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terça-feira, 18 de março de 2008

Uma viajem de comboio...

Nunca pensei que a condição de avô pudesse ser tão gratificante. Consigo fazer coisas que nunca me passaram pela cabeça ao ponto de relegar para um plano secundário certas actividades para dar prioridade à neta. No fundo apetece-me “transgredir”. E sabe tão bem!
Hoje - tinha acabado de chegar de Lisboa -, à hora do almoço, a minha neta de quatro anos perguntou-me: - Avô, o que vais fazer de tarde? Disse que tinha que ir à faculdade, fazer umas coisitas. Passado um bocado, ouvi-a dizer à mãe, que o avô estava a ficar “atrasado” para ir no comboio. – Está a ficar “atrasado”! De facto, há algumas semanas prometi-lhe que a levaria numa viagem de comboio, a sua primeira viagem. Mas tinha idealizado ir ao Porto, almoçar e depois regressar a Coimbra. A miúda sente-se atraída pelos comboios, a que não é alheio o facto de ver diariamente passar o comboio da Lousã, ronceiro e pintado de graffitis, a meia dúzia de metros.
Olhei para o relógio e disse-lhe: - Queres ir dar uma volta, até à Lousã, no comboio pintado? – Olhou-me com os olhos a brilhar e deu-me de imediato a mão. A avó, que vive há décadas na mesma casa e que nunca tinha ido no comboio, apressou-se a dizer, tal como uma criança, que também queria ir. Em poucos minutos lá fomos os três a correr até à estação de São José. Quando vimos o comboio chegar, verifiquei que já não tinha tempo de comprar os bilhetes. Curiosamente, o motorista, com as portas da composição já fechadas, viu a minha mulher e neta especadas na plataforma. Quando regressei depois de adquirir os bilhetes, o senhor, lá no fundo, acenou-me para entrar, dando a entender que esteve à espera. Acenei-lhe e agradeci o seu gesto, ao mesmo tempo que entrávamos na carruagem. Um gesto verdadeiramente simpático que me fez lembrar velhos tempos. De repente senti-me recuar quase meio século atrás, data em que tinha andado pela última vez naquele ramal. Tirando os arranjos de modernidade das carruagens, tudo o resto era igual. Parava em todos os apeadeiros reais ou imaginários, passávamos pelos velhos túneis e pontes, o ranger metálico das curvas era o mesmo, a velocidade não tinha melhorado (cinquenta e cinco minutos para cerca de 25 km), a paisagem bucólica e as aldeias permaneciam praticamente inalteradas. O que era diferente? A miúda! Fascinada com tudo. Com os túneis, com o rio, as cascatas, com a velocidade do comboio (!), fazendo perguntas a torto e a direito, dizendo que se sentia muito feliz. E lá fomos numa tarde chuvosa da Semana Santa, lanchar num café na Lousã. Passada uma hora, os três compinchas fizeram a viagem de regresso com entusiasmo acrescido, ao ponto da miúda ter-me questionado: - Oh avô tu já disseste que íamos de avião? Não foi? – Olhei para a safada e pensei: - Sabes muito! Ai sabes, sabes! Apesar de nunca lhe ter prometido nada nesse sentido, acabou por apanhar-me e agora tenho que a levar. Riu-se e disse: - Sabes? Gosto muito de andar e aprender contigo!
Quanto aos afazeres desta tarde terão de ficar para outro dia. Mas como ninguém sabe o que aconteceu...

8 comentários:

Anónimo disse...

Professor Massano Cardoso, deliciei-me a ler o relato da viagem familiar de Coimbra à Lousã. Gostei francamente de ler a descrição, a forma como a escreveu, o carinho que transpira da sua escrita, a satisfação do avô por ver a felicidade da neta. Fez-me voar uns quantos anos atrás para os tempos da minha meninice e à minha educação dada pelos meus avós. São os melhores educadores!

Quanto ao que tinha para fazer na faculdade, olhe, deixe lá. A alegria, a satisfação da sua netinha valem por muitos e muitos trabalhos em atraso.

Um grande bem haja para os avós que demonstram tanto carinho para com os seus netinhos. E todas as felicidades do mundo para a pequenina.

:-))

Bartolomeu disse...

Caro amigo, hoje obvio o título académico... um dia, não são dias e, talvez sem ter notado, o caríssimo amigo, embarcou no comboio para a Lousã, este grupo de "amantes" dos seus post.
Não foi somente o amigo Massano Cardoso que viajou no tempo, até ha 50 anos atrás, eu tambem e estou capaz de apostar o próximo lanche em como a maioria de todos estes amigos que o lêem.
Obrigado!
"Riu-se e disse: - Sabes? Gosto muito de andar e aprender contigo!"
Pronto meu amigo, já pode desinchar o peito de orgulho, deixe espaço para novo elogio, que possivelmente irá valer a essa tão querida netinha uma viagem de avião, ah e deixe que lhe ofereça um conselho... vá reprogramando a sua vidinha de forma a proporcionar à avó e à netinha uma viagem de barco... um lindo e pedagógico cruzeiro pelo mediterrâneo... por exemplo.
Estou certo que a sua menina, tão sedenta da companhia dos avós e das informações que deles recebe, irá rejubilar com as visitas às ilhas gregas, a itália, tunísia, egipto, etc.
Com esse jeitinho que a menina demonstra possuir para convencer o avô, não me custa nada apostar que o futuro lhe reserve um lugar de destaque na política, ja ha muito tempo que não temos um primeiro ministro, mulher.
A ver vamos.

João Melo disse...

Post intimista com a qualidade do prof massano cardoso...Excelente...

Clap ,clap , clap

PA disse...

há momentos na vida, que são de uma riqueza tal, que não têm preço.

até mesmo o momento de ler, este momento da sua vida familiar, Prof.

Muito obrigada pela partilha, de uma simples viagem de comboio, a três.

adorei !

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Caro Professor Massano Cardoso
"Mas como ninguém sabe o que aconteceu..., com excepção dos seus Amigos do 4R!
Obrigada pela viagem que me proporcionou. Foi um passeio maravilhoso. E sua neta é um amor. Não se esqueça de nós que também queremos ir de avião!

jotaC disse...

No seguimento da "sugestão" dada pela Dra. Margarida Aguiar ao caro Prof. Massano Cardoso, eu também me convido para ir no aviãozinho, de preferência até às Seicheles...
Fazemos de conta que somos uma monarquia em que o rei é o SR PROF, e nós somos a comitiva...
Ah, como sou da plebe, não me importo de ir como "engraxador" oficial!

Massano Cardoso disse...

Apenas duas pequenas observações. Em primeiro nada de monarquia. Em segundo, esclareço que a viajem projectada é muito simples. Coimbra a Lisboa de comboio. Lisboa ao Porto de avião. Porto a Coimbra de comboio. Um dia em cheio. A imaginação dos meus amigos é muito mais rica do que eu pensava. Andam a ler muita "literatura". Seicheles!!! Rei!! Plebe!! Já estamos na República. Até andamos a antecipar a Quarta...

Suzana Toscano disse...

Mas que belo momento aqui nos trouxe, Prof. Massano, fomos todos viajar por uns momentos nesse comboio maravilhosamente lento, para poder saborear a viagem... Que maravilhoso avô têm esses netos, depois também queremos "ir de avião" até Lisboa, cá ficamos à espera da boleia literária!