Por vezes leio as páginas do chamado correio sentimental. Os teores de muitas perguntas são, na sua grande maioria, coisas do arco-da-velha, a ponto de concluir que deverá ser o próprio colunista o autor. Este, achando-se com as respostas nas mãos, ou em qualquer outro sítio, lembra-se, naturalmente, de construir fabulosas perguntas. São tão divertidas e originais que põem em causa os hipotéticos autores, estúpidos umas vezes e demasiado criativos noutras.
Nas revistas mais sérias também começa a haver uma secção de perguntas de cariz científico ou técnico, habitualmente na última página. Ainda gostava de saber as razões que levam a escolher a última página para uma abordagem personalizada. Será que as pessoas, fartas de tanta erudição, e, por este motivo, cansados de tanta leitura séria, necessitam de se defrontar com uma página simples, fácil de mastigar, precisamente a última, como forma de aligeirar ou facilitar a digestão intelectual? Já não digo nada! Esta minha apreciação não significa que não haja pessoas a escrever e a pedir conselhos ou informações sobre determinado assunto.
No último número da revista The Atlantic, uma revista norte-americana de prestígio, li na última página, “Qual é o seu problema?”, uma pergunta bastante interessante. Trata-se de um apreciador de queijo que deseja ter uma vida longa, mas anda preocupado com o colesterol. Por esta razão, o seu médico prescreveu-lhe uma estatina, mas, mesmo assim, questiona o colunista se, aumentando a dose do fármaco, poderia comer algum queijito. Coloca-lhe esta questão, porque o seu médico não gosta de queijo e nem que lhe façam este tipo de perguntas. O articulista, com base numa publicação de um cardiologista, explica-lhe que o colesterol depende de muitas variáveis: qualidade da dieta, quantidade e tipos de queijo, e outras coisas ricas em colesterol, assim como a forma como o doente metaboliza o colesterol. Depois lá foi arengando mais umas “cientificidades” que dispenso de reproduzir. Tudo isto para quê? Para dizer que o melhor seria comer o queijo com umas bolachas ricas em fibras e acompanhado de um bom Rioja. Rioja?! Vinho espanhol? E os nossos tintos? Ricos e saborosos à espera de um bom queijito para compensar certas restrições alimentares, e, por vezes, mesmo sem necessidade de um grande pretexto.De todas as explicações, as que mais me seduziram foram as duas últimas. Mudar de médico e escolher outro que saiba de queijos e de vinhos. Correto. Uma excelente sugestão, até porque permite divagar e conversar ao redor de temas que despertam outros apetites, sim, porque quando se anda por caminhos hedonistas decerto que se podem encontrar soluções agradáveis para muitos problemas. A outra sugestão prende-se com a necessidade de haver alguém que se entretenha a produzir “bacon enriquecido em estatinas”, o que seria uma garantia para ganhar um prémio Nobel. Aqui estão duas boas soluções, uma de ordem prática, escolher um médico não castrador e não dogmático, que respeite os desejos de um doente e outra de cariz investigacional. Como já andamos no mundo dos produtos geneticamente modificados, bem poderiam colocar genes apropriados numas cabras, ou vacas, capazes de originarem leite rico nessas substâncias. Deste modo, podiam produzir queijos de elevada qualidade, ricos em substâncias capazes de baixarem o colesterol, muito mais económico e útil para os que gostam de coisas boas, sem necessidade de dar cabo do orçamento da saúde. Quanto ao vinho, por agora, o melhor é deixarem-no como está. Já estou a ver algumas pessoas, meio esquecidas, a regressarem à mesa para comer uma excelente fatia do seu queijo preferido acompanhado de um bom tinto para que o seu colesterol não suba. Deste modo, o médico evitaria dizer: - Não se esqueça, olhe que não pode comer queijo, porque faz subir o colesterol e depois é o cabo de trabalhos para o seu coração. Passaria a dizer: - Não se esqueça de comer queijo, olhe que é mesmo excelente, e se for acompanhado de um copito de tinto, então, a sua saúde ficará protegida. Quando é que iremos ver esses tempos?
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