Abalei já um pouco tarde, mas mesmo assim a tempo de chegar a horas de almoçar a Pinhel. Nunca lá tinha ido. Não suporto a ideia de não conhecer todos os recantos possíveis deste país, pela simples razão de que encontro sempre a beleza, a arte, a história, os costumes e a simpatia dos residentes. Viajar neste país é o acontecimento mais deslumbrante que posso desejar. Esbarro em paisagens únicas, vivas, constantemente a mudar de aspeto, de brilho, de cor, de sentimentos e de silêncios doces entremeados com romarias esplendorosas. Ao final do dia tenho de rememorar os acontecimentos vividos e despertados. São tantos que nem sei escolher. Emerge nas pontas dos meus dedos o brilho dos rebordos de paisagens a perderem-se em misteriosos horizontes, as formas do granito das montanhas, a suavidade colorida dos xistos, os vales perdidos e mudos de águas frescas e sedosas, a arte distribuída ao acaso em vilas e cidades, muitas delas esquecidas, e a frescura de objetos, esculturas, lembranças e manifestações artísticas de uma riqueza e beleza imparáveis a que se associam acontecimentos históricos capazes de encher as páginas vazias de um coração ansioso.
Vi Pinhel e apaixonei-me pela sua arquitetura e história. Saltei até Castelo Rodrigo e quase que me apeteceu ali ficar entre as muralhas, correr pelas ruelas e vielas e descobrir o mundo oculto que emprenhou todo aquele granito ao longo dos tempos e que anseia por nascer ao menor anseio de um forasteiro.
Recordo ter chegado a Pinhel à hora do almoço. Tentei encontrar um restaurante. Encontrei um, mas pelos andar da carruagem vi que não iria sair tão cedo. Calcorreei algumas ruas, mas dia santo é isso mesmo, santo para a alma e, também, infelizmente, para o corpo. E agora? Como vou descalçar a bota e encher a pança? Passei em frente da casa do Benfica em Pinhel e vi pessoas a almoçar. Com cautela, enfiei a cabeça e perguntei ao rapaz se ali forneciam almoços. - Sim senhor, e come-se bem. - Ai sim? Então podemos entrar? O rapaz sorriu e disse: - Claro! Provavelmente não deverá ter percebido a razão da minha pergunta. Sendo a casa do Benfica, o vermelho imperava por tudo o que se possa imaginar, além de águias, vi emblemas, camisas, apetrechos adequados e, até, a lembrar o velho estilo do Estado Novo, fotografias em pose do atual e do anterior presidente do Benfica, tive algum receio que me dissessem que só os sócios ou adeptos é que podiam almoçar naquele "santuário" gastronómico. Qual quê! Não perguntaram nada, arranjaram-nos de imediato uma mesa. As meninas, simpáticas e muito prestáveis, denotando a sua fé benfiquista, bem visível nas roupas, serviram-nos uma refeição muito agradável num curtíssimo espaço de tempo. Não me recordo de ter sido tão bem servido e atendido. Comentei: - Nunca na minha vida pensei almoçar numa casa do Benfica. Seria o bom e o bonito se os meus amigos soubessem disto. Às tantas até eram capazes de dizerem que eu sou um "apóstata"! Entretanto, numa mesa ao lado, ouvia algumas conversas, até que um, sentado na mesa do meu lado esquerdo comentou para o que estava na mesa em frente: - Então! Tu estás aqui? A surpresa era mais do que evidente, facto que me levou a concluir que não deveria, com toda a certeza, ser benfiquista. Não se desmanchou, e como já tinha terminado a refeição, ia a sair, disse ao conhecido: - O que é que tu queres? Aos feriados está tudo fechado! - Pois é. Mas aqui a casa do Benfica não fecha e alimenta todos os que têm fome. O sorriso irónico brotou-lhe dos lábios e dos olhos, enquanto o "não-benfiquista" saía apressadamente.
Agora, quando souberem esta história, estou tramado. Não importa, o que merece ser realçado é a simpatia e a forma acolhedora como fomos tratados. Há muito que não tinha uma demonstração gastronómica de tal gabarito. Confesso que já tinha preparada a resposta, caso fosse inquirido sobre a minha preferência clubística: - Não. Não sou do Benfica, mas a minha mulher é...
A beleza espraia-se por tudo o que é sítio neste país, sobretudo na paisagem humana.
Viajar em Portugal é saborear de forma inesquecível a vida.
4 comentários:
Caríssimo Professor,
Estou deveras espantado por este Post não ter sido ainda comentado pelo nosso confrade Pinho Cardão!
Será que ficou de tal modo convencido pela sua narrativa, que anda em busca das palavras mais canónicas para se poder expressar sem ter de dar a mão à palmatória?
Ou será outra a razão?
Espero vê-lo hoje, ao almoço, e vou tentar perceber o motivo de tão estranho silêncio!
:). Pois bem, amigo Tavares Moreira. Quando entrei no restaurante pensei logo no Pinho Cardão e disse à minha mulher: - Tenho de escrever qualquer coisa. Vai ser o bom e o bonito.
Pois só agora aqui cheguei, caro Professor.
Comecei por ficar indignado, mas minha tradicional magnanimidade levou-me a admitir que o ter franqueado as portas dessa casa vermelha se deveu apenas a um estado de absoluta necessidade e a uma fome extrema. O meu amigo foi uma verdadeira vítima da fome, tão intensa que até acaba por dizer que o vermelhusco repasto lhe soube bem. Com fome, até côdea rija sabe a bife do lombo.
De qualquer forma, a ilustração do meu amigo deixa uma mensagem de esperança, naquele azul e branco límpido do vestido de uma ilustre comensal, que acaba por ofuscar tudo o resto. Podemos ter esperança, que nem tudo é vermelho neste país!...
E desvanecido, caro Professor, por, na ocasião, se ter lembrado da minha pessoa.
E estava mesmo com fome!
Um abraço amigo.
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