Há 70 anos terminava a guerra civil espanhola. Os derrotados, na tentativa desesperada de fugir aos vencedores, acantonaram-se em Alicante, a única saída possível. Cerca de 20.000 homens, mulheres e crianças refugiaram-se no porto com o objetivo de escapar à vingança e à fúria dos vencedores. Mas as coisas não correram bem para a maioria.
A descrição do que se passou ilustra bem o que acontece quando se ganham as guerras. Os vitoriosos não revelam, habitualmente, magnanimidade, antes pelo contrário, é o momento da humilhação, da vingança e das manifestações mais primárias. Foi o que aconteceu naquele período.
Nada de novo, foi sempre assim.
Ao ler o episódio de Alicante, lembrei-me de um quadro de apreciáveis dimensões no Palace Hotel do Buçaco, da autoria de João Reis. Fascina qualquer um. O cavaleiro, o seu ajudante e respetivas montadas, todos de cabeça baixa, acabam de abandonar a batalha que perderam e dirigem-se para um destino que imagino ser as suas terras. Derrotados, cabisbaixos e tristes. Mas há mais qualquer coisa no quadro. O que levou o pintor a desenhar um quadro de vencidos? A necessidade de representar a dignidade. A dignidade manifesta-se nos vencidos, na derrota. É um dos quadros mais expressivos desta condição humana.
No porto de Alicante, houve muitas manifestações de dignidade e também houve um momento que ilustra a superioridade de alguns seres humanos face ao sofrimento e à tragédia humanas. O capitão do navio Stanbrook, Archibald Dickson, protagonizou um momento de heroísmo que merece ser realçado. Dickson, que ia recolher laranjas, tabaco e açafrão, acabou por transportar cerca de 3.000 refugiados que invadiram o velho barco, temerosos de serem bombardeados pelas tropas franquistas. Foi o último navio a transportar fugitivos até Orão, na Argélia. As condições do transporte e das inúmeras pessoas estão bem descritas na carta que escreveu, datada de Orão 3-4 de Abril de 1939. Arrepia e comove. O capitão galês desobedeceu às ordens, colocou-se ao lado dos derrotados, e manifestou princípios humanistas próprios de um ser superior. É mais fácil, mais cómodo, mais lucrativo ombrear com os vencedores, mas há quem recuse e, pondo em risco a própria segurança, opte por respeitar a dignidade dos vencidos.
Este episódio teve muitos protagonistas, alguns ainda vivos, como é o caso de uma criança que se lembra do momento em que o capitão a içou para bordo e que nunca largou a mão do pai durante a travessia.
Cerca de dez minutos depois do Stanbrook ter zarpado, o porto foi bombardeado.
O capitão Archibald Dickson acabou por morrer, conjuntamente com o seu navio, na sequência de um ataque de um submarino alemão durante a Segunda Guerra Mundial. Um nome a reter, porque são sempre poucos os que abnegadamente servem os seus semelhantes, num gesto de superior altruísmo e do mais profundo respeito pela dignidade que se revela de forma particular entre os derrotados.
A descrição do que se passou ilustra bem o que acontece quando se ganham as guerras. Os vitoriosos não revelam, habitualmente, magnanimidade, antes pelo contrário, é o momento da humilhação, da vingança e das manifestações mais primárias. Foi o que aconteceu naquele período.
Nada de novo, foi sempre assim.
Ao ler o episódio de Alicante, lembrei-me de um quadro de apreciáveis dimensões no Palace Hotel do Buçaco, da autoria de João Reis. Fascina qualquer um. O cavaleiro, o seu ajudante e respetivas montadas, todos de cabeça baixa, acabam de abandonar a batalha que perderam e dirigem-se para um destino que imagino ser as suas terras. Derrotados, cabisbaixos e tristes. Mas há mais qualquer coisa no quadro. O que levou o pintor a desenhar um quadro de vencidos? A necessidade de representar a dignidade. A dignidade manifesta-se nos vencidos, na derrota. É um dos quadros mais expressivos desta condição humana.
No porto de Alicante, houve muitas manifestações de dignidade e também houve um momento que ilustra a superioridade de alguns seres humanos face ao sofrimento e à tragédia humanas. O capitão do navio Stanbrook, Archibald Dickson, protagonizou um momento de heroísmo que merece ser realçado. Dickson, que ia recolher laranjas, tabaco e açafrão, acabou por transportar cerca de 3.000 refugiados que invadiram o velho barco, temerosos de serem bombardeados pelas tropas franquistas. Foi o último navio a transportar fugitivos até Orão, na Argélia. As condições do transporte e das inúmeras pessoas estão bem descritas na carta que escreveu, datada de Orão 3-4 de Abril de 1939. Arrepia e comove. O capitão galês desobedeceu às ordens, colocou-se ao lado dos derrotados, e manifestou princípios humanistas próprios de um ser superior. É mais fácil, mais cómodo, mais lucrativo ombrear com os vencedores, mas há quem recuse e, pondo em risco a própria segurança, opte por respeitar a dignidade dos vencidos.
Este episódio teve muitos protagonistas, alguns ainda vivos, como é o caso de uma criança que se lembra do momento em que o capitão a içou para bordo e que nunca largou a mão do pai durante a travessia.
Cerca de dez minutos depois do Stanbrook ter zarpado, o porto foi bombardeado.
O capitão Archibald Dickson acabou por morrer, conjuntamente com o seu navio, na sequência de um ataque de um submarino alemão durante a Segunda Guerra Mundial. Um nome a reter, porque são sempre poucos os que abnegadamente servem os seus semelhantes, num gesto de superior altruísmo e do mais profundo respeito pela dignidade que se revela de forma particular entre os derrotados.
1 comentário:
O percurso da existência humana, quando avaliado do futuro, em determinados estádios, é sempre achado uma tremenda "piece of shit".
Pudera, os seus principais protagonistas são sempre os homens!
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