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quinta-feira, 22 de março de 2007

"Contagium animatum"



Há dias, numa das minhas esporádicas visitas a alfarrabistas, deparei-me com uma interessante biografia de Robert Koch publicada em 1944. Ao folhear algumas páginas perpassou-me várias imagens e recordações. As lições dos meus professores de microbiologia e de anatomia patológica, a imagem austera de um cientista que revolucionou a investigação médica, um filme sobre a sua vida e a descoberta do bacilo da tuberculose, a placa com o seu nome na parede da instituição berlinense, na qual praticou e fez notáveis descobertas, e com a qual acidentalmente esbarrei na primeira estadia em Berlim, as histórias de familiares isolados compulsivamente para o vizinho Caramulo, as escrófulas nos pescoços de colegas da escola, e o medo e a vergonha associados a uma palavra maldita capaz de afugentar qualquer cristão e até os próprios cães.
Num dia chuvoso da Primavera de 1882, no Instituto de Fisiologia de Berlim, um homem de boa apresentação, pêra curta e lunetas de ouro a rondar os 40 anos, fez uma comunicação perante uma selecta assistência, em que ponteava o próprio Virchow, o mais reconhecido e influente cientista e politico, que marcou uma das mais brilhantes eras da ciência médica e da higiene, e que agora iria assistir ao nascimento de uma outra mais sofisticada, e substancialmente diferente, provocando-lhe um profundo desconforto traduzido na violência e desprezo com que mimoseou Koch. Na mesa alinhavam-se vários microscópios, com os respectivos preparados, esperando o momento em que o cientista iria convidar os presentes a testemunhar os seus achados. – Vede e convencei-vos! – Consegui descobrir o agente da tuberculose, o bacilo da tuberculose – exclamara o orador.
Esta afirmação foi feita no final da sua conferência, no dia 24 de Março de 1882, há, precisamente,125 anos.
No dia seguinte, e apesar das limitações da comunicação, o mundo encheu-se da sua fama, da Terra do Fogo à Sibéria.
A vida deste médico é uma das mais ricas que se conhece. Médico do interior, exercendo as funções de físico municipal, pagando do bolso as suas próprias experiências, obcecado pelas descobertas e, inicialmente, pelas viagens, as quais lhe foram negadas por amor da sua futura mulher, obrigam-nos a reflectir sobre uma doença que na altura se desconhecia a causa e que matava aos poucos uma em cada sete pessoas.
Muito se alterou desde então, mas não o suficiente para travar a propagação de uma afecção que ainda hoje é sinónimo de estigma social a relembrar outros tempos.
As terapêuticas não têm evoluído, a resistência às mesmas está a aumentar, e é de tal forma grave que poderemos afirmar a possibilidade de podermos entrar num período idêntico ao que antecedeu à descoberta dos primeiros tuberculostáticos. A existência de doenças favorecedoras à sua propagação, as más condições sociais, alimentares e de higiene que imperam em muitas regiões do globo, e até em bolsas nas próprias sociedades desenvolvidas, envergonham a humanidade e não respeita o notável esforço e a esperança de um homem que abriu uma nova era: a investigação biomédica, a importância da aplicabilidade das medidas sociais e a esperança de erradicar certas doenças.
O que diria Robert Koch, hoje, 125 anos após a apresentação pública do bacilo que ainda hoje porta o seu nome?

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