A entrevista do Bispo D. Gianfranco Girotti, ao jornal do Vaticano L’Osservatore Romano (9 de Março), cujo título era “As novas formas do pecado social”, vale bem um momento de atenção.
Numa sociedade tão deslumbrada com as ciências e tecnologias, surpreende que se fale em pecado a propósito de matérias que se medem, estudam e controlam. Assim como se a religião estivesse a querer medir-se com a ciência, suscitando uma velha incompatibilidade que tínhamos como certa.
No entanto, a esta perplexidade responde o Bispo que “se ontem o pecado tinha uma dimensão sobretudo individualista, hoje ele tem uma valência, uma ressonância, mais do que individual, sobretudo social, por causa do grande fenómeno da globalização (…) os seus reflexos são cada vez mais amplos e mais destrutivos.” Assim sendo, considera essencial que a “gravidade desses factos não seja desvalorizada no que representa quanto à fragilidade humana e institucional da Igreja”, a qual deve afirmar-se e defender os seus fiéis assumindo uma posição clara sobre essas questões.
Situa os novos pecados “acima de tudo na área da bioética”, onde aponta “violações dos direitos fundamentais da natureza humana, através de experiências, manipulações genéticas, cujo êxito é difícil vislumbrar e ter sob controlo”. Mas também na droga, “através da qual se enfraquece a psique e se obscurece a inteligência”, na ecologia e na “insustentável injustiça social que resulta dos mais pobres ficarem cada vez mais pobres e os ricos cada vez mais ricos”.
G.G. considera a pertinência de se falar em pecado e penitência, porque o “sentido Universal da caridade”, pregado por Jesus, não colide em nada com as ciências positivas, excepto se, por fundamentalismo, se recusar a falibilidade das visões cristã ou científica do homem e do mundo.
Não partilho em nada o tom escandalizado ou surpreso com que esta mensagem apareceu traduzida nalguma comunicação social, e que contraria o sentido essencial das palavras do Bispo G.G..
Uma instituição como a Igreja não se fortalece com equívocos quanto aos valores que propõe aos seus fiéis, os quais não podem ignorar as dimensões morais e éticas, na perpspectiva da religião, dos novos problemas sociais. Tem que, é seu dever, identificar e interpretar esses fenómenos à luz dos princípios por que se rege e, fazendo-o, ditar a dimensão da exigência nos comportamentos dos que integram essa identidade através das suas convicções religiosas.
Não se trata de ditar leis civis, por isso não podem ser avaliados como tal por quem os ouve e interpreta. A lei só tem que definir as regras necessárias à convivência e organização social de acordo com os padrões dessa sociedade, não tem que esgotar os valores individuais que cada um entenda professar ou ter como referência. Legalidade ou ilegalidade, num Estado laico, não se confundem com moralidade ou imoralidade, católica ou não, embora possam adoptar-lhe a matriz.
Uma coisa é saber-se qual o comportamento que a Igreja propõe aos seus fiéis na afirmação do seus princípios, outra é até onde deve ir o Estado na definição das suas regras.
Se olharmos cada coisa no seu lugar, talvez seja possível entender melhor o que a Igreja tem para nos dizer e sobre isso reflectirmos, com a humildade de quem não tem certezas absolutas, científicas ou outras.
Numa sociedade tão deslumbrada com as ciências e tecnologias, surpreende que se fale em pecado a propósito de matérias que se medem, estudam e controlam. Assim como se a religião estivesse a querer medir-se com a ciência, suscitando uma velha incompatibilidade que tínhamos como certa.
No entanto, a esta perplexidade responde o Bispo que “se ontem o pecado tinha uma dimensão sobretudo individualista, hoje ele tem uma valência, uma ressonância, mais do que individual, sobretudo social, por causa do grande fenómeno da globalização (…) os seus reflexos são cada vez mais amplos e mais destrutivos.” Assim sendo, considera essencial que a “gravidade desses factos não seja desvalorizada no que representa quanto à fragilidade humana e institucional da Igreja”, a qual deve afirmar-se e defender os seus fiéis assumindo uma posição clara sobre essas questões.
Situa os novos pecados “acima de tudo na área da bioética”, onde aponta “violações dos direitos fundamentais da natureza humana, através de experiências, manipulações genéticas, cujo êxito é difícil vislumbrar e ter sob controlo”. Mas também na droga, “através da qual se enfraquece a psique e se obscurece a inteligência”, na ecologia e na “insustentável injustiça social que resulta dos mais pobres ficarem cada vez mais pobres e os ricos cada vez mais ricos”.
G.G. considera a pertinência de se falar em pecado e penitência, porque o “sentido Universal da caridade”, pregado por Jesus, não colide em nada com as ciências positivas, excepto se, por fundamentalismo, se recusar a falibilidade das visões cristã ou científica do homem e do mundo.
Não partilho em nada o tom escandalizado ou surpreso com que esta mensagem apareceu traduzida nalguma comunicação social, e que contraria o sentido essencial das palavras do Bispo G.G..
Uma instituição como a Igreja não se fortalece com equívocos quanto aos valores que propõe aos seus fiéis, os quais não podem ignorar as dimensões morais e éticas, na perpspectiva da religião, dos novos problemas sociais. Tem que, é seu dever, identificar e interpretar esses fenómenos à luz dos princípios por que se rege e, fazendo-o, ditar a dimensão da exigência nos comportamentos dos que integram essa identidade através das suas convicções religiosas.
Não se trata de ditar leis civis, por isso não podem ser avaliados como tal por quem os ouve e interpreta. A lei só tem que definir as regras necessárias à convivência e organização social de acordo com os padrões dessa sociedade, não tem que esgotar os valores individuais que cada um entenda professar ou ter como referência. Legalidade ou ilegalidade, num Estado laico, não se confundem com moralidade ou imoralidade, católica ou não, embora possam adoptar-lhe a matriz.
Uma coisa é saber-se qual o comportamento que a Igreja propõe aos seus fiéis na afirmação do seus princípios, outra é até onde deve ir o Estado na definição das suas regras.
Se olharmos cada coisa no seu lugar, talvez seja possível entender melhor o que a Igreja tem para nos dizer e sobre isso reflectirmos, com a humildade de quem não tem certezas absolutas, científicas ou outras.
3 comentários:
Cara Suzana:
Também li a posição da Igreja e o modo como alguns media a noticiaram, apoucando-a ou envolvendo-a num sorriso algo irónico ou até sarcástico.
No entanto, tem, do meu ponto de vista, um grande significado, ao transpor a lógica do "pecado" individual para falar do "pecado" social.
Dirigindo-se aos seus seguidores, não faria mal nenhum que outros analisassem com seriedade o que foi dito. Como a Suzana, e muito bem, recomenda.
Cara Drª. Suzana, o seu texto, deixa-me sem fôlego, pelas considerações e análises tão intensas que desenvolve.
Não vou expressar o meu acordo ou desacordo relativamente às palavras do bispo, tão pouco ao sentido que a imprensa lhes quis dar.
Sobre este assunto, e sobretudo àcerca da observação; "Assim como se a religião estivesse a querer medir-se com a ciência, suscitando uma velha incompatibilidade que tínhamos como certa", creio que não erro se o relacionar com a teoria que situa a origem da espécie humana, no cosmos, subordinada a uma consciência superior, vulgarmente designada por destino, reflectida nos dogma das diferentes(comuns religiões monoteístas.
Se reflectirmos um pouco, percebemos com facilidade, que não é possível à sociedade humana, travar ou modificar o rumo da sua evolução, tomando essa evolução como um percurso inevitável e intrínsecamente interdependente.
Por isso, eu penso que nunca a ciência poderá provar o pecado social, tal como a igreja nunca terá conhecimento suficientemente puderoso para que se extinga. Se fosse suficiente, teríamos o exemplo das revelações de Fátima e a obrigatoriedade de as mesmas so serem dadas a conhecer, após a sua ocorrência. Isto coloca-nos em frente a uma interrogação: Se eram conhecidos antecipadamente o atentado à vida do Papa e o desmembramento da Rússia, então ha algo que domina e gere os acontecimentos e o acaso não existe, tão pouco a vontade humana, para que aconteçam... a menos que o homem, seja Deus em si mesmo e por isso está-lhe interdito o acesso ao pecado.
Os dogma e as teologias que estudam os textos sagrados religiosos, complementados pela simbologia, dão origem a uma intrincada constelação de deveres e obrigações, sem contrapartidas imediatas. Tudo aponta para a conquista de uma vida eterna, paradisíaca ou demoníaca, conforme esses encinamentos dogm´ticos/religiosos, sejam mais ou menos estritamente observados.
Na realidade as religiões, não apresentam provas físicas, acessíveis à confirmação científica, para a existência do pecado, tal como a ciência não pode negar a veracidade de "fenómenos" espirituais.
Em minha opinião, seria tudo muitíssimo mais inteligível e por consequência mais aceite na generalidade, se a igreja centrasse a sua acção no ensino e valorização da palavra Cristã, naquela que Jesus Cristo pediu que se difundisse pelo mundo, embuída do mesmo espírito que levou o Nazareno a calcorrear os caminhos e a curar com a sua presença os doentes e a confortar com a sua palavra os desesperados.
Ah! e nem sequer estou a falar de milagres!
Caro Pinho Cardão, tem lógica, também acho, mas como reflectir dá um bocado de trabalho, é muito mais fácil apanhar a ideia no ar e tentar ridicularizar o que não se percebeu, sobretudo se com isso se puder explorar preconceitos, daí a vozearia que nem deixou perceber bem o que tinha sido dito.
Caro Bartolomeu, muito interessante o seu comentário, concordo que a questão está relacionada com a origem da espécie humana ou com a natureza humana e a indisponibilidade de a determinar ou condicionar na totalidade a sua evolução. "Nunca a ciência poderá provar o pecado social, tal como a igreja nunca terá conhecimento suficientemente poderoso para que se extinga" não impede que se tente um e outro, o entendimento resultará desde que ambos reconheçam essas limitições, a tal falibilidade de que fala o Bispo. Os deveres e obrigações não terão contrapartidas imediatas mas também podem ser vistos numa perspectiva de felicidade na terra e não apenas de vantagens celestes, desde que a nossa exigência moral reconheça os valores que devemos assumir. Mesmo que não acredite no Céu, não tolero a injustiça, por exemplo, ou o maior ateu pode ser um ecologista fanático só porque está convencido da importância da preservação da natureza para a qualidade de vida da espécie. Por isso é fundamental que se detectem os valores que estão a ser postos em causa com comportamentos sociais que até há poucos anos eram olhados apenas do ponto de vista da soma de atitudes individuais. Se as religiões invocam esses valores e elevam a sua preterição à categoria de "pecado" isso só vem reforçar a sua importância social e a força com que muitos passarão a defendê-los. Porque passam a ser valores morais e religiosos, individuais e sociais. Do meu ponto de vista, e não sou católica praticante, essa atitude da Igreja só pode trazer progresso social e contribuir para uma melhor evolução da natureza humana.
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