Independentemente de uma análise cuidada e crítica da proposta apresentada ontem pelo grupo de economistas liderado por Mário Centeno e da sua confrontação com a proposta que ainda não é totalmente conhecida da maioria, há um aspecto que me parece de grande relevância realçar. Daqui para a frente vamos debater políticas públicas, isto é, vamos comparar e debater as políticas públicas que uns e outros defendem, fazer a sua avaliação qualitativa e quantitativa e o seu impacto em termos económicos e sociais tendo como pano de fundo o cumprimento das regras orçamentais da União Europeia. O debate à volta do disse que disse e do disse que não disse dos nossos líderes políticos em nada contribui para a qualidade das escolhas políticas e para o escrutínio público responsável. Tem sido assim, independentemente do mérito ou demérito das políticas que uns e outros defendem.
Depois da apresentação de ontem, ficou claro que PSD e PS defendem coisas muito diferentes. Mas não basta que sejam diferentes, mais importante é que sejam demonstradas e justificadas. O nível da discussão política poderá ser outro. Mais elevado, mais sério, mais compreensível, mais sujeito a um contraditório construtivo e justo. Mas se é verdade que defendem "choques" diferentes, não é menos verdade que há alguns pontos comuns, o que pode constituir uma ponte para se entenderem em algumas matérias. Esperemos que o debate político se altere daqui para a frente e que o País dele beneficie...
17 comentários:
Há um denominador comum indiscutível no Cenário Económico apresentado ontem pelo PS e que é a assunção de que é preciso abandonar as políticas de austeridade, inverter o caminho seguido pelo governo PSD/CDS, para alcançar uma melhoria das contas públicas e do desenvolvimento económico. E é precisamente esta a razão que leva os defensores da “austeridade sem fim”, aqueles que acreditam que é preciso “mais austeridade para sair da austeridade”, a mostrarem-se tão irritados e ferozes opositores. Vejam-se as reacções dos porta-vozes do PSD e CDS.
O PS pensa e bem que a saída da austeridade só é possível através de medidas que aumentem a Procura ao contrário do governo e da Troika que desprezam os efeitos da procura na economia.
Uma outra coisa é saber se tais medidas de expansão da Procura são compatíveis a curto prazo com as metas do défice orçamental. Mas essa é outra conversa.
O que é verdade e o tempo que levamos de crise assim o demonstra é que a política do governo e da Troika de expansão da Oferta e Contracção da Procura não nos leva nem à melhoria das contas pública nem ao desenvolvimento económico.
Cara Margarida, para que o nível da discussão política possa ser mais elevado, mais sério, mais compreensível, mais sujeito a um contraditório construtivo e justo, talvez fosse bom conhecerem-se alguns dados fundamentais:
Segundo os próprios estatutos, o Banco Central Europeu (BCE) está proibido de emprestar dinheiro (que cria do nada - out of thin air) diretamente aos Estados, Empresas e Famílias. Mas pode fazê-lo às instituições de crédito privadas (Bancos Privados) e afins:
ESTATUTOS DO SISTEMA EUROPEU DE BANCOS CENTRAIS
E DO BANCO CENTRAL EUROPEU
Artigo 21º - (Operações com entidades do sector público)
21.1 De acordo com o disposto no artigo 101º do presente Tratado, é proibida a concessão de créditos sob a forma de descobertos ou de qualquer outra forma, pelo BCE ou pelos bancos centrais nacionais, em benefício de Instituições ou organismos da Comunidade, governos centrais, autoridades regionais, locais, ou outras autoridades públicas, outros organismos do sector público ou a empresas públicas dos Estados-membros; é igualmente proibida a compra directa de títulos de dívida a essas entidades, pelo BCE ou pelos bancos centrais nacionais.
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O BCE financia a especulação dos bancos (Eugénio Rosa): Tal como aconteceu antes da crise de 2008, em que os bancos financiaram os especuladores, a uma taxa de juro baixa, para que pudessem depois obter elevados lucros, agora também o Banco Central Europeu (BCE) está a financiar a banca a uma taxa de juro também muito baixa (1%), não impondo quaisquer limites na utilização desse dinheiro, para que depois os bancos possam obter lucros extra à custa das taxas de juro elevadas que cobram não só aos Estados, mas também às famílias e às empresas. É um esquema que interessa tornar claro para todos, embora os comentadores oficiais com acesso privilegiado aos media nunca se refiram a ele, procurando assim ocultá-lo. Por isso vamos voltar a ele. E esse esquema "diabólico" é o seguinte.
Antes de ter entrado para a Zona Euro, Portugal possuía um Banco Central (Banco de Portugal) que podia emitir moeda (escudos), e que comprava divida ao Estado a uma taxa reduzida, assegurando assim o seu financiamento e também garantindo que nunca o Estado entrasse em falência porque o Banco de Portugal disponibilizava sempre os meios financeiros para que o Estado pagasse os seus compromissos. As únicas limitações eram em relação à divida externa, que teria ser paga em divisas o que obrigava o Estado a recorrer fundamentalmente ao endividamento interno para se financiar, e a necessidade de evitar que a inflação disparasse.
O BCE empresta aos Bancos Privados a 1% e estes emprestam aos Estados, Empresas e Famílias a 5%, 7%, 10%, 20%, etc.
Com a entrada para o euro, o Banco de Portugal e o Estado português perderam esse poder que passou para o Banco Central Europeu (BCE). Só ele é que pode emitir euros. Para além disso, foi introduzida uma norma nos Estatutos do BCE que proíbe que este banco compre directamente dívida aos Estados. No entanto, pode comprar dívida soberana, ou seja, dos Estados, no chamado "mercado secundário" onde têm acesso os bancos. Portanto, está-se perante a situação caricata que permite à banca especular com a divida emitida pelos Estados, que é a seguinte: o BCE não pode comprar directamente a dívida ao Estado português, mas já pode comprá-la aos bancos que a adquirem. E então o esquema especulativo montado pela UE e pelo BCE para enriquecer a banca à custa dos contribuintes, das famílias, e do Estado português é o seguinte: a banca empresta às famílias, às empresas e ao Estado português cobrando taxas de juro que variam entre 5% e 12%, ou mesmo mais, depois pega nessa divida, titularizando-a, e vende-a ao BCE obtendo empréstimos a uma taxa de juros de apenas 1%.
Cara Margarida:
Parece-me um colossal optimismo da minha amiga pensar que, a partir de agora, se vão discutir políticas publicas, porque terá aparecido uma alternativa. Não creio. Em primeiro lugar, e concedendo, sem concordar que o Prgrama Económico traz algo de novo que seja benéfico, porque a discussão vai ser feita pelos mesmos políticos de sempre, com a cartilha de sempre. Em segundo lugar, porque a linha do Programa anunciado é uma evolução na continuidade do Programa do governo, só que encurtando prazos e aumentando as expectativas de crescimento.
Caro Carlos Sério:
Essa de o Programa "abandonar as políticas de austeridade, inverter o caminho seguido pelo governo PSD/CDS, para alcançar uma melhoria das contas públicas e do desenvolvimento..." é um slogan, porventura bonito, mas sem conteúdo. Em termos de políticas de austeridade, elas mantêm-se, apenas há um encurtamento do calendário. O PS actua meramente sobre a derivada, não sobre a função, que se mantém.
Mas se o meu amigo pensa que, se o PS assim o diz, é porque é, sem olhar à realidade, pois que se pode fazer?
Caro Pinho Cardão
“Os economistas caucionados pelo PS não propõem apenas acelerar o fim da austeridade, propõem acabar com a política que a troika impôs a Portugal e que o governo de Passos Coelho acolheu, por nela acreditar. Como escrevia Helena Garrido ontem no Negócios, para os economistas é agora fácil perceber a diferença entre PSD e PS: o PSD tem uma política do lado da oferta (promover a concorrência de modo a aumentar a competividade das empresas), o PS tem uma política do lado da procura (aumentar o rendimento disponível). Mas as diferenças vão muito além disso.
Onde a troika quis um choque de competitividade, os economistas do PS querem um choque de rendimento.
Onde a política do governo favoreceu as empresas para fomentar a competitividade, a política dos economistas do PS favorece os trabalhadores por razões sociais e de rendimento.
Onde o governo baixou o IRC, os economistas do PS baixam o IRS.
Onde o governo aumentou o IVA para a restauração, o PS aumenta o imposto sucessório.
Onde Passos Coelho quis o equilíbrio das contas públicas pela redução da despesa do Estado, cortando salários públicos e pensões, os economistas do PS defendem a devolução mais acelerada das pensões e dos ordenados do Estado para aumentar o rendimento.
Onde o governo quis a desvalorização interna, o PS quer a revalorização salarial.
Onde a troika quis a redução dos salários na economia (com descida da remuneração das horas horas extra e dos feriados, e com os salários dos novos postos de trabalho mais baixos que os anteriores), o PS quer baixar a TSU para os trabalhadores (aumentando o seu rendimento disponível) e também para as empresas (baixando o custos totais de trabalho).
Onde a troika cortou apoios sociais para poupar e por discordar dos “custos de ociosidade” que a subsidiação provoca, os economistas do PS querem dar um complemento salarial pago pelo Estado aos trabalhadores com salários mais baixos.
Onde o governo quis agilizar o mercado de trabalho e baixar os custos de despedimento para que as empresas pudessem reestrutrar-se sem custos que o impossibilitassem, os economistas do PS querem aumentar o valor das indemnizações para dar mais proteção a quem perde o salário.
Onde o governo apostou tudo na competitividade, para atrair o investimento empresarial (estrangeiro, tendo em conta a descapitalização) e um modelo económico assente em empresas exportadoras nos sectores transacionáveis, os economistas do PS reforçam o rendimento das famílias para promover a procura interna e expandir a economia.
A diferença entre estas duas políticas é, diria Vítor Gaspar, colossal”.
Pedro Santos Guerreiro
Caro Carlos Sério:
Muito bem, concedo, sem concordar, que assim seja.
Mas, retirando a semântica e o jogo de palavras quanto à austeridade, meu caro amigo, não há empresas nesta economia global se não forem competitivas, não há emprego sem empresas e, muito menos, salários, nem pensões, nem TSU alta ou baixa.
O caminho dos economistas(?) do PS não é alternativa, nem atalho; é auto-estrada com via verde para o abismo.
Claro que pode encher o olho dos incautos. Mas, olhe, nem tudo o que brilha é ouro.
Dr. Pinho Cardão
Pois o que é importante é que a discussão não seja feita pelos "políticos de sempre". São eles que decidem, sim, mas as suas decisões devem ser condicionadas e influenciadas por discussões alargadas envolvendo outros sectores da sociedade. Aos "políticos de sempre" tem faltado sociedade civil. E aqui a responsabilidade é de todos.
Percebo bem a sua mensagem, Margarida.
E estou inteiramente de acordo com ela. Se vamos ou não ter gente à altura da discussão das soluções para os problemas, confrontando políticas diferenciadas nos pressupostos e nas prognoses é algo que, de facto, esta república não favorece. Mas por isso é que lutamos por que venha rapidamente a quarta...
Cara Margarida:
Não tem faltado sociedade civil. Ela tem respondido, mas as respostas são pura e simplesmente ignoradas pelos media. Os microfones apenas se abrem para os políticos e os comentaristas do regime.
Vai acontecer o mesmo com o documento em causa.
Caro Pinho Cardão
O meu caro afirma que “não há empresas nesta economia global se não forem competitivas”.
Não vejo qual a contradição entre empresas competitivas e melhores salários, melhores condições de trabalho, melhor educação ou melhor saúde dos trabalhadores.
Se olhar para a Europa verificará que é nos países onde existem melhores salários e melhores condições sociais (países nórdicos) que existem empresas mais competitivas.
Já reparou que os salários baixos provocam a ociosidade dos patrões em inovarem uma vez que conseguem com a competitividade ociosa dos baixos salários o mesmo rendimento que conseguiriam com a inovação em novas tecnologias. Para quê investir em novas tecnologias se consegue os mesmos ganhos baixando salários? A apetência do patrão para inovar concordará que será seguramente menor.
As políticas dos baixos salários e da austeridade são políticas que só reflectem um retrocesso económico e social.
Caro Carlos Sério:
O meu amigo é que, no seu comentário, referiu que "onde o governo apostou tudo na competitividade, para atrair o investimento empresarial (estrangeiro, tendo em conta a descapitalização) e um modelo económico assente em empresas exportadoras nos sectores transacionáveis, os economistas do PS reforçam o rendimento das famílias para promover a procura interna e expandir a economia".
Foi a isso que me referi, quando comentei. E acho que é política errada obter competitividade através dos baixos salários. Há outros factores produtivos em questão, mas aí o PS nem tuge, nem muge.
A demagogia assim o obriga.
Este ultra neo híper mega liberal do Carlos Sério, quer agora copiar as políticas fascistas e do grande capital dos países nórdicos, onde não existe salário mínimo nacional, e onde usam as políticas mais liberais do mundo em matéria de legislação laboral.
Numa social-democracia, o que é característico é o apoio dos trabalhadores industrializados: e esse apoio é tanto mais significativo quanto mais o país estiver industrializado. As sociais-democracias do norte da europa, por exemplo, nasceram com o apoio dos operários da indústria, mas também de agricultores, de pescadores e de pequenos comerciantes, tal como no nosso país. a nossa base social de apoio é tipicamente social-democrata. O nosso programa é um programa social democrático avançado, em relação, por exemplo, ao programa do s.p.d. alemão - e, portanto, isto afasta qualquer deturpação que se queira fazer no sentido de nos apresentar como partido liberal ou democrata-cristão, o que são puras especulações tendenciosas que não têm qualquer base.
É que a social-democracia, que defendemos, tem tradições antigas em portugal. Desde Oliveira Martins a António Sérgio. É a via das reformas pacíficas, eficazes, a caminho duma sociedade livre igualitária e justa. Social-democracia que assegura sempre o respeito pleno das liberdades.
Francisco Sá Carneiro
Caro Pinho Cardão
Ora aí está.
O governo apostou numa realidade económica bem diferente da nossa. Numa economia em que as micro e pequenas empresas ocupam mais do que 50% do emprego e o sector da economia de serviços representa 77% do VAB.
Cara Margarida Corrêa de Aguiar,
Nem uma palavra sobre o meu comentário. Será que a minha amiga não tem noção nenhuma de como funciona a Banca?
Agradeço naturalmente o seu comentário. Não creio ser totalmente ileterada em matéria de funcionamento do sistema bacário e do sistema financeiro, mas o especialista é o Caro Diogo.
Concordo consigo, Margarida, pelo menos mudou-se a base da discussão e seria bom, como bem repara o Ferreira de Almeida, que se seguisse este mote, para concordar ou discordar do que se pretende mas de maneira a que se perceba alguma coisa do que cada candidato ao voto quer e pode fazer pelo País.
Parabéns pelo Post Margarida Corrêa de Aguiar
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