A crise tem sido pretexto para muita coisa. Para alguma profilaxia de doenças crónicas no nosso tecido económico que só momentos destes tornam socialmente justificável (desde que não se estique demasiado a corda...). Mas para muito oportunismo, estou em crer. E não se julgue que o fenómeno se passa só no mundo das empresas. Passa-se com os poderes públicos.
Vem isto a propósito da estranheza com que venho observando a falta de olhar crítico sobre algumas medidas restritivas da concorrência, tomadas sob o pretexto de ser hora de acentuar o intervencionismo estadual para vencer a crise. Estranha é, em especial, a falta de posição sobre o DL nº 34/2009, de 6 de Fevereiro, que aprova um regime excepcional de contratação pública. Entre outros efeitos, este assim chamado "regime", derroga o recentíssimo código da contratação pública ao lelevar por referência aos montantes previstos nas directivas comunitárias, os limiares em que passa a ser lícita a contratação directa, sem competição, de empreitadas, concessões e aquisições nalguns domínios. A justificação colhida no preâmbulo do diploma e nas declarações dos responsáveis governamentais, assenta na necessidade de tornar mais ágeis e céleres os investimentos públicos para fazer face à crise. Porém, como bem se escreve num certeiro artigo do Professor Mário Aroso de Almeida no último boletim da Ordem dos Advogados "o incremento do recurso ao ajuste directo no presente contexto de crise, pode ter (...) o efeito preverso de fazer com que, em situações limite, a própria sobrevivência de certas empresas, fique na dependência, não da sua capacidade de concorrer no mercado, mas do livre-arbítrio dos poderes públicos, em função da sua opção de as convidar ou não a apresentar propostas".
Clarividente análise. Pouco conveniente aos poderes, talvez...
3 comentários:
Caro Drº Ferreira de Almeida:
Conheço uma pequena empresa que trabalhava quase em exclusivo para um Organismo do Público, por ajuste directo, e agora que o Organismo diversificou os fornecedores, não se aguenta e vai fechar as portas. O curioso é que esta empresa até sobrevivia antes de ter o cliente Estado, mas para dar resposta ao volume de trabalho, acabou com a carteira de clientes reduzida a um único...
tornar ágeis os processos é uma coisa; proteger interesses é outra. O que o Governo fez vai no sentido de discricionariamente proteger interesses, dando-lhe forma legal.
Pela minha parte já em Janeiro tinha feito um post onde o assunto era o ponto de partida para uma chamada de atenção para o efeito de nos concentrarmos nos fins e esquecer os efeitos dos meios escohidos para os atingir:
http://ambio.blogspot.com/2009/01/os-fins-e-os-meios.html
henrique pereira dos santos
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