Nós, os portugueses, temos um jeito muito especial de encarar as desgraças, depois do choque inicial lá vem quase sempre o “podia ser pior”, ou então “ainda tiveste sorte, olha se…” , é uma forma humilde de suportar a adversidade e, ao mesmo tempo, de impedir que a comiseração exceda o adequado. Mas esta tendência para testarmos a nossa própria resistência, imaginando ainda pior do que o que aconteceu para relativizar o drama real, está a ser alvo de um abuso intolerável, que explora até ao absurdo os medos possíveis e impossíveis, no que parece ser uma tentativa para nos enlouquecer ou, em alternativa, para nos anestesiar com dose letal. É assim que, perante uma catástrofe sucedida em qualquer ponto do globo, logo se desenvolvem estudos e teorias sobre “e se fosse cá?”. Foi assim com o terramoto e tsunami no Haiti, foi assim com a hipotética praga da gripe A – em que todos os hospitais ficavam paralisados e os empregos desertos e se estimavam milhares de mortos, lembram-se? – voltou a ser assim com o terramoto no Japão, em que invariavelmente se concluía que as casas em Portugal estão todos fora da regra de segurança e, claro, não podia faltar a ameaça do nuclear. Hoje, num pacífico e soalheiro domingo em que muitos portugueses aproveitaram para espairecer das agruras da vida, o Público não achou melhor do que propor logo na capa, e com grande desenvolvimento nas primeiras páginas, que imaginássemos o drama de Fukushima em Portugal. Nada mais nada menos, toca de descrever com requintes de terror o que seria, quanto morriam, quantos estropiados, enfim, um delírio hipotético porque, claro, nem sequer temos centrais nucleares, um pequeno detalhe para a nossa prodigiosa imaginação tenebrosa. E vulcões, se explodisse aqui um vulcão como o da Islândia, já pensaram?, ou desabasse uma monção como na Índia, estaremos preparados para monções no Alentejo? E um icebergue a bloquear o Porto de Sines? Ou a areia a irromper nos campos de golfe depois de inundações bíblicas, como na Austrália?
É a táctica dos pesadelos, quando acordamos sentimo-nos tão felizes porque afinal não aconteceu nada. Deve ser esta a estratégia, está visto, é para nosso bem, se ainda conseguirmos chegar à página das notícias nacionais tudo nos parecerá uma maravilha, uf!, que direito temos de nos queixar quando há tantos cataclismos hipotéticos a que, para já, fomos poupados? Obrigada jornais, aguardo ansiosamente os próximos estudos sobre os índices de felicidade dos portugueses.
9 comentários:
Cara Suzana!, que bom ter trazido ao 4R este post!! Deixa-me verdadeiramente feliz. Quando abri a página do Público e vi essa parangona achei algo tão disparatado, tão pateta, tão incoerente e sem nexo, mesmo, que nem abri para ler a notícia.
Fico satisfeito por não ter sido o único a reparar no absurdo de tentar prever os efeitos duma explosão nuclear num país onde não há centrais nucleares e, a mais próxima, se tiver problemas, está localizada numa zona com caracteristicas tão diferentes das duma grande àrea urbana que não há paralelo possivel!
Um grande bem haja!!!
Ouvi há pouco uma entrevista de Rentes de Carvalho, na RTP 2, que citou um ditado holandês (após ter ouvido Humberto Eco a dizer que a estupidez é o que mais atrai): "Até Deus lutou em vão contra a estupidez".
Francisco de Mello Franco escreveu em finais do século XVIII uma pequena obra, com José Bonifácio da Silva", "O reino da estupidez". Uma crítica à Universidade e cidade de Coimbra de então. Se fizéssemos umas pequeninas alterações poderíamos adaptá-la ao próprio país, "A República da Estupidez". O exemplo que aponta, a par de outros, revela que mudámos muito pouco e, desconfio, que iremos continuar na mesma senda...
Por isso, Susana, se Deus lutou em vão contra a estupidez, está à espera de quê? E Deus não lia o Público, porque se o lesse decerto que nem tentaria lutar...
Caro zuricher, é preocupante quando preciamos de falar uns com os outros para nos convencermos de que não estamos loucos! Obrigada pelo seu eco, também me deu alento...
Caro Massano, vamos tentando,que quer, sempre dá alguma ilusão.
Caro Massano, li um avez um livro que se chamava "Ensaio sobre a Estupidez", ou qualquer coisa parecida, em que explicava que um acto estúpido é aquele do qual resultaprejuízo para todos, incluindo para o que o pratica. É pura perda, razão pela qual é difícil de prever e, claro, de prevenir, uma vez que ninguém imagina que outro possa querer agir erradamente sem tirar daí proveito algum. Deve ser por isso que é inútil lutar contra ela,põe em causa o instinto de sobrevivência.
Bem visto, Suzana. A táctica do pesadelo...
Pensando bem, explica muita coisa.
Por acaso não acho que seja estupidez. Os da RTP fazem peças de 15 minutos sobre a praia cada vez que aparece o Sol e vão perguntar às pessoas na areia "Então, porque veio hoje à praia?". Isto é o português a ganhar dinheiro sem fazer trabalho. Estúpido sou eu que estou em frente à televisão para o qual pago impostos a saber porque é que este domingo ir à praia é diferente do domingo anterior em que estava sol.
Mas vou-me curando. Por exemplo, já ninguém me pode chamar estúpido por ler jornais...
Suzana
Muito bem visto. É uma doença nacional. Passamos a vida a falar das desgraças dos outros como se fossem nossas. Mas das nossas desgraças que não são coisa de pouca monta é que não vale a pena falar. Vivemos com elas e já nem damos conta do quanto nos consomem. Parece uma fatalidade e, portanto, como há desgraças piores, querem convencer-nos disso, ficamos muito contentes porque ainda assim somos uns felizardos.
É uma mania da perseguição da desgraça que não faz sentido ou talvez tenha algo de pavloviano dado que nós próprios também pouco fazemos para evitar as nossas próprias desgraças.
Como se tudo isto levasse algum lado. Patético e deprimente.
Faz sempre bem protestar contra estas coisas, pelo menos para descomprimir, e chama a atenção dos outros para os excessos de alguns que podem contagiar muitos mais.
O "Jogo do Pior", "rationalization", "ninguém lê notícias sobre os combóios que chegam a horas", e por aí fora, tudo boas desculpas para desviar a atenção do papalvo daquilo que é essencial.
Não é só português, acho que é mediterrânico. Dos países que conheço na zona, todos têm uma expressão como a francesa "On ne peut pas se plaindre", quando tudo vai bem... ou ia..
Caro Tonibler, então já não lê jornais? E priva-se assim da interpretação autêntica dos factos que parecem uma coisa mas afinal são outra? Corre o risco de ficar marginalizado :)
Margarida, está visto que é um karma, como diz o Cagedalbatross é uma característica dos países mediterranicos e, dentro desses, somos bem capazes de ser os que levam a palma na tradição, quanto mais doentio for o clima que se crie mais se inventam desgraças em cima dele.
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