O Rei D. Francisco de Louçã, chefe de uma remota tribo na extrema esquerda do mundo, passeia-se em Portugal.
O seu itinerário tem deixado rasto: a comunicação social tem vindo crescentemente a enaltecer o brilho das suas roupagens e o fulgor das suas ideias.
Por isso, são cada vez mais os convites para deslocações a muitos lugares deste país, onde tem deixado em êxtase algumas dezenas de admiradores que lhe tocam o traje e milhões de jornalistas que aproveitam para lhe implorar, de microfone em punho, algumas radiosas ideias, para salvação de Portugal e do planeta.
Obviamente que D. Francisco não rejeita a oportunidade de se pronunciar, normalmente em voz cava e solene, e os seus pronunciamentos são logo difundidos urbi et orbi, como grandiosos e originais pensamentos.
Todos os dias é convidado para ir à televisão, onde já tem lugar reservado e privativo: aí fala de cátedra e o que refere tem eco em todos os canais de rádio e televisão e em todos os órgãos da imprensa escrita.
Detive-me, com mais atenção, numa das suas últimas aparições na TV, em que, depois de locubrar, com enorme circularidade, sobre alguns dos grandes temas que interessam à humanidade, se dignou falar sobre Portugal, tendo escolhido como assunto uma crítica demolidora ao benefício fiscal concedido, no âmbito das suas operações de reestruturação, ao Grupo financeiro Totta/Santander, pelo Governo de Santana Lopes.
O modo como apresentou a crítica levou-me a pensar que D. Francisco de Louçã poderia saber tudo sobre o seu ignoto país, na extrema esquerda do mundo, mas não sabia nada sobre a competitividade da economia e sobre a legislação fiscal portuguesa.
É que, em Portugal e na Europa, existe, de há muito, legislação que visa favorecer operações de reestruturação empresarial, com vista a alcançar maior competitividade.
Concluí que D. Francisco de Louçã, apesar de conhecer um ou outro facto, estava completamente desenquadrado da nossa realidade e, como tal, interpretava-a de forma delirante.
Em suma, D. Francisco de Louçã pouco sabia do nosso país.
Confessei a um amigo meu que D. Francisco de Loução me pareceu totalmente ignorante sobre Portugal, embora erudito numa ou noutra matéria.
Esse meu amigo, normalmente bem informado, torceu o nariz de modo tal que me levou a ficar na dúvida sobre se D. Francisco era, de facto, ignorante ou era homem de má fé, ou era as duas coisas, ou era um loquaz inocente mal informado, por provir da tal extrema esquerda do mundo que nada tinha a ver com Portugal.
Em qualquer caso, pensei que se deveria desmascarar o sujeito, berrando, a plenos pulmões, que D. Francisco ia nú e as luzes do seu trajar eram uma verdadeira ilusão.
Reservei para o dia seguinte o meu juízo definitivo.
Li os jornais e vi os noticiários das televisões.
Qual não foi o meu espanto, ao verificar que o assunto de destaque era precisamente o tema dos benefícios fiscais, com títulos como : D. Francisco surpreendeu com o tema fiscal, D.Francisco criou o "caso" do debate, D. Francisco introduziu a novidade da denúncia de um estranho benefício fiscal, etc, etc...
Isto é, a opinião publicada tomou verdadeiramente a sério as palavras de D. Francisco!..
Restou-me concluir que o homem vai mesmo ricamente trajado e tem luxuosas ideias e que a comunicação social as aceita e promove, com enorme louvor e exaltação!...
Pensei então que, afinal, eu é que vou nú e nada entendo do que se passa!...
Alguém me dá uma ajuda?
3 comentários:
Só para avisar que "nu" nunca leva acento no "U", ou seja, "nú" está errado.
Achei por bem dizer mais alguma coisa, afinal, no fim pede ajuda. Bom, o que há para dizer é que, como todos sabemos, os media querem sangue, com substância ou sem. Não durou quase toda a pré-campanha e metade da campanha os boatos à volta de Sócrates. Não duram ainda as reportagens mentirosas (que se lixe o politicamente correcto, «há que chamar os bois pelos nomes») do "Independente"? Não vêem, os media, a teoria da conspiração na mais pequena nódoa? Sou socialista, mas parece-me que muitas das notícias são empoladas. Ouvi, durante esta campanha, António José Seguro referir que na Assembleia muitas das matérias são aprovadas com largo consenso entre partidos, mas que o tempo de antena nos telejornais só foca as discussões, os desentendimentos. Se algum deputado não está na sala é um calaceiro (depois generaliza e passa a imagem que são todos), porém, ser deputado não é a tarefa mais fácil do mundo. Bom, o comentário vai longo. Devo dizer-lhe que a correcção do "nú" é apenas tique mesquinho de professor de português. Gosto muito de visitar este blogue e gostei muito do seu texto.
P.S. - espero que me perdoe o atrevimento da correcção.
Muito bem, mereço a correcção, também.
A língua é um "ser vivo": é importante mexermos com ela, deixá-la evoluir. Que teria sido do português se imperasse a gramática sobre o génio pessoal?
Agradeço terem tido o trabalho de responder ao comentário; por momentos fiquei com medo do que tinha feito, isto é, medo de ser tido como um purista da língua. Algo que não sou e que detesto. Adoro a língua que falo, no sentido em que adoro todas as suas particularidades: a norte, ao centro e ao sul.
Se me dei ao trabalho de corrigir o "nu" foi, unicamente, devido a este tique e, também, por ter tido um trauma com a mesma palavra frequentando ainda o 7º ano: há professores que nos marcam...
Não sei qual a intenção do 4R, pois essa está na cabeça de quem o contrói dia após dia. Talvez, nalgum momento, possamos discutir a língua.
Cá estarei para comentar, com muito gosto, esses e outros assuntos
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