1. A DG Orçamento divulgou na última 4ª Feira os dados da execução orçamental até Junho, dos quais se conclui que o défice das Administrações Públicas ascendeu a € 4.192 milhões, um valor superior em € 149,3 milhões ao verificado em igual período de 2013...quando se devia esperar um valor bem inferior.
2. Para este agravamento do défice contribuiu, com grande destaque, o comportamento das despesas com pessoal: enquanto até Maio registavam uma variação acumulada negativa de -4,3%, em Junho a variação acumulada não só muda de sinal como dá um enorme salto: +8,3%!
3. Trata-se mais propriamente de um fenómeno de explosão desta despesa do que de fenómeno de crescimento; fenómeno que, por certo, terá sido recebido com grande júbilo pelas hostes Crescimentistas pois se trata de um sinal inequívoco de que o Estado está de regresso à sua mais nobre função: Provedor da Actividade Económica...
4. ...injectando mais dinheiro na economia, via salários das múltiplas funções públicas, vai ajudar as vendas de automóveis e de combustíveis, as viagens de férias, as compras de múltiplas gamas de electrodomésticos, a realização de festivais de música, etc, etc.
5. Se existe contrapartida produtiva para a injecção deste rendimento nos circuitos de consumo, isso pouco importa: o que realmente conta é animar a actividade, pois com isso se promove o emprego e o crescimento (?)...se ao mesmo tempo as importações dispararem e voltarmos a aumentar o endividamento externo...paciência, não se pode ter tudo...
6. De pouco valeu a continuação de um forte ritmo de crescimento da receita fiscal (+4,3%), com relevo para as receitas de IRS (+8,4%), do IVA (+3,8%) e, naturalmente, do Imposto sobre Veículos (+40,5%) – o aumento da despesa tudo levou à sua frente, provocando um forte agravamento do défice de Maio para Junho.
7. Há um aspecto que nos deve consolar: o facto desta explosão da despesa com pessoal estar revestida de um verniz constitucional impecável, sendo pois de uma legalidade a toda a prova – nós, contribuintes, vamos mais uma vez sofrer as consequências, certamente, mas a recordação desse toque precioso de constitucionalidade aliviará a nossa dor no momento das más notícias...
8. Apesar destas excelentes novas da explosão da despesa, cumpre reconhecer que há ainda um longo caminho a percorrer para reparar os danos causados por estes impenitentes neo-liberais no tecido do Estado Social e na Coesão Social e Territorial...
9. ...mas, para isso, deveremos colocar muitas esperanças nos misteriosos roteiros de crescimento que, por estes dias, nos estão sendo prometidos por talentosos políticos inspirados nos cenários de felicidade do nobre Dr. Pangloss...
8 comentários:
A divida das empresas municipais continua em forte crescimento e a das câmaras, se em termos globais caiu, continua sem baixar para níveis aceitáveis. É assim tão difícil ao governo meter os autarcas na ordem?
(Sim, de facto é, todos os governos se borram de medo com os presidentes de câmara. Basta ver as diferentes entre as propostas de lei e o resultado final após "negociação com o sindicato dos autarcas. Perdão com a anmp)
Talentosos políticos como o Presidente da República, criador do princípio da protecção da confiança e o princípio da igualdade na primeira derivada. Mas, afinal, o estado não faliu por acaso... Teremos que esperar pelo 2º resgate e pelo senhor da troika que vai dizer que com Cavaco não há cheque!
Caro Tavares Moreira,
Sei que estava a ser irónico quando escreveu que "há um aspecto que nos deve consolar: o facto desta explosão da despesa com pessoal estar revestida de um verniz constitucional impecável, sendo pois de uma legalidade a toda a prova", mas penso que o que diz também está errado - aumentar a despesa pública sem ter cabimento orçamental, é coisa que deve ofender, e muito, a nossa Constituição.
O que faz falta é que apareça alguém, com competência para tal, que apresente a questão ao Tribunal Constitucional. Ou estarei errado?
Essas despesas com pessoal não estavam previstas no orçamento de estado de 2014, fruto da decisão do TC sobre o pagamento de subsídios??
Existe sempre uma solução:pagar zero aos funcionários públicos, ou extinguir a administração do estado. Ou seja, a existência de funcionários do estado é o pecado capital! É estranho que o gasto com salários da AP esteja em valores da média da UE. Aliás o nº de funcionários, que decresceu significativamente nos últimos anos, está abaixo do valor médio, muito mais baixo do que preconizava a troica. E se procurássemos os maus da fita no conluio entre a banca e os políticos que produziram essa coisa extraordinária chamada PPP, com taxas de lucro escabrosas, e em todos os conluios do estado com a construção civil, banca e escritórios de advogados?
Produto da falta de aumentos ao longo de muitos anos (apenas houve um aumento de 2% em 2009, produto do eleitoralismo do Sócrates)os salários da AD estão muito degradados. Esta senha contra os FP que aqui tenho visto é deveras estranha. Se é verdade que há duas décadas a história de cafezinho e das mordomias eram realidades hoje tudo isso é História, que ainda pode suceder em nichos sem significado, como aliás na privada.
Sim, acabar com eles vai ser a única solução possível. Claro que, pela lógica, a criadagem deve receber aquilo que os patrões podem pagar e dificilmente vai sobrar um patrão que paga aquilo que não pode. E quando acabar o patrão, vai acabar a criadagem. Mas como temos um PR que, depois de acompanhar a falência do estado resolveu promover a sua inviabilidade futura, a solução parece estar decidida.
Caro Kruzes Kanhoto,
Com o devido respeito, não me parece muito correcto colocar em questão o endividamento das empresas municipais: estas entidades têm, com efeito, desempenhado um importante papel na promoção do bem-estar das populações nelas empregadas.
Assim se o seu endividamento aumenta, também cresce o bem-estar de tais populações.
Por outro lado, cumpre não esquecer que essas mesmas entidades desempenham uma função central (i) na promoção da Coesão Social e Territorial e (ii) na defesa do Estado Social, eixos fundamentais (não únicos, com certeza) da nova política inspirada nas ideias do Dr. Pangloss.
Caro João Pires da Cruz,
Essa abordagem unipessoal na dialética em torno destes temas tem pelo menos duas vantagens: (i) simplifica os silogismos e (ii) deixa a rir os demais responsáveis pela complicação em que estamos metidos...
Caro Tiro ao Alvo,
O julgamento constitucional sobrepõe-se, obviamente, ao plano das normas orçamentais.
Se o TC delibera (emite jurisprudência) que considera os cortes orçamentais ilegais, isso é equivalente a uma alteração legal do OE aprovado.
E só há três remédios possíveis: aumenta o défice na mesma medida; reduzem-se outras despesas que compensem aquelas cuja redução fica sem efeito; aumenta-se a receita para cobrir o agravamento da despesa - ou uma combinação destas três.
A única circunstância que poderia opor-se eficazmente à deliberação do TC seria não haver recursos...não há dinheiro, não se paga.
Por este caminho, lá chegaremos...
Claro Tavares Moreira, em favor da minha abordagem unipessoal está o carapau. A verdade irrefutável é que a favorecer a falência e a impedir a recuperação só há uma carapau comum. Até poderia assumir que há 10 milhões de culpados como habitualmente assumo, mas como os 10 milhões até escolheram uma solução viável que lhes foi negada por quem a devia proteger....
Caro João Pires da Cruz,
A linguagem por parábolas tem virtualidades inesgotáveis, cumpre reconhecer.
Por exemplo, essa parábola do carapau encerra um enorme simbolismo e deixa-nos ansiosos quanto ao próximo capítulo...
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