Este é o título do artigo de Javier Marias no El País semanal de 9 de Março, onde descreve assim o estado de espírito de muitos cidadãos em vésperas de eleições em Espanha:
“Sim, claro que dá ganas de não ir votar, ou de votar em branco; de mostrar de alguma forma que a recusa global não é quanto ao sistema democrático – é o que a maior parte da população prefere, apesar das suas imperfeições, distorções e mesmo corrupções – mas sim quanto aos políticos entre os quais temos que eleger, que servem muito mais os seus partidos do que os cidadãos, que frequentemente parecem considerar um simples e maçador trâmite pelo qual há que passar de 4 em 4 anos, por sorte só temos que os aguentar um par de meses, antes de cada acto eleitoral. Sim, dá vontade de nos abstermos, mas isso, ou votar em branco, é uma estupidez maior do que a de inegável estupidez de colocar um voto na urna e, entre as duas estupidezes, é melhor escolher a menor. Quem se abstém ou vota em branco nunca é considerado como gostaria: considera-se que ambos se inibem e encolhem os ombros, que deixam a escolha a quem decide e com quem não vão discutir, portanto, não têm nenhuma objecção aos resultados; estes são-lhes simplesmente indiferentes, não têm preferências, não lhes importa quem governe e limitam-se a acatar a decisão dos outros, ou seja, dos convencidos, dos entusiastas, dos militantes ou dos fanáticos. Vejam que perigo (…) não me digam que esta não é a maior estupidez de todas. Por isso, que remédio, mais vale ir votar. Mas há quem censure os que vão contrariados, os que vão optar por aqueles que lhes repugnam um pouco menos ou, como disse aqui há quatro anos, pelos que, em vez de cem patadas, nos dão só noventa e oito ou noventa e sete, que em caso algum são poucas. Que fazer? perguntam o receoso, e o pesaroso, e o desiludido, e o céptico e o que preferia lavar as mãos e não ter nada a ver com isso para poder dizer “Ah, não olhem para mim, eu não votei, ou votei em branco, este desastre foi coisa vossa”. Mas, lamentavelmente, é coisa de todos, também dos que ficam em casa ou votam em branco, precisamente porque nada fizeram para evitar este ou aquele desastre. De modo que, contra a opinião dos mais puristas, claro que vale a pena votar, não para que governem uns ou outros, mas sim para impedi-lo. O panorama é desolador, reconheço, para os indecisos e para os que sentem uma aversão geral (…)”
Segue-se uma descrição arrasadora, quase trocista, dos vários partidos candidatos e, lembrando uma frase de Faulkner “Entre la pena y la nada, elijo la pena”, termina: “Pues eso. Sobrepónganse, y anímense”.
Não deixa de ser uma forma interessante de combater a abstenção mas, pelos vistos, apesar das estatísticas de encher o olho, parece que o descrédito da política não é exclusivo lusitano...
“Sim, claro que dá ganas de não ir votar, ou de votar em branco; de mostrar de alguma forma que a recusa global não é quanto ao sistema democrático – é o que a maior parte da população prefere, apesar das suas imperfeições, distorções e mesmo corrupções – mas sim quanto aos políticos entre os quais temos que eleger, que servem muito mais os seus partidos do que os cidadãos, que frequentemente parecem considerar um simples e maçador trâmite pelo qual há que passar de 4 em 4 anos, por sorte só temos que os aguentar um par de meses, antes de cada acto eleitoral. Sim, dá vontade de nos abstermos, mas isso, ou votar em branco, é uma estupidez maior do que a de inegável estupidez de colocar um voto na urna e, entre as duas estupidezes, é melhor escolher a menor. Quem se abstém ou vota em branco nunca é considerado como gostaria: considera-se que ambos se inibem e encolhem os ombros, que deixam a escolha a quem decide e com quem não vão discutir, portanto, não têm nenhuma objecção aos resultados; estes são-lhes simplesmente indiferentes, não têm preferências, não lhes importa quem governe e limitam-se a acatar a decisão dos outros, ou seja, dos convencidos, dos entusiastas, dos militantes ou dos fanáticos. Vejam que perigo (…) não me digam que esta não é a maior estupidez de todas. Por isso, que remédio, mais vale ir votar. Mas há quem censure os que vão contrariados, os que vão optar por aqueles que lhes repugnam um pouco menos ou, como disse aqui há quatro anos, pelos que, em vez de cem patadas, nos dão só noventa e oito ou noventa e sete, que em caso algum são poucas. Que fazer? perguntam o receoso, e o pesaroso, e o desiludido, e o céptico e o que preferia lavar as mãos e não ter nada a ver com isso para poder dizer “Ah, não olhem para mim, eu não votei, ou votei em branco, este desastre foi coisa vossa”. Mas, lamentavelmente, é coisa de todos, também dos que ficam em casa ou votam em branco, precisamente porque nada fizeram para evitar este ou aquele desastre. De modo que, contra a opinião dos mais puristas, claro que vale a pena votar, não para que governem uns ou outros, mas sim para impedi-lo. O panorama é desolador, reconheço, para os indecisos e para os que sentem uma aversão geral (…)”
Segue-se uma descrição arrasadora, quase trocista, dos vários partidos candidatos e, lembrando uma frase de Faulkner “Entre la pena y la nada, elijo la pena”, termina: “Pues eso. Sobrepónganse, y anímense”.
Não deixa de ser uma forma interessante de combater a abstenção mas, pelos vistos, apesar das estatísticas de encher o olho, parece que o descrédito da política não é exclusivo lusitano...
3 comentários:
Cara Drª Suzana, o descrédito é em meu entender, uma epidemia que ganha dimensão. Verifica-se em relação à política, em relação ao comércio e a outras actividades e instituições. Achamos que deixámos de poder acreditar, até nas entidades legais. Tomamos conhecimento a todo o passo de diferentes atropelos à confiança e àquilo que está estabelecido. Interrogamo-nos frequentemente... "mas como é possível que isto se esteja a passar?"
Relativamente à política, em minha opinião, 4 anos de mandato, não são suficientes para que um governo coloque em prática o projecto pelo qual se candidatou e que o fez eleger. Ainda em minha opinião , o período de governação, não deveria estar sujeito ao limite temporal, mas sim à concretização e cumprimento das propostas eleitorais, arbitradas pelo poder presidencial.
Relativamente à política, aquilo a que assistimos e nos leva a descrer, é precisamente o facto de verificarmos que os programas eleitorais não são cumpridos.
Um pouco mal comparado, é como entrarmos num stand da mercedes, encomendar um carro por catálogo, onde nos é prometido a entrega de um modelo com estofos em pele, airbag's em todos os lados, climatização automática, etc e quando começamos a circular com o pópó, verificamos que afinal só o condutor é que tem airbag, a climatização afinal não passa de um botãozinho no tabelier e os estofos são em napa.
Suzana
O desânimo é pelo menos ibérico! Enfim, não temos que nos congratular por não estarmos sozinhos. Quando as alternativas políticas que se colocam não constituem reais alternativas, surge a tentação fácil de resolver o sentimento de protesto não votando. Nunca será uma solução, porque não é com um erro que se corrige outro erro.
Nuca gostei muito de jogar com as palavras para confundir ou convencer sobre uma ideia ou do contrário.
De modo que a conclusão de que "claro que vale a pena votar, não para que governem uns ou outros, mas sim para impedi-lo" não passa de um jogo de palavras. Vale a pena, sim, votar para que uns governem e outros não governem. É a necessidade democrática de fazer uma escolha do mal menor, se estivermos perante dois males. Não há alternativa!
E porque é que haverá essa epidemia, caro Bartolomeu? Essa é que é a questão preocupante. Se fosse localizada, num grupo, num país ou num partido, só para dar alguns exemplos, ainda podíamos tentar ver a causa, isolá-la e combatê-la. Mas, como diz e como se vê em muitos lados, atinge os mais sólidos bastiões de outrora, parece que de repente não se encontra sentido em coisa nenhuma. Também custa a crer em tão grande descalabro, em Espanha, em França, na Bélgica...embora com algumas variações e umas Bruni à mistura, no fundo as razões do desapontamento são as mesmas.
Margarida, tem razão, os jogos de palavras não acrescentam nada mas ajudam a arrumar as ideias.E acho que o desânimo, de tão generalizado, é mais que ibérico, esperemos que não se torne global!Será dos jornais? Ou é esta confusão informativa que, pelo excesso e cadência, nos deixa atordoados?? Já não sei...
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