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domingo, 23 de julho de 2006

Nota sobre a cegueira

Custa-me a admiti-lo, mas tenho de o reconhecer - e seria bom que entre nós advogados se começasse a fazê-lo em voz alta: as razões da decantada crise da Justiça não radicam só nas magistraturas, nas polícias ou nos corpos de funcionários judiciais. Não derivam das más políticas ou das omissões dos governos. A consciência social da crise da Justiça identifica outros responsáveis: os advogados. E infelizmente identifica-os com reais motivos, cujos contornos vão de resto muito para além da percepção pública.
Existem, claro, razões estruturais que explicam que a classe é hoje uma parte do problema. A começar pelo baixo nível de formação básica de muitos dos jovens licenciados que chegam à profissão; o facto de a advocacia ser cada vez mais o refúgio dos milhares licenciados em direito que não têm qualquer vocação para abraçar a carreira e ali vão parar porque as empresas não absorvem juristas, é estreitíssima a porta de entrada para as magistraturas, o ensino já não é saída e a diplomacia que outrora dava emprego a uns tantos alargou a outras formações as poucas oportunidades de acesso. E existem muitas, muitas outras...
Mas há outros sinais de degradação do papel social do advogado que não deveria deixar indiferente a classe.
O processo disciplinar - tornado espectáculo - movido ao senhor Bastonário José Miguel Júdice, sendo evidentemente um sinal dos tempos, marcará a história da Ordem dos Advogados como um lamentável episódio.
Não só pela forma como o processo se desenrolou, ou como o julgamento decorreu, ou por tudo quanto seguramente aí vem depois de ser conhecida a decisão tomada no foro disciplinar, seja qual for essa decisão (embora me não custe adivinhar qual será...).
Lamentável, sobretudo, porque quem fica a perder é a advocacia que bem precisada andava de um suplemento de prestígio.
E um mau serviço prestado à Justiça. Uma perda de autoridade para censurar outros actores judiciários pelo seu envolvimento em mais ou menos sibilinas disputas de poder ou domínio pessoal ou de grupo. Porque nas restritas corte e contra-corte, ou seja, naqueles por cujas mãos habitualmente passa o governo da Ordem, a lógica que comanda é precisamente essa.
Estamos a ano e meio de novas eleições para bastonário e para os restantes órgãos da Ordem.
Cumpre-se a tradição: começou cedo a campanha eleitoral.
Desta vez, convenhamos, de forma mais original do que o costume.
Infelizmente de forma mais lastimável também.

Perguntarão alguns dos que lêem esta nota, que diabo de relação têm os factos aqui anotados com as eleições para os órgãos da Ordem dos Advogados. E eu respondo já: nenhuma, é claro! A nota é sobre a cegueira...

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