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sábado, 23 de abril de 2011

“Manel Português”

Em novo ouvia dizer que cada terra tinha o seu tolinho, uma espécie de brasão animado que a identificava, que lhe dava personalidade e que contribuía para a formação e união dos cidadãos. Um tolo servia para muita coisa, para fazer recados, para ser alvo de troça, para produzir acontecimentos como se fossem tremoços a acompanhar a cerveja ou peixes em molho de escabeche para ensopar o péssimo carrascão e até para justificar o injustificável. Houve alturas em que havia mais do que um, a fazer lembrar uma espécie de casting para a votação do mais tolo.
Alguns eram mesmos tolos, outros eram apenas meio e fico na dúvida se alguns não eram fingidores. Também havia outras espécies que, não sendo tolinhos, caíam nas classes de exóticos e excêntricos.
Começo, lentamente, a enumerá-los e fico surpreendido com a quantidade e qualidade dos ditos. De todos eles tenho as minhas impressões e uma ou outra historieta, mas, decerto, pelo que ainda ouço dos mais velhos, serão às dúzias os eventos que produziram. São tantos, que cada um deles poderia constituir um capítulo de um livro sobre “os tolinhos da minha terra”, e, como sou de Santa Comba Dão, até seria interessante, não digo desalojar o Salazar, mas, fazer-lhe algum contrapeso. Matéria não falta, talvez um dia consigo dar resposta a um velho amigo de escola que, à saída de uma reunião da Assembleia Municipal, me perguntou: - Ouve lá, quando é que escreves sobre as figuras da nossa terra? Não sei o que é que ele entende por figuras da terra, mas para mim são estas, os tolos, os meios tolos, os excêntricos e os exóticos, todos eles verdadeiros contribuintes de uma identificação cultural coletiva e até pessoal.
Dos mais velhos recordo-me vagamente de um ou outro. Um deles pertencia à classe dos excêntricos, pessoa pacífica, de longas barbas brancas, ar intelectual e distante, assustador para mim, que era criança, de chapéu de abas largas, cabeça ligeiramente inclinada, sempre com uma flor na lapela de um casaco mais do que coçado, de bengala e que vagueava na rua onde morava o meu avô, rua comercial, com barbeiros, talhos, sapateiros, latoeiros, mercearias, praça e tavernas. O outro era um dos muitos amantes de Baco que por ali se passeavam de manhã à noite. Quando os vapores etílicos atingiam os limites de poluição comportamental era costume soltarem-se os impropérios seguidos de zaragatas. O sacerdote da taverna, conhecido por Manel Português, apesar de se embriagar até dizer basta, era avesso a este tipo de complicações e afastava-se de imediato tartamudeando: - Eles são brancos! Que que que se entendam-se, que que que se entendam-se.
Esta frase, típica, é ainda utilizada cá em casa sempre que nos deparamos com situações pouco ortodoxas e incompreensíveis: - Como dizia o Manel Português, “que que que se entendam-se, que que que se entendam-se”. O tartamudear, de propósito, faz parte da encenação.
Ante a situação que estamos a viver, um perfeito estado de etilismo político, mais crónico do que agudo, é preciso que conheçam e ouçam as sábias palavras de um bêbado de verdade, o Manel Português. Não o ouçam, não! Não se esqueçam que alguns tolos também conseguem ser sábios...

3 comentários:

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Caro Professor Massano Cardoso
Na aldeia havia sempre umas figuras. Não havia terra que não tivesse o seu tolo, com os predicados que descreve no seu texto.
Figuras agora também as há, andam mais pelas cidades, são produto do desenvolvimento. Fazem por se entender, sem que ninguém as entenda. Uma espécie de tolice!
Votos de um Santo Domingo!

Bartolomeu disse...

Talvez a dificuldade em se entenderem-se, resida precisamente no facto de nem todos serem brancos.
A alguns, adivinhamos-lhes umas almas negríssimas, a outros, uns espíritos cinzentões, a outros, umas ideias escuríssimas, a outros, uns sorrisos amarelos, a outros, uns olhares vermelhíssimos.
Eles até podiam exibir coloridos diferentes, mas, para se entenderem-se, seria preciso serem-se claros e transparentes... mesmo que tolos fossem.

Wegie disse...

Na minha terra havia o Rafael que era doutorado em enologia por Harvard e sabia dizer "grafo" em inglês.