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quinta-feira, 2 de abril de 2009

Capitalismo de Estado versus capitalismo de mercado: a grande diferença

1. Muito se tem discutido, nos últimos meses, sobre a natureza da crise que tem afectado a economia mundial - e não falta quem lhe atribua natureza de crise sistémica, no sentido de que com esta crise o que está em causa, ferido de morte, seria o sistema capitalista de mercado.
2. Avanço, desde já, que me parece equívoca a antítese capitalismo-comunismo: pela razão simples que em ambos os modelos/sistemas históricos o capital teve ou tem um papel central, ambos são pois sistemas capitalistas; a principal diferença reside na chamada propriedade dos meios de produção e nos mecanismos de afectação dos recursos.
3. No caso do capitalismo de Estado, a propriedade de quase todos os meios de produção é do Estado – na prática é do aparelho político que controla o Estado, na teoria do colectivo dos cidadãos.
4. No caso do capitalismo de mercado, a propriedade dos meios de produção encontra-se dispersa, tanto pertencendo a cidadãos, mais ou menos organizados em empresas, como ao Estado, frequentemente aparecendo ambos em parceria.
5. Os casos historicamente mais importantes de capitalismo de Estado – o da URSS e o da China, com as suas distinções de estilo – ruíram.
6. O primeiro ruiu fragorosamente, arrastando consigo o desmantelamento de todo o aparelho de Estado com que convivia – foi a histórica implosão da URSS.
7. O segundo conseguiu uma impressionante transformação que permite manter um sistema de partido único a que seria inerente um capitalismo de Estado - mas teve de deixar cair a regra de ouro da propriedade exclusiva dos meios de produção, mostrando-se capaz de viver com um sistema de economia de mercado, em que boa parte dos meios de produção se encontra já na propriedade e posse jurídica e indisputada de cidadãos.
8. O sistema de capitalismo de mercado ou de economia de mercado, como também é chamado, tem uma virtualidade que não existe nos sistemas de capitalismo de Estado – embora o exemplo chinês dê que pensar (e bastante): as crises são detectáveis através de mecanismos próprios do sistema, que também permitem a introdução de factores de correcção, mais ou menos drásticos iremos ainda ver, sem alterações fundamentais do sistema.
9. Enquanto que no caso da URSS a crise do capitalismo destruiu o sistema e o próprio Estado e na China destruiu o sistema embora preservando (para já) o essencial do aparelho de Estado comunista, nos sistemas de economia de mercado as crises puderam até hoje ser superadas – e tudo indica que voltarão a ser – sem destruição do Estado ou do sistema de mercado.
10. Existe uma razão fundamental para estas diferenças: apesar de todos os seus defeitos, por vezes chocantes, o sistema de capitalismo (ou de economia) de mercado é infinitamente mais aberto, mais ágil, mais participado e menos rígido que os sistemas de capitalismo de Estado.
11. Admito que muito boa gente fique triste com estas considerações: mas que se preparem para assistir à recuperação da economia mundial e à subsistência da economia de mercado, se não me engano muito...embora ainda que tenhamos de esperar um bom par de meses...

8 comentários:

Bartolomeu disse...

Belíssima aula de economia(s), caro Dr. Tavares Moreira.
Pela minha parte, fico-lhe agradecido.
Daquilo que me é dado observar e ainda, face aos esforços que os governos estão a envidar, custa-me muito pouco, ou quase nada, concordar com a previsão que expressa no último ponto deste texto.
Contudo e reportando-me ao ponto 8, tenho de observar que a derrocada do sistema capitalista a que assistimos na europa, ficou tambem a dever-se ao facto de, face à detecção da crise, não terem sido introduzidas alterações e (ou) ajustes ao sistema, por forma a corrigi-lo.
Esta constatação leva-me a pensar que essa recuperação a que o caro Dr. se refere no ponto 11, e que todos desejamos venha a contecer com brevidade, possa não ser sustentável, ou como dizem os meus vizinhos lá da serra: possa ser "fogo de palha seca".
A ver vamos, não é verdade caro Dr. Tavares Moreira!?
Prognósticos, só no final do jogo.
;)

Anónimo disse...

Ao longo desta crise venho dando por mim fazendo a reflexão sobre o papel do Estado na economia e quando mais penso menos entendo os defensores do Estado, Estado, Estado.

É que chego sempre a um mesmo ponto nas minhas reflexões. Sem prejuízo da culpa dos agentes económicos com o desenvolvimento de produtos financeiros pouco sustentados na economia real, quem falha ao longo de todo o processo são os Estados. Não era aos estados que competia o papel de regulador e a actividade de agir sempre e quando o equilibrio dos mercados podia estar em risco? Ora, pese embora as crises serem cíclicas, parece-me haver aqui um grande lapso de análise, previsão e regulação por parte do regulador Estado.

Ora, se nem o papel de regulador os Estados conseguiram desempenhar, se nem nessas funções se conseguiram impôr, como podemos esperar que possam impôr-se enquanto participantes activos do processo produtivo, detendo o próprio Estado os meios de produção? Se nem arbitrar o Estado é, em geral, capaz, como podemos esperar que seja capaz de produzir directamente o que quer que seja?

Algo sobre o qual nunca consegui passar deste patamar e, aliás, leva-me cada vez mais a recusar aquilo a que o Tavares Moreira chamou "capitalismo de Estado".

(c) P.A.S. Pedro Almeida Sande disse...

Assino o que Zuricher diz e continuo a pensar que o problema capital (até aqui se fala de capital!), é um problema de escala e de ética. Ética privada e ética pública (ou falta dela!) não se combatem com capitalismo de Estado versus economia de mercado. Combatem-se com a educação, o civismo, o combate à ganância, ao egoísmo, ao assalto ao celeiro colectivo. Afinal, se quisermos, se nos centrarmos no outro sem olhos gananciosos, invejosos ou necessidade de reconhecimento, vivemos com pouco: uma pitada de alimentação frugal para não entupirmos as coronárias, uma pazada de livros para nos conhecermos uns aos outros, uma humilde mansarda, um triciclo ergonómico para nos deslocarmos para o emprego, um TGV e uma ponte apenas em desenhos de visionários e de redistribuidores para azuis sacos, uma libido acalmada na parceira sem querer a dos outros ... e para quê o capitalismo e o Estado, se o Estado somos nós formigas diligentes a contribuirmos com pequenas migalhas?

O problema CAPITAL, será sempre, ASSIM, a partilha do celeiro!

Adriano Volframista disse...

Caro Tavares Moreira

Sobre este tema permita-me "semi" discordar.
O que estamos a assistir é ( e só assim se pode compreender a atitude de Merckel/Sarkoz na cimeira de Londres) a uma luta entre os dois modelos de capitalismos existentes : o anglo saxónico ou indivdual e o "continental, renano ou, em françês, "capitalisme souche" e que é um capitalismo mais comunitário, paternalista e regulador do acesso ao contrário do primeiro que é mais regulador do comportamento ou da actiivdade.
Sobre a distinção podíamos estar aqui o resto do dia, pelo que passo adiante.
A questão entre capitalismo/comunismo não se põe,porque o segundo morreu, está enterrado e certifcado. Discutir a morte do capitalismo tendo como contraponto um sistema morto é absurdo.
A querela que se assiste é precisamente o choque de dois modelos de capitalismo, que existiam na época da batalha contra o comunismo, mas que essa mesma batalha tinha, senão apagado, pelo menos esmorecido, aliás estes dois modelos assentam em dois tipos de sociedades antropologicamente distintas: a familia nuclear mais anglo saxónica e a familia alargada mais continental que tem como modelo mais paradigmático as comunidades da Renânia.
Dito isto, o que se assistirá será saber se o modelo renano é mais eficaz para os tempos actuais, ou teremos de encontrar uma ou mais vias,assentes nas novas realidades antropológicas que surgiram nas três últimas decádas do século passado.
Ainda estamos no ínicio da discussão.
Cumprimentos
João

Tavares Moreira disse...

Caro Bartolomeu,

Permita-me discordar quando diz que assistimos à derrocada do sistema capitalista agora: a derrocada do sistema capitalista de Estado seu-se com a implosão da URSS e com o abandono pela China do elemento nuclear desse sistema.
Não assistimos a qualquer derrocada do sistema capitalista de mercado, pela razão simples que a falência de empresas financeiras ou não financeiras, por muito importantes que sejam, faz parte das regras de jogo deste sistema...
Quanto ao ritmo de retoma do crescimento económico confesso não ter quaisquer certezas - será que alguém as tem? Só se for o Ministro da Economia dum país bem nosso conhecido...

André disse...

Caro Tavares Moreira,

Julgo importante esta distinção, ainda que ligeira no seu princípio, mas vincada nas suas ideologias. Quanto ao capitalismo de Estado, dia após dia sentimos a falência dos mesmos. Por enquanto a Venezuela vai-se aguentado em virtude da capacidade petrolífera, mas piores dias chegarão e o comunismo de Chavez não passará cada vez mais de uma miragem. Comunismo não! Parece que Chavez julga mais bonito chamar-lhe socialismo.
Quanto ao capitalismo de mercado foi sem dúvida o sistema que mais riqueza distribuiu senão veja-se... Por outro lado, é vital a intervenção pontual do Estado para corrigir os momentos de boom excessivo e de recessão. O Estado tem um papel importante nas economias de mercado, regulando-as de forma a protender a um interesse comum.

Tavares Moreira disse...

Caro Zuricher,

Dou-lhe razão em % elevada embora não a 100%.
Pela minha análise, houve falhas de mercado, GRAVES, e falhas de regulação, MUITO GRAVES.
Procurando atribuir quotas de responsabilidade, daria 40% ao mercado e 60% à regulação.

Caro Maioria,

O Senhor entra por um domínio de análise que se situa já muito próximo do antropológico e do escatológico.
Respeitando imenso esses planos de análise, eu situo-me para já num terreno mais positivo, de análise político-social - com uns pós de economia à mistura.

Caro João,

Verifico que meu amigo se situa nos antípodas de Mario Soares, que deu as boas-vindas a Obama - não se nalgum imaginário Figo Maduro - agradecendo sua vinda à Europa e pedindo-lhe para explicar aos europeus para entenderem os malefícios do neo-liberalismo...
Eu, confesso, não subscrevo a tese do Dr. Soares mmas também tenho alguma dificuldade em entender a do meu Amigo - acho que de um lado e doutro do Atlantico e do Canal há uma grande misturada de sistemas de economia de mercado...e de socialismo aberto...

Caro André,

Interessante chanar à liça o caminho arduo mas generoso que a Venezuela, sob o comando superior do grande lider HUGO, está percorrendo em direcção ao capitalismo de Estado...na minha observação, contudo, a Venezuela nem vai precisar de atingir esse estádio de perfeição suprema para implodir em grande estilo!

Tábata disse...

Excelente artigo!
Me esclareceu uma série de dúvidas.
Linguagem simples e objetiva, ideal para estudantes de comunicação que precisam entender um pouco de economia como eu.
Parabéns!