1.Já vamos na 2ª revisão do défice do Sector Público Administrativo (SPA) de 2010, dos 7,3% do PIB iniciais (celebrados pelo Governo em tom de vitória, não esquecer) para os 9,1% actuais - e poderemos ainda ter mais revisões - mas já ninguém recorda que o défice de 2010 teve a ampara-lo uma gigantesca “bengala” que foi a transferência dos activos do Fundo de Pensões da PT para a Segurança Social (SS).
2.Essa operação de cosmética contabilística – que em 2011 começa a funcionar ao contrário, gerando um encargo para a SS de € 160 milhões se não estou em erro - rendeu ao Orçamento de 2010 uma receita extraordinária de cerca de 1,6% do PIB, o que quer dizer que sem a sua contribuição o défice do SPA em 2010 teria sido, pelas contas actuais (ainda não definitivas...), de 10,7% do PIB!
3.Este dado é de grande importância, não por qualquer especulação jornalística mas por uma razão bem séria: é a partir desse valor que se deve aferir o grau de esforço exigido para atingir a meta orçamental que o Governo decidiu estabelecer para 2011 que é, como se sabe, de 4,6% do PIB.
4.Com efeito, o esforço de ajustamento do défice não poderá contar este ano com nova nacionalização de fundos de pensões - não só por falta de “matéria-prima” para o efeito mas também porque os mandatários dos nossos credores (vulgo Troika), que vão definir as metas financeiras para os próximos 4 anos (2011-2014) desconsideram esse tipo de soluções cosméticas...
5.Sendo assim, cabe perguntar: será possível passar, de um ano para o outro, de um défice de 10,7% do PIB – pelo menos, falta saber se haverá mais correcções – para um défice de 4,6%?
6.Eu direi que possível é, mas o risco de não cumprir tal meta é quase FATAL.
7.Basta atentar no que se está a passar na Grécia, que no primeiro ano de aplicação do programa de ajustamento orçamental após a ajuda recebida em Maio de 2010 tem uma derrapagem não inferior a 1% do PIB...
8.A Grécia propunha-se reduzir o défice de 15% do PIB em 2009 – depois da descoberta de uma “vala comum” de esqueletos que levaram o défice para o dobro das estimativas iniciais – para 9,4% do PIB em 2010, ou seja uma redução de 37%...e não vai conseguir, o que lhe está a causar um sério transtorno com os juros a 2 anos em 24%.
9.Nós (o Governo, claro está), como somos "valentões" - irresponsáveis, será mais ajustado – propomo-nos reduzir de 10,7% do PIB (pelo menos, resta saber se há mais “esqueletos”) para 4,6% ou seja uma contracção de 57%!
10.Parece-me que, para evitar males maiores, que adviriam de um incumprimento logo no 1º ano de aplicação do programa, seria da mais elementar prudência convencer a Troika a ajustar o objectivo do défice para 2011, passando a usar a expressão 4,6%+”delta esqueletos”...não concordam?
6 comentários:
Caro T. Moreira:
Na verdade trata-se de uma analise nao-standard. Vejamos:
"Em 1960. o logico americano Abraham Robinson apercebeu-se de que a recta real IR admitia uma nova interpretaçao, deveras curiosa, a recta *IR nao-standard: cada numero podia ser traduzido, nao como um ponto concreto, mas como uma nuvem de pontos." (in Contar e Fazer Contas de Eurico Nogueira et al).
Sera que, sem que ninguem se aperceba, aquele cujo nome nao pode ser pronunciado esta a utilizar analise nao-standard?
Confesso que o governador do Banco de Portugal tornou-se hoje o primeiro responsável que me deu esperança de ir votar.
Caro José Braz Baptista,
Abraham Robinson desenvolveu a sua teoria sobre uma base de calculo infinitesimal...aqui estamos a contemplar uma realidade algo distinta, quiçà oposta, de um défice orçamental sem limite aparente, a caminho das estrelas...
Talvez a astronomia nos possa dar um contributo válido para a exegese do fenómeno orçamental português, quem sabe?
Caro Tonibler,
Refere-se ao Governador actual, em funções? Pode dar-me o link, se for possivel ou outra referência?
Caro Tonibler, eu também não ouvi mas quero mesmo ir ver esse link que o Tavares Moreira lhe pede!
Caro Tavares Moreira, esse seu contributo para o léxico da troika parece-me fantástico, delta esqueletos é mais original que "buraco negro"...
Caro Dr. Tavares Moreira,
Ouvi, de raspão, umas frases bem acutilantes por parte do Dr. Carlos Costa que não admitiam outra interpretação que não fosse a de visar os actuais locatários do poder. Deixo este link que creio atestar o que afirmo e que foi, "sanitariamente", esquecido pelos jornais digitais.
Cara Suzana,
"Delta esqueletos", a acrescer a 4,6% do PIB em 2011, tem a vantagem, entre outras porventura, de combinar a expressão (por extenso)de uma letra do alfabeto grego, delta, muito utilizada no cálculo diferencial e infinitesimal, com a expressão anatómica esqueletos.
Esta última adquiriu, por mérito próprio, um significado muito grande em sede das finanças públicas portuguesas...
Ou seja, os esqueletos produzem um diferencial positivo sobre o défice orçamental, com a vantagem de não afectar o carácter virtuoso das contas públicas portuguesas nem beliscar a epopeia governamental no capítulo da gestão orçamental!
O défice objectivo contiuna a ser 4,6%, o resto é apenas culpa dos esqueletos e do delta.
Car Eduardo F,
Muito obrigado pelo link, palavras duras e verdadeiras como punhos, as do Governador...
Percebo melhor agora a reacção de muito mal disfarçado incómodo do Governo...acusaram o toque, e de que maneira!
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