António José Seguro propõe que, de futuro, a iniciativa da indicação do Provedor de Justiça possa ser popular, e não exclusivamente dos partidos representados na Assembleia da República que o elege. Estava mesmo à espera que, perante o inconcebível comportamento do PS e do PSD no que respeita à rendição do actual Provedor, aparecesse alguém a fazer uma proposta deste jaez. Não me passou pela cabeça, porém, que o primeiro a falar dela fosse alguém que sempre esteve na política e deve os cargos que exerceu ao nosso modelo de democracia representativa, mediada por partidos políticos e muito pouco aberta à participação individual ou de organizações da sociedade civil, sempre alvos da suspeita (e com razão) de alinhamento, colonização ou instrumentalização pelos partidos.
Quem ambiciona grande protagonismo e não sente que tem a atenção que merece por parte da liderança do seu partido tenta a todo o custo encontrar o seu "nicho de mercado", indispensável para se tornar notícia. À falta de cantão, procura o seu cantinho que tenta alargar apoiado na pretensa originalidade da sua agenda. António José Seguro escolhe, há algum tempo, a via da reforma das instituições, em especial do Parlamento. Prossegue agora cavalgando a ideia da crise da representação política. Ideia, contudo, muito pouco original.
Seja como for, e sem avançar aqui com razões de fundo para considerar nada salutar a ideia da iniciativa popular na nomeação ou eleição de titulares de órgãos do Estado fora do quadro eleitoral directo, tivesse Seguro mais atenção ao que está em causa ou resistisse a tentação forçada para a novidade, e veria que esta não é uma crise de modelo (as manifestações de democracia directa entre nós estão longe de consituirem um sucesso). É sim uma crise de confiança, de confiança nos protagonistas e em especial de qualidade das lideranças. O remédio, é, pois, outro, porque o diagnóstico da doença está profundamente errado.
3 comentários:
Além do mais, meu caro Ferreira de Almeida, torna-se inexequível essa iniciativa popular, pelo menos no que respeita à população de Lisboa. Presumo que ela se faria numa grande reunião, na Alameda, junto à Câmara ou na Praça do Império. Com a política da Câmara de taxar a ocupação do espaço público,o cidadão teria dois ónus: o de escolher e o de ter que pagar para poder escolher.
Não me cheira, portanto...
"esta não é uma crise de modelo ... É sim uma crise de confiança"
Permita-me discordar. Algo está errado num modelo que gera uma crise de confiança.
Olhar Ateu
Compreendo a sua discordância, meu caro Olhar. Tentando precisar. O que pretendi significar foi que as propostas de alteração das regras em que assenta a representação política, com ou sem fuga para um quadro que acentue mais a vertente participativa, não se baseiam em nenhuma patologia objectiva do modelo. Baseiam-se, quase sempre, ou na conjuntura ou na incapacidade dos protagonistas de o fazerem funcionar. Nessa medida não é o modelo que está errado. São as pessoas que o interpretam mal ou mal o fazem funcionar.
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