira, há uma maré humana que é impedida de conhecer, pelos seus próprios olhos, o vizinho do lado, e assim cometer o mais grave dos pecados: ficar isolada, durante uma semana, ou mais alguns dias, da narrativa ficcional dos Órgãos de Comunicação, que hoje forjam o Simulacro do Mundo.

Diz Moisés Espírito Santo: "[...] com a derrota dos Fatimidas, em 1170, na sequência da conquista de Jerusalém por Saladino, foram decretados três dogmas que dizem, respectivamente: "A porta da reflexão está definitivamente encerrada"; "A inovação é heresia" e "Não perguntar como". Desde então, a teologia, a filosofia, a jurisprudência, a ciência e a arte [...] ficaram fixadas para todo o sempre."
(Moisés Espírito Santo, "Os Mouros Fatimidas e as Aparições de Fátima", pág. 13/14, Assírio e Alvim, Lisboa, 2006)

Não..., embora pareçam, os três dogmas anteriores não foram enunciados pela Extrema-Direita Fundamentalista Bushiana, nem pelos Ayatollahs, de Teerão, nem pela Opus, de Bento XVI, nem por Fidel, nem por Sharon, colado a um tubo respiratório, nem por Blair, nem por Sócrates, nem por Durão: são palavras do séc. XII, que deveríamos recordar, sempre que nos apetece agarrar no telecomando da televisão.