6 de abril de 2015, tal como há 4 anos, vésperas de fecho de um ciclo. Neste dia, em 2011, os portugueses eram colocados perante o fim do estado de negação em que o País viveu durante meses. Portugal recorria à ajuda externa, confirmando o pedido de resgate financeiro que muitos de nós antecipáramos como inevitável perante a insustentabilidade das finanças públicas, mas também perante o rumo da economia.
Os últimos 4 anos viveu-os o País a recuperar do brutal impacto das condicionalidades impostas pelos credores, sem tempo nem disposição para, com serenidade, seriamente e sem demagogias, refletir nas causas da aproximação ao precipício. Continuam alguns a negar as nossas próprias responsabilidades, como se o pecado fosse a remissão e a remissão o pecado, julgando-nos vítimas inocentes de uma crise que não nos pertencia, atingidos por um tsunami gerado pelo terramoto na economia de casino com sede no outro lado do Atlântico. Alguns dos mais lúcidos, cedo, porém, deixaram de apontar o dedo a uma união monetária mal preparada, fundada no equívoco de que os Estados que aderiram à moeda única, sobretudo as economias estruturalmente mais débeis, adquiriram pela mera adesão imunidade contra todos os precalços, mas sobretudo contra a desigualdade. Formou-se, aos poucos, uma escola onde pontificavam ilustres académicos que respaldavam as teses de que a eurozona era uma espécie de escudo protetor contra as consequências do endividamento excessivo. Pelo fascínio desta doutrina se deixaram hipnotizar as nossas elites empresariais e políticas.
É verdade que nesta legislatura houve quem, com coragem, denunciasse as nossas culpas na perda da independência e nos sacrifícios impostos por uma economia pendurada no pelourinho da dívida. Quem assumisse como necessária a narrativa do ajustamento pelo sacrifício, como tinha de ser assumida pelo governo que herdou a aflição, com a consciência dos imensos custos sociais, mas também políticos que o discurso implicaria. Quatro anos volvidos e com a legislatura no fim, manda a justiça dos factos reconhecer este crédito ao governo.
Porém, neste período esqueceu-se, ou fez-se por esquecer, que na situação a que chegaram Portugal, Grécia, Irlanda, Chipre, mas também Itália e Espanha, não são inocentes os credores e os proclamados salvadores do norte da Europa, nem tem justificação muito do discurso de superioridade moral dos seus dirigentes. O tempo e a acalmia que um dia chegará, encarregar-se-ão de fazer ver que a resposta da UE em 2008 foi precisamente a de lançar dinheiro sobre as fragilidades, agravando os endividamentos para alimentar os negócios puramente financeiros e os "investimentos" improdutivos. Também então se lembrarão as responsabilidades dos países do centro e do norte da Europa, aos quais, durante largos anos, à pala do discurso da convergência, convieram as largas transferências dos seus excedentes para os países do sul, por via, essencialmente, do sistema bancário. Esses tais que, agora, não se cansam de nos acusar de maus gestores dos nossos próprios destinos, apesar de a zona euro revelar ao longo do tempo a persistente divergência real entre as economias por falta das reformas estruturais que permitiriam o crescimento. O tempo igualmente se encarregará de revelar se a desigualdade interna entre economias reais não era, afinal, uma situação conveniente...
Junte-se a tudo a mediocridade das lideranças, os alargamentos apressados da União, a impreparação política para lidar com a adversidade por parte de elites formadas na abundância, e, claro, a deslocação do eixo económico do planeta que o inclinou para o oriente, o oriente da nova industrialização à custa dos baixos custos de produção e da autonomia tecnológica que a globalização proporcionou, e talvez consigamos perceber por que na Europa empobrecemos.
4 anos depois chegámos aqui. Muitos de nós convencidos de que o pior do ajustamento passou. Fica-nos a dúvida se aprendemos a lição e se a aprenderam também aqueles de quem, quer queiramos quer não, continuaremos a depender no futuro. O discurso que se começa a ouvir pela Europa e o lero-lero doméstico, lança-nos a maior das inquietações. Mesmo descontando a circunstância eleitoral que já se vive...
10 comentários:
CAro JMFA,
A verdade é que se demonstrou que a esperteza saloia é a melhor formula. A verdade é que o PR que assinou a falência do estado se manteve em funções. A verdade é que depois de um programa de ajustamento apoiado por três partidos ser sufragado com quase 90% dos votos, esse PR bloqueou tudo o que pudesse ser feito com recurso à criação de princípios constitucionais que tribunal nenhum teria coragem de inventar. A verdade é que esses 90% não serviram para nada porque metade dos deputados que o defenderam resolveram nega-lo e não havia uma presidência da república para se assumir. A verdade é que no fim do dia a vontade do povo serviu para limpar o rabo em troca da vontade dos gabinetes. A verdade é que quem fez uma birra para deitar abaixo os esforços chega ao fim como vencedor. A verdade é que quem desenhou uma fraude contabilística de 48 mil milhões de euros continua aí a mostrar-se sorridente e até se fala em fazer um deles presidente de um banco. A verdade é que o país continua a suportar o estado com o seu trabalho apesar dos poderes do estado terem bloqueado a vontade popular durante 4 anos. A verdade é que toda a gente pensa que o país continuará a suportar o estado quando a próxima crise de dívida aparecer e ela vai aparecer. Mas a verdade é que tudo isto é mentira e o estado português vai desaparecer na próxima crise e esta será a única lição que valerá realmente a pena.
José Mário
Vamos ver se os custos económicos e sociais do ajustamento nos livrarão de uma nova crise da dívida. Vamos ter esperança que os mercados financeiros ajudem. Uma subida pequena que seja nas taxas de juro terá efeitos graves nas finanças públicas e, consequentemente, na capacidade de financiamento. Vamos ver...
1- Apesar de se ter verificado a inversão do ciclo económico em Portugal desde o 3º trimestre de 2014, com perspectivas de sustentação no médio prazo, graças, sobretudo, ao "rebocador" americano e ao BCE,infelizmente, o lastro do cepticismo continuará.
2- Dando de barato os efeitos perversos da baixas taxas de juro - fuga de capitais,financiamento em euros de entidades externas, redução de rendimento disponível dos aforradores -, em pleno período de grave contingência económica, assistimos entre incrédulos e revoltados à implacável asfixia burocrática e financeira imposta pelas administrações pública e local às empresas, destruindo-lhes capacidade operacional e recursos financeiros.
3- Por outro lado, os europeus do norte e centro não deixam os seus créditos por mãos alheias, produzindo incessantemente diretivas, regulamentos, acordos externos, etc, tornando num autêntico inferno a atividade empresarial em Portugal.
4- Da sobreposição destes fatores resulta uma clara dinâmica de concentração económica, com aumento de produtividade para os sobreviventes - aumento de intensidade de capital, aumento de salários -, mas com produção de exclusão social e desertificação - devido aos inevitáveis fluxos migratórios da periferia para o norte.
5- Perante a tenebrosa insensibilidade a que diariamente assistimos por parte dos governantes nacionais e europeus, face aos dramas de cidadãos e famílias despojados de trabalho,de haveres, de dignidade e de esperança, pergunto-me se, paradoxalmente, embora, o projeto europeu e nacional, não consiste, como no antigo regime, no governo das elites em seu próprio proveito.
6- E de que serve a prosperidade sem Liberdade?
Caro Ferreira de Almeida:
Excelente (aliás, mais uma…) reflexão do meu ilustre amigo, com a qual concordo em muito, mas sem que alguns aspectos deixem de me suscitar algumas dúvidas e sem que de um outro, em particular, discorde em absoluto. É aquele, e abreviando, em que o meu ilustre amigo refere que “a resposta da UE em 2008 foi precisamente a de lançar dinheiro sobre as fragilidades, agravando os endividamentos para alimentar os negócios puramente financeiros e os "investimentos" improdutivos”.
De facto, por essa época, houve a recomendação da adopção de medidas de índole keynesiana, através do aumento do investimento público. Todavia, a recomendação era genérica e naturalmente aplicava-se aos países que a pudessem adoptar, isto é, àqueles que tivessem margem para aumentar o défice e a dívida pública, ou os impostos, ou um mix de cada. Não era manifestamente o caso de Portugal, com défices históricos excessivos, dívida excessiva, carga fiscal excessiva. O remédio para alguns países era veneno para Portugal. A demagogia do governo de Sócrates ou a ignorância cretina de princípios básicos macroeconómicos ou uma mistura disso levaram Portugal para uma situação de desconfiança absoluta dos fornecedores de fundos para alimentar tal política, ao ponto de recusarem emprestar mais dinheiro.
Acresce que os “investimentos” públicos foram, de facto, improdutivos, um atabalhoamento completo, um desespero para ganhar eleições. A catástrofe não se deu pelo lado dos investimentos privados, mas pelo lado exclusivo da despesa pública. Os agentes privados, com maior ou menor dificuldade, sempre geraram fundos para o serviço da dívida, mas já o mesmo não aconteceu com o Estado.
A política errada do governo foi a causa, e com efeitos devastadores. Noutros países, terá sido a especulação financeira, mas não em Portugal. Veja-se que os países mais afectados pela crise do subprime já há muito recuperaram, o que significa que a origem dos nossos problemas foi diferente e esteve em políticas de investimento público e despesa pública manifestamente erradas.
Pouco aprendemos com isso, já que neste momento os herdeiros se apressam a receitar do mesmo veneno. Esquecem-se de que, se os défices fossem virtuosos, Portugal seria dos países mais ricos do mundo.
Concordo consigo. caro Pinho Cardão, mas parece-me que acusar o Governo de Sócrates, no seu todo, de "ignorância cretina de princípios básicos macroeconómicos" ´é um bocadinho excessivo, sobretudo porque não põe em evidência as enormes responsabilidades do ministro das Finanças de então, Teixeira dos Santos, que muito contribuiu para o desastre e que, apesar disso e ao que dizem, vai ser “compensado” com um lugar de elevada responsabilidade (leia-se bem remunerado) no sector financeiro português, sem se saber bem a que título.
Meu caro Pinho Cardão, diferentemente do que acontece com os deficites, as nossas divergências são sempre virtuosas. Desde logo porque os argumentos, quando sérios, aproximam-nos da razão. Ou porque confirmam o que pensamos, ou porque nos dão uma visão mais clara.
Não creio, porém, que quanto às modestíssimas opiniões que deixei registadas divirjamos tanto assim, pois que o que o meu Amigo anota prova de mais, ao confirmar que em 2008 a solução foi mesmo lançar dinheiro sobre as nossas fragilidades.
Ainda há dias, por causa de assunto profissional, tive necessidade de recuar a esse tempo e recordar as declarações de alguns responsáveis da UE. Através delas vê-se bem qual a fé a que se tinham convertido até os mais empedernidos conservadores. Mesmo o Keynes, olhando cá para baixo, chegou a deitar as mãos à cabeça, incrédulo com a interpretação apressada e deslocada do contexto que fizeram do seu pensamento. Lembre-se o meu Amigo que se aliviaram os critérios das subvenções a tudo o que era projeto, aprovou-se o que antes levantava dúvidas, alimentaram-se sem cautelas modalidades de contratação pública baseadas em negócios financeiros com margens pornográficas e deficiente alocação de riscos. São desse tempo, recordo, as desautorizações por Bruxelas de quem, cá dentro, chamava a atenção para as loucuras dos novos aeroportos, da 3.ª travessia do Tejo, das PPP a eito, do terceiro corredor rodoviário com perfil de autoestrada para ligar Lisboa ao Porto, o TGV. Tudo com o apoio de Bruxelas, num ambiente de abundância de liquidez que os bancos canalizavam com grande frenesim. Na cabecinha daqueles dirigentes e no discurso, a resposta à crise deveria fazer-se, sobretudo, à custa da injeção de dinheiro nas economias por via do "investimento" público. Era tudo "porreiro, pá!" e a crise sucumbiria pelo efeito multiplicador da avalanche de obras.
Tem o meu Amigo toda a razão ao dizer que essa fórmula não resultava em Estados com o elevado nível de endividamento que Portugal já tinha, a somar ao desequilíbrio das suas contas públicas. Mas não me lembro de a Comissão ou o próprio BEI terem feito esse julgamento quando foram chamados a decidir sobre o apoio financeiro à orgia dos projetos propostos por Portugal. Todos eles mereceram aplauso. E mais, todos se integravam numa certa política europeia, visavam concretizar uma qualquer rede (de comunicações eletrónicas, de transportes, ambiental, etc, etc...) ou contribuíam para a coesão da UE visando combater as periferias (que, recordo, se multiplicaram a leste com os alargamentos sucessivos). E, no entanto, a Comissão conhecia bem - ou tinha obrigação de conhecer bem - a situação real das finanças e da economia nacionais, as suas endógenas fragilidades.
Como escrevi, assentando a poeira apurar-se-ão com mais nitidez responsabilidades pelo que aconteceu.Não para punir, mas para perceber o que falhou, extraindo lições para o futuro. Sendo que - importa dizê-lo - sou daqueles que pensa que o problema não nasceu em 2008, revelou-se cruamente em 2008 ajudado pela conjuntura internacional. Pese embora quase todas as forças políticas acertarem no diagnóstico sobre os problemas estruturais do País, não se pode mais negar que o caminho que a UE vem trilhando e a adesão à zona Euro só contribuíram para adiar as reformas necessárias a, desde logo, libertar a economia da asfixia a que o Estado a sujeita. Estou certo que aí concordará, de pleno, comigo: o principal agente da nova era de condicionalismo industrial que vivemos (e se vem acentuando) tem a sua sede principal em Bruxelas. Para o provar, basta ler cada edição do Jornal Oficial da UE...
Caro Tiro ao Alvo:
Claro que atribuo culpas ao governo no seu todo. Mas não me custa nada individualizar o 1º Ministro e o Ministro das Finanças. Este teve uma actuação deplorável em todo o processo, ou por ter concordado com uma política nefasta e de efeitos claramente ruinosos, ou por não se ter demitido, se discordava. No entanto, imagine-se, pouco tempo após a saída do governo foi convidado para pronunciar a oração de sapiência na abertura do ano lectivo da Universidade do Porto. E pronunciou!...
Caro Ferreira de Almeida:
Uma brilhante tréplica, a do meu amigo. E começo logo por concordar em pleno com o que refere, logo no seu primeiro parágrafo, quando diz que " diferentemente do que acontece com os deficites, as nossas divergências são sempre virtuosas, desde logo porque os argumentos, quando sérios, aproximam-nos da razão. Ou porque confirmam o que pensamos, ou porque nos dão uma visão mais clara" e também com o que diz no último, a saber:"o principal agente da nova era de condicionalismo industrial que vivemos (e se vem acentuando) tem a sua sede principal em Bruxelas...".
Só lhe chamaria condicionamento industrial, em vez de condicionalismo. Pior do que o de Salazar, por ser quase exclusivamente obra de burocratas consumidores de power-pointas, bem instalados e fora do mundo real.
Quanto aos parágrafos do meio, se é verdade o que o meu amigo diz, e é, a minha posição na matéria é distinguir responsabilidades. A primeira e grande responsabilidade foi nossa. Sabíamos, ou devíamos saber que corríamos para o abismo. Bruxelas concordou e participou, mas isso não nos exime à responsabilidade primeira e determinante.
Como o meu amigo, também eu vou sabendo o que é a burocracia de Bruxelas. Uma burocracia que tantas vezes se sobrepõe a decisões políticas e à hierarquia dos Comissários. É um poder próprio dentro do poder de Bruxelas. Com lógicas próprias, nem sempre a favor dos países. E se os governos não vêem isso, pouco vêem.
De qualquer forma, e para terminar, quanto ao fundo da questão entedemo-nos muito bem.
Condicionamento, tem razão, Pinho Cardão.
O que me choca mais não é a lógica da burocracia da UE, ou a falta dela, mas a cobertura política que obtém na Comissão e no Parlamento.
No Parlamento, é perfeitamente natural.
Na Comissão, também acaba por ser, que muitos dos Comissários vêem na função uma consagração de carreira e o menos que desejam é fazer ondas que os possam perturbar no seu aconchego.
Enviar um comentário