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terça-feira, 26 de agosto de 2014

Politicamente insurreto

E eis como, de repente, o modelo de transparência que quiseram para a seleção e recrutamento dos altos cargos da Administração Pública, começa a revelar a sua essencial opacidade. É sempre assim quando o escrutinador não se deixa escrutinar. Mais uma manifestação dos resultados desastrosos da demagogia do politicamente correto. Eu, que nestas coisas sou politicamente muito insurreto - mas vivido o suficiente para saber o que a casa pode e deve gastar -, prefiro a nomeação política sindicável ao pretenso cientismo na seleção daqueles que têm de executar políticas.

12 comentários:

Henrique Pereira dos Santos disse...

Não estou de acordo consigo. Ou melhor, estou de acordo no sentido em que todos os processos devem ser escrutináveis (nomear dirigentes da administração pública não é o mesmo que nomear dirigentes numa empresa, porque num caso o dinheiro é dos contribuintes, no outro é de quem nomeia). O problema central no modelo que foi aplicado (e volto a estar de acordo consigo nos maus resultados das cedências ao politicamente correcto) é que lhe é permitida a opacidade.
Se é precisa uma CRESAP? Acho que não. Se deve haver concurso para constituir uma pequena lista (de pelo menos cinco pessoas), de escolha livre, mas fundamentada, pelo responsável político? Acho que sim.
Ainda não desisti de ver esse modelo a funcionar.

Henrique Pereira dos Santos disse...

Já agora, chamar a transparência a propósito de um modelo cujos normas referem explicitamente que todo o processo é sigiloso, é ter alguma elasticidade semântica, diria eu.

JM Ferreira de Almeida disse...

Não vejo onde divergimos, meu caro HPS. Mas isso não é relevante.

Henrique Pereira dos Santos disse...

Penso que na solução final. Eu defendo um modelo de prévia qualificação, seguido de nomeação, pelo que percebo, defende o modelo anterior, de nomeação pura e simples.
O problema da CRESAP, para além do desenho concreto do modelo que é ingerível, não é o princípio do concurso, mas a forma absolutamente paranoica como, na prática, se foram criando e aplicando regras de sigilo e opacidade que reduzem a zero o escrutínio externo sobre a actividade da CRESAP.
O ponto culminante é o concurso para a CCDR Centro, em que a CRESAP inclui da short list uma pessoa condenada por crimes de gestão, proibida judicialmente de exercer cargos de gestão privada, em IPSS, fundações e tal. Um erro pode acontecer, existe um princípio de boa-fé que pode dar origem a coisas destas, o grave é quando a CRESAP, detectada a situação, se recusa a fazer o que devia (indicar um terceiro nome para substituir este e pôr um processo judicial a quem omitiu esta informação no concurso) e responde que o governo tem mais dois nomes por onde escolher.
Só percebi bem o que pretendia a CRESAP quando vi a short list do concurso para o ICNF: a técnica consiste em escolher uma pessoa e indicar dois nomes impossíveis de nomear, dada a sua manifesta incompetência, o que faz do presidente da CRESAP o verdadeiro king maker da administração pública, retirando aos ministros qualquer margem de decisão.

João Pires da Cruz disse...

Outra boa solução é tirar o dinheiro ao estado. Tanto problema se resolvia....

Henrique Pereira dos Santos disse...

Como se costuma dizer, quem acha que os problemas se resolvem sem o Estado, deve fazer um estágio de dois meses na Somália.

João Pires da Cruz disse...

A Somália não tem estado? A Somália SÓ tem estado....

Bmonteiro disse...

A reinvenção da roda:
«A cultura de objectivos
foi especialmente predominante no Reino Unido durante algum tempo…
Infelizmente, o que foi introduzido não foi a capacidade de um administrador de empresas genuinamente dotado…
mas uma cópia muito mais rígida de regras supostamente gerais para gerir uma empresa. O talento é difícil de ensinar e os métodos utilizados tendem a reforçar o distanciamento dos indivíduos da função verdadeira para a qual foram empregados.
A administração é simplesmente transformada numa habilidade ensinada, a qual com pequenas modificações obtém sucesso em qualquer meio.
Tudo é suposto progredir e no entanto as instituições mostram-se incapazes das mais simples tarefas. Assim, na Grã-Bretanha temos o Serviço Nacional de Saúde no qual o número de administradores aumentou à medida que o número de camas diminuiu. Aparentemente incapaz de tarefas básicas como manter as enfermarias limpas…preocupando-se apenas com os números que passam pelo sistema»
“O fim do Império Romano» - « O lento declínio da superpotência»
Adrian Goldsworthy

JM Ferreira de Almeida disse...

Sim, aí divergimos meu caro HPS. Prefiro o sistema de nomeação para os altos cargos da Administração e admito que para alguns deles se a submeta o indigitado a escrutínio parlamentar através de hearings dirigidos a conhecer todos os factos da vida pessoal e da carreira que interessem a um juízo de idoneidade. E prefiro este sistema por duas razões: primeira, porque a nomeação, feita no quadro de regras previamente definidas, radica na legitimidade democrática do titular do órgão de soberania; segunda, a um determinado nível de Administração, a par da competência é essencial que quem exerce essas funções mereça a confiança de que define as políticas que esses dirigentes ajudam a definir e são chamados a executar.
Sei bem que são ideias que não merecem muita simpatia, são politicamente incorretas. Em tempos que já lá vão, como o HPS bem sabe, pratiquei-as. E não me arrependi, em especial porque tive provas de que foram escolhidas as pessoas certas.

Henrique Pereira dos Santos disse...

Eu percebo o seu ponto de vista, mas como todos sabemos, a tentação de decidir por outros critérios que não o do bem comum é grande e a carne é fraca.
Não há sistemas perfeitos, em qualquer caso.
Por isso o que defendo é um sistema misto: concurso (em rigor, manifestação de interesse), seguido de avaliação técnica (longe da paranoia das regras excessivamente definidas, o essencial é a necessidade da fundamentação e a possibilidade de escrutínio) para escolha de não menos que cinco possibilidades, seguido de decisão discricionária do responsável político (daí a necessidade de não menos de cinco, o que a CRESAP tem vindo a fazer é escolher um, mandá-lo numa lista de três em que os outros dois são os piores possível, porque o presidente da CRESAP está convencido que é a única pessoa séria no mundo e deveria ser ele a escolher os dirigentes da administração).
Este sistema misto tem algumas vantagens: 1) A publicidade obriga a um maior escrutínio das opções; 2) A necessidade de se apresentar a concurso responsabiliza os candidatos pelas suas escolhas; 3) A escolha discricionária final responsabiliza quem nomeia; 4) O facto da escolha ser discricionária, mas ter de ser fundamentada, tende a pressionar quem nomeia no sentido de haver um mínimo de decoro nas nomeações.
Tem a desvantagem de ser um sistema que aponta para escolhas mais medianas: se elimina os muito maus, também prejudica as escolhas mais criativas e disruptivas, mas na administração pública tendo a preferir sistemas que dão como resultado um resultado médio melhor às escolhas que podendo ser melhores, contém mais risco de captura do Estado.
henrique pereira dos santos

JM Ferreira de Almeida disse...

O risco da corruptela na escolha existe sempre, meu caro HPS, não tenha dúvidas. E não raras vezes o concurso dá muito jeito pois serve de biombo para que não se note a fraqueza da carne...

Henrique Pereira dos Santos disse...

Não podia estar mais de acordo consigo.
Por isso a minha questão não é evitar esse problema, é geri-lo: o concurso serve para responsabilizar quem concorre, mas é a transparência e o escrutínio que permite responsabilizar quem decide.
O concurso só serve mesmo para dar transparência ao processo. O que se faz com essa transparência já dependerá do vigor da sociedade civil.
Suspeito que de uma maneira ou de outra estaremos de acordo no essencial.
henrique