Um pai matou o filho numa rixa depois de ter sido esfaqueado. Ao ler o relato ficamos a saber que não era a primeira vez que tinha sido agredido e que o filho deveria sofrer de grave doença psiquiátrica a testemunhar pelas hospitalizações e comentários de familiares e conhecidos.
Mais um drama. Na localidade onde ocorreu a desgraça muitos “apontam o dedo às autoridades pela falta de acompanhamento”. A irmã relata que a família há muito suplicava o internamento do irmão, mas ninguém apareceu para os ajudar. Tragédia anunciada.
A saúde mental é um dos principais problemas do nosso país ao ponto de ser alvo de um plano nacional que visa, entre muitos outros aspectos, a diminuição da institucionalização permitindo a aproximação do doente mental junto da família e da comunidade. Estas opiniões são, teoricamente, muito positivas ao contribuir para a integração do doente respeitando a sua dignidade.
As actuais terapêuticas farmacológicas aliadas a um acompanhamento social de proximidade por parte de técnicos responsáveis poderão ajudar alcançar aqueles objectivos. Em consequência alguns hospitais psiquiátricos terão de encerrar. Recentemente foi anunciado o fecho de alguns. Não por motivos económicos, claro está! Apenas um efeito secundário da nova política de saúde mental que tem sido contestada por reputados especialistas alertando para o que já ocorreu noutros países em que foi feita "desinstitucionalização" não devidamente programada. “Na Itália ou na Dinamarca, provocou aumento substancial dos sem-abrigo, aumento enorme de afluxo de doentes às urgências psiquiátricas dos hospitais gerais e originou mortes súbitas por incapacidade de sobrevivência".
A falta de apoios é uma constante que se arrasta há muitas décadas em Portugal contribuindo para certos desfechos que fazem notícia pela negativa.
Na minha terra, como em qualquer outra, houve e há sempre tragédias e desgraças motivadas pelas doenças mentais.
Tinha seis anos (foi no ano em que entrei para a escola, há meio século) quando uma noite ouvi gritos de uma multidão ecoando na pacata rua onde morava a escassos metros do posto da GNR. O tumulto acordou toda a gente da vizinhança que, numa ânsia natural, queriam saber o que se estava a passar. As janelas abriram-se e os gritos aumentaram de intensidade. Recordo a imagem: muitos homens cercavam o "Ferrão" manietado empurrando-o em direcção ao posto mas que gritava mais alto do que todos os outros juntos: - Matei o diabo! Matei o diabo! Olhei para os meus pais tentando perceber por que cargas de água levavam o homem para o posto por ter morto o diabo. Se o matou fez bem! Até que enfim, pensei eu, porque tinha mesmo medo do diabo. Ao mesmo tempo que me mandaram calar enfiaram-me na cama sem dizerem mais nada.
Nos dias seguintes fiquei a saber que o “Ferrão”, o tal que tinha dito que matou o diabo, afinal tinha morto o “pai-avô” (uma designação que demorei anos a perceber o seu significado) à machadada no pinhal da bica.
Anos mais tarde fiquei a saber certos pormenores da tragédia, nomeadamente o internamento no Sobral Cid, por ter sido considerado inimputável pelo tribunal, devido a uma grave doença psiquiátrica. Ainda hoje lhe é atribuída a seguinte afirmação proferida, num momento de aparente lucidez, ao entrar na instituição: - Eu vou mas ficam cá fora muitos!
Um dia visitei o hospital. Era aluno de medicina. A minha curiosidade em vê-lo foi satisfeita. Calmo, aparentemente normal, convivendo com os colegas, sorria docilmente fazendo-me recordar velhos momentos em que ia com o meu pai nas excursões futebolísticas do clube da terra, por si organizadas, antes de ter “morto o diabo”.
O mesmo sorriso...
Mais um drama. Na localidade onde ocorreu a desgraça muitos “apontam o dedo às autoridades pela falta de acompanhamento”. A irmã relata que a família há muito suplicava o internamento do irmão, mas ninguém apareceu para os ajudar. Tragédia anunciada.
A saúde mental é um dos principais problemas do nosso país ao ponto de ser alvo de um plano nacional que visa, entre muitos outros aspectos, a diminuição da institucionalização permitindo a aproximação do doente mental junto da família e da comunidade. Estas opiniões são, teoricamente, muito positivas ao contribuir para a integração do doente respeitando a sua dignidade.
As actuais terapêuticas farmacológicas aliadas a um acompanhamento social de proximidade por parte de técnicos responsáveis poderão ajudar alcançar aqueles objectivos. Em consequência alguns hospitais psiquiátricos terão de encerrar. Recentemente foi anunciado o fecho de alguns. Não por motivos económicos, claro está! Apenas um efeito secundário da nova política de saúde mental que tem sido contestada por reputados especialistas alertando para o que já ocorreu noutros países em que foi feita "desinstitucionalização" não devidamente programada. “Na Itália ou na Dinamarca, provocou aumento substancial dos sem-abrigo, aumento enorme de afluxo de doentes às urgências psiquiátricas dos hospitais gerais e originou mortes súbitas por incapacidade de sobrevivência".
A falta de apoios é uma constante que se arrasta há muitas décadas em Portugal contribuindo para certos desfechos que fazem notícia pela negativa.
Na minha terra, como em qualquer outra, houve e há sempre tragédias e desgraças motivadas pelas doenças mentais.
Tinha seis anos (foi no ano em que entrei para a escola, há meio século) quando uma noite ouvi gritos de uma multidão ecoando na pacata rua onde morava a escassos metros do posto da GNR. O tumulto acordou toda a gente da vizinhança que, numa ânsia natural, queriam saber o que se estava a passar. As janelas abriram-se e os gritos aumentaram de intensidade. Recordo a imagem: muitos homens cercavam o "Ferrão" manietado empurrando-o em direcção ao posto mas que gritava mais alto do que todos os outros juntos: - Matei o diabo! Matei o diabo! Olhei para os meus pais tentando perceber por que cargas de água levavam o homem para o posto por ter morto o diabo. Se o matou fez bem! Até que enfim, pensei eu, porque tinha mesmo medo do diabo. Ao mesmo tempo que me mandaram calar enfiaram-me na cama sem dizerem mais nada.
Nos dias seguintes fiquei a saber que o “Ferrão”, o tal que tinha dito que matou o diabo, afinal tinha morto o “pai-avô” (uma designação que demorei anos a perceber o seu significado) à machadada no pinhal da bica.
Anos mais tarde fiquei a saber certos pormenores da tragédia, nomeadamente o internamento no Sobral Cid, por ter sido considerado inimputável pelo tribunal, devido a uma grave doença psiquiátrica. Ainda hoje lhe é atribuída a seguinte afirmação proferida, num momento de aparente lucidez, ao entrar na instituição: - Eu vou mas ficam cá fora muitos!
Um dia visitei o hospital. Era aluno de medicina. A minha curiosidade em vê-lo foi satisfeita. Calmo, aparentemente normal, convivendo com os colegas, sorria docilmente fazendo-me recordar velhos momentos em que ia com o meu pai nas excursões futebolísticas do clube da terra, por si organizadas, antes de ter “morto o diabo”.
O mesmo sorriso...
4 comentários:
Caro Professor Massano Cardoso
No seu texto centrei a atenção nestas duas frases: “A saúde mental é um dos principais problemas do nosso país ao ponto de ser alvo de um plano nacional que visa, entre muitos outros aspectos, a diminuição da institucionalização permitindo a aproximação do doente mental junto da família e da comunidade. Estas opiniões são, teoricamente, muito positivas ao contribuir para a integração do doente respeitando a sua dignidade” e “A falta de apoios é uma constante que se arrasta há muitas décadas em Portugal contribuindo para certos desfechos que fazem notícia pela negativa”. A percepção que tenho sobre os apoios públicos na prevenção e tratamento das doenças mentais e na integração familiar e social dos doentes vítimas dessas doenças não é satisfatória. Admito que esteja errada…
O acompanhamento médico e o apoio social no domínio da saúde mental são fracos; há muito que existe uma espécie de “braço de ferro” entre a saúde e a segurança social, sobre qual das duas pastas governamentais tem (ou não tem) a tutela da saúde mental. Ainda que haja uma dupla tutela subsistem falhas de coordenação e de afectação de competências e obrigações. A questão dos recursos financeiros é sempre uma “dor de cabeça”!
A saúde mental não tem recebido a atenção política e da opinião pública que merece. Em relação à opinião pública talvez a desatenção se possa explicar pelo facto de a saúde mental ser menos visível que a saúde física, a que acresce o facto de ser muito estigmatizante. Na vertente política já tenho dificuldade em perceber. Creio que o que há é uma certa miopia em relação à realidade da doença!?
Caro Professor Massano Cardoso.
Tenho dúvidas sobre se as famílias e a comunidade em geral, estarão preparadas para integrar as pessoas que sofrem deste tipo de doenças.
Pelo que me é dado observar, quase todas as pessoas com estas doenças necessitam de acompanhamento constante, de dedicação, de vigilância, em suma, duma atenção muito especial.
Conheci uma senhora mãe de duas filhas, casada com um indivíduo a quem tinha sido diagnosticado esquizofrenia. Apesar de tudo, a doença não o impedia de trabalhar, embora houvesse alguma tolerância por parte da entidade empregadora. Esta família aparentava levar uma vida “normal” mas, a realidade, era bem diferente. Para mim, esta senhora era uma heroína. Chegou a pesar 36 kg, tal eram as ralações que tinha diariamente. Por exemplo:
-Invariavelmente, o indivíduo cismava que só “apanhava”autocarros abertos atrás. Imagine-se todos os dias, no Verão e no Inverno, a senhora que de manhã muito cedo sempre o acompanhava, ter de esperar uma hora, duas horas, e muitas vezes mais, até aparecer um autocarro com aquelas características, que, já naquela altura (há 20 anos), passavam raramente! Depois, em casa, não era permitido a ninguém fazer o mínimo de ruído: as filhas, já raparigas de catorze anos, mal se faziam ouvir, e rádio e TV também não eram permitidos...
E mais não conto, a não ser que esta senhora acabou, ela própria, por ficar gravemente doente.
Meus caros.
Também tenho muitas dúvidas.
Em teoria as coisas têm aspectos positivos, mas a prática nacional deixa muito a desejar. No fundo, a pretexto de bons princípios lá vão fechando algumas unidades poupando umas massas…
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