Não tenho hábito de fazer incursões na literatura oriental, mas, de vez em quando, atrevo-me a beber as emoções e sentimentos de povos muito afastados de nós, geográfica e culturalmente. Foi o que aconteceu no ano passado. Não me recordo se foi o título, a imagem da capa ou o nome do autor que me chamou a atenção, mas também não interessa, o que eu sei é que me embriaguei com a leitura, “Eco do Céu”, de Kenzaburo Oe. A história de uma mulher, rebelde, inconformada, sofredora, à procura da razão de viver e que acabou por transformar-se ela própria na razão de vida de outros.
Lembrei-me de Oe, quando assisti à tragédia do tsunami que se abateu há semanas sobre o Japão. Na altura noticiaram que uma central nuclear tinha sido afetada. A forma como foi dita, suave, discreta, não augurava nada de bom. É sempre assim, o anunciar das grandes tragédias começam, habitualmente, por parcas e discretas palavras. Com o passar dos dias ficámos a saber o que se temia, uma desgraça anunciada de consequências imprevisíveis.
Os que vivem no ocidente concluem que, estando longe, estão a salvo de quaisquer efeitos, conclusão essa reforçada pelos peritos, cientistas e políticos que afiançam não haver qualquer perigo. Entretanto, as radiações que já foram detetadas no ocidente, provenientes do Japão, “são coisas sem importância e sem risco para a saúde pública”. Não há nada melhor do que a “sabedoria” de tais individualidades para tranquilizar e impedir qualquer tipo de angústia!
Esbarrei novamente com Oe numa pequena nota do New Yorker. Um pequeno texto que define a natureza humana. O único povo do mundo que sofreu as consequências dramáticas do uso da bomba atómica, acaba por beber do fel da fonte da energia nuclear. O escritor descreve as tomadas de posição do Japão no pós guerra, que renunciou ao uso da força e constitucionalizou os Três Princípios Não Nucleares, com base na trágica experiência vivida. Com o tempo, a memória do homem modifica-se e os princípios têm tendência para se apagarem. O Japão, entretanto, militarizou-se, as armas nucleares foram introduzidas, secretamente, apesar de tentarem manter um aparente pacifismo. Kenzaburo Oe dá a entender que uma nação que vive permanentemente sob a ameaça de cataclismos naturais não tem o direito de construir centrais nucleares, as quais constituem fontes de tragédias humanas. É preciso fazer a ponte para Hiroshima e Nagasáqui e respeitar as vítimas. Um eco do passado que é preciso ouvir. Oe vai mais longe, ao citar um livro escrito há mil anos por uma mulher, Sei Shonagon, “O Livro de Cabeceira”, transcrevendo a seguinte frase: “Tudo aquilo que parece estar longe, não está, está muito perto”. E é esta frase que me leva a equacionar se aquilo que se apresenta em doses muito baixas poderá ser considerado como seguro. É difícil provar os efeitos de pequenas doses, porque exigem trabalhos muito dispendiosos e com efetivos praticamente impossíveis de obter. Deste modo, os verdadeiros efeitos de uma exposição a baixos níveis de radiações são desconhecidos. O facto de não existirem trabalhos não significa que sejam inócuos. “Don´t worry! OK, worry a little..."
Por que será que a Comissão de Proteção de Radiações recomendou que, temporariamente, o Japão pode aumentar o nível de exposição anual de 0,001 sieverts para 0,2 sieverts? Qual a razão para que a Tokyo Electric Power Company tenha aumentado o nível de exposição dos seus trabalhadores para 0,15 sieverts/ano? Pois é, parece-me que andamos a navegar mais na área da “transciência” do que qualquer outra coisa, “explicar cientificamente o que a ciência não pode explicar ou provar”. É certo que vivemos num mundo de incertezas, e devemos abraçá-las sem receio, o que me incomoda são as certezas que nos farpam a toda a hora e instante. Certezas dos efeitos das pequenas doses? Alvin Weinberg, físico nuclear e autor da famosa expressão, enunciada em 1945, “A força atómica tanto pode curar quanto matar”, afirmou que a única substância que tem a certeza de ser eficaz em concentrações ínfimas é a humildade! Aqui está uma substância que devia fazer eco em todos os céus.
Lembrei-me de Oe, quando assisti à tragédia do tsunami que se abateu há semanas sobre o Japão. Na altura noticiaram que uma central nuclear tinha sido afetada. A forma como foi dita, suave, discreta, não augurava nada de bom. É sempre assim, o anunciar das grandes tragédias começam, habitualmente, por parcas e discretas palavras. Com o passar dos dias ficámos a saber o que se temia, uma desgraça anunciada de consequências imprevisíveis.
Os que vivem no ocidente concluem que, estando longe, estão a salvo de quaisquer efeitos, conclusão essa reforçada pelos peritos, cientistas e políticos que afiançam não haver qualquer perigo. Entretanto, as radiações que já foram detetadas no ocidente, provenientes do Japão, “são coisas sem importância e sem risco para a saúde pública”. Não há nada melhor do que a “sabedoria” de tais individualidades para tranquilizar e impedir qualquer tipo de angústia!
Esbarrei novamente com Oe numa pequena nota do New Yorker. Um pequeno texto que define a natureza humana. O único povo do mundo que sofreu as consequências dramáticas do uso da bomba atómica, acaba por beber do fel da fonte da energia nuclear. O escritor descreve as tomadas de posição do Japão no pós guerra, que renunciou ao uso da força e constitucionalizou os Três Princípios Não Nucleares, com base na trágica experiência vivida. Com o tempo, a memória do homem modifica-se e os princípios têm tendência para se apagarem. O Japão, entretanto, militarizou-se, as armas nucleares foram introduzidas, secretamente, apesar de tentarem manter um aparente pacifismo. Kenzaburo Oe dá a entender que uma nação que vive permanentemente sob a ameaça de cataclismos naturais não tem o direito de construir centrais nucleares, as quais constituem fontes de tragédias humanas. É preciso fazer a ponte para Hiroshima e Nagasáqui e respeitar as vítimas. Um eco do passado que é preciso ouvir. Oe vai mais longe, ao citar um livro escrito há mil anos por uma mulher, Sei Shonagon, “O Livro de Cabeceira”, transcrevendo a seguinte frase: “Tudo aquilo que parece estar longe, não está, está muito perto”. E é esta frase que me leva a equacionar se aquilo que se apresenta em doses muito baixas poderá ser considerado como seguro. É difícil provar os efeitos de pequenas doses, porque exigem trabalhos muito dispendiosos e com efetivos praticamente impossíveis de obter. Deste modo, os verdadeiros efeitos de uma exposição a baixos níveis de radiações são desconhecidos. O facto de não existirem trabalhos não significa que sejam inócuos. “Don´t worry! OK, worry a little..."
Por que será que a Comissão de Proteção de Radiações recomendou que, temporariamente, o Japão pode aumentar o nível de exposição anual de 0,001 sieverts para 0,2 sieverts? Qual a razão para que a Tokyo Electric Power Company tenha aumentado o nível de exposição dos seus trabalhadores para 0,15 sieverts/ano? Pois é, parece-me que andamos a navegar mais na área da “transciência” do que qualquer outra coisa, “explicar cientificamente o que a ciência não pode explicar ou provar”. É certo que vivemos num mundo de incertezas, e devemos abraçá-las sem receio, o que me incomoda são as certezas que nos farpam a toda a hora e instante. Certezas dos efeitos das pequenas doses? Alvin Weinberg, físico nuclear e autor da famosa expressão, enunciada em 1945, “A força atómica tanto pode curar quanto matar”, afirmou que a única substância que tem a certeza de ser eficaz em concentrações ínfimas é a humildade! Aqui está uma substância que devia fazer eco em todos os céus.
1 comentário:
Vale a pena ler a mensagem do Primeiro Ministro japonês "Obrigado pelo Kizuna - os laços da amizade", publicada hoje na pág. 41 do Público."(...)Pelo nosso esforço e com o apoio da comunidade global, o Japão irá recuperar e regressar ainda mais forte. Nessa altura, retribuiremos a sua generosa ajuda (...)".
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