A CNDP publicou hoje o Relatório da investigação que realizou à Autoridade Tributária (AT) na sequência das notícias sobre a existência de uma lista de contribuintes VIP. É um Relatório que relata situações muito graves que não protegem os direitos e garantais dos cidadãos que a lei estabelece quanto ao sigilo fiscal. Destas situações destacam-se a inexistência de regulação do tratamento dos dados fiscais e a ausência de um sistema de controlo e monitorização dos acessos aos cadastros fiscais dos contribuintes. É arrepiante. E o Relatório esclarece que não existe legislação que regule especificamente o tratamento de dados pessoas da AT.
Ficámos agora a saber que existem 9.298 utilizadores da AT que podem aceder à situação contributiva de qualquer cidadão, designadamente as suas declarações de rendimentos, e que há 2.302 utilizadores externos com níveis de permissão idênticos, nos quais se incluem tarefeiros, estagiários, equipas de desenvolvimento e manutenção de empresas de consultoria contratadas.
Estes são factos relatados para os quais não podem deixar de ser tomadas medidas enérgicas e urgentes com implicações estruturantes na organização e nas práticas funcionais da Autoridade Tributária. Não será num piscar de olhos que será feita a transformação necessária. O que é importante é uma orientação política determinada para a apresentação de um plano e a vigilância política de que o plano será implementado e praticado.
A situação que se vive na AT em matéria de violação do sigilo fiscal e em outros serviços da Administração Pública, como refere a CNDP no Relatório, merece uma reflexão mais aprofundada sobre as consequências do mau uso e aproveitamento da modernização tecnológica na construção de organizações e sistemas de informação mais eficientes e eficazes. Especialmente quando a tecnologia visa dar melhor cumprimento à lei mas, ao mesmo tempo, não a respeita, alimentando autoridades e poderes ilegítimos. A eficiência económica não pode tudo justificar. Estamos a construir "monstros" que conhecem as vidas privadas dos cidadãos e que podem ser utilizados para fins muito diversos que põe em causa direitos fundamentais, designadamente o direito à protecção de dados e o direito à reserva da vida privada e familiar.
Deveríamos estar preocupados com estas grandes questões. Mas não é o que parece. E se a lista VIP não tivesse provocado o terramoto mediático a que temos vindo a assistir...
5 comentários:
Este monstro, gerado (ao que parece) na sombra escura e tenebrosa de um frondoso, inexpugnável e não localizável bosque, instalou-se de forma abusiva mas incontrolávelmente permitida. É um bixaroco com o qual todos irão forçosamente ter de conviver e alimentar. E assim terá de ser, simplesmente porque o monstro serve um propósito que é tão ou mais "grande" que ele.
Uma "coisa" comparável ao enredo do romance de Mary Shelley em que o principal protagonista, Victor Kaspar... perdão, Victor Frankenstein, cria um monstro que lhe dá cabo da família...
Margarida, muito oportuno o seu post. Fala de direitos de personalidade, essa categoria que anda pelas ruas da indiferença onde moram os nossos responsáveis políticos, muitos dos quadros superiores da Administração e, infelizmente, muitos dos nossos concidadãos.
Pela sua consagração nas leis e garantia efetiva na prática dos poderes se fizeram revoluções. Hoje, estes episódios correm nas TV como se fossem cenas de um péssimo realty show...
Ontem, no Parlamento, entre bocejos, falou-se do assunto. Nem a oposição, nem o governo parecem estar conscientes do problema. E lamentavelmente o Sr. PM nada anunciou de relevante para proteger os cidadãos da devassa.
Esta rendição à agressão continuada sobre o que há de mais sagrado na individualidade (Fustel de Coulanges chamava a estes direitos o castelo do indivíduo...) não é de agora, como não é de agora o silêncio em vez da revolta. A Senhora Ministra da Justiça não declarou, com a maior das naturalidades e sem provocar qualquer comoção pública, que quando falava ao telefone o fazia como se falasse para um gravador? Não são sistematicamente relatadas ações de espionagem sobre a vida de cidadãos, ações que - suprema ironia - são pagas com o dinheiro desses mesmos cidadãos?
Tudo profeticamente anunciado por Orwell há muito...
Caro Bartolomeu
É arrepiante a descrição da CNPD. O "monstro" está incontrolável, quer dizer, alimenta-se do que muito bem lhe apetece, sem regras, apenas porque que sim. Não sei se queremos ou seremos capazes de acabar com tanta ilegalidade. Uma coisa é certa, as leis não estão a ser cumpridas e as autoridades democráticas e políticas declaram que não sabem, desconhecem, como se não fosse nada com elas. Para onde vamos?
José Mário
Pior do que a crise económica e social é a crise de valores e a crise institucional que há muito se foram instalando, devagarinho e silenciosamente, sem aparentemente nos apercebermos. Ao serviço de novas concepções de poder? Ditadas por quem?
De repente aparece um caso tipo "lista VIP" e levanta-se um pé de vento como se tudo à volta estivesse muito direitinho. Aos poucos e poucos estruturas e procedimentos ilegais surgem à superfície para espanto de quem tem a obrigação de zelar pela legalidade. Não sei como se resolvem estas crises, mas sei que sem confiança nas instituições não seremos capazes de ter uma sociedade livre e próspera. Não haverá serenidade se não existir confiança no que é elementar.
Sim, tem razão, o problema não está na lista VIP, mas na permissão descontrolada de todo "bicha-careta", que trabalha na AT ou para a AT, a informação que deveria ser reservadíssima, num autentico forrobodó. E também na atitude dos sindicalistas passa-culpas, que se apressaram a dar cobertura a funcionários/as públicos/as bisbilhoteiros/as, se não criminosos, em vez de apoiarem os seus superiores na criação de um sistema de controle eficaz para os desmascararem. E, claro, que também têm culpa os nossos políticos (sobretudo os do arco da governação), como agora se viu quando deram a maior importância à tal lista VIP e passaram ao lado dos verdadeiros problemas existentes no sector.
Caro Tiro ao Alvo
Um "forrobodó" muito perigoso, andamos a brincar com coisas muito sérias.
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