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domingo, 17 de janeiro de 2010

Síndrome de Van Gogh

Ao acordar frente a uma manhã alfombrada de branco, e envolta numa atmosfera cinzenta, ao ponto de querer apagar as cores quentes dos edifícios e veículos, senti uma sensação de beleza estonteante como se tivesse acabado de pintar um quadro impressionista ou ter fugido do mesmo para melhor o contemplar. Uma experiência quase stendaliana, a querer lembrar a síndrome que comporta o nome de genial escritor, brilhantemente descrita em certas pessoas que, ao visitarem Florença, ficam esmagadas com tanta e contínua beleza, ao ponto de o cérebro, confuso e inebriado, deixar de saber quem é e onde está. Um bom pretexto para passar o dia livre no museu Van Gogh. Obras inesquecíveis. Não vi aquela em que o consagrado pintor se auto retrata depois de ter cortado a parte inferior da orelha esquerda, enviada, na antevéspera do Natal, a uma prostituta que, entretanto, morre. Sempre ouvi dizer que, num ato de loucura, o artista se automutilou. Este comportamento deu origem a uma síndrome com o seu nome, síndrome de Van Gogh.
Há um equivalente a esta síndrome denominada de Munchausen, do famoso barão do mesmo nome que contava as aventuras mais mirabolantes e inexequíveis. Recordo ter diagnosticado um caso destes há muitos anos. Um homem de meia-idade tinha passado por vários hospitais e sido submetido a múltiplas intervenções cirúrgicas exploratórias que nunca revelaram nada de especial. O abdómen era um verdadeiro mapa de estradas, retalhado, revelando os percursos percorridos com o propósito de encontrar um destino. Face a tão inusitada história, com muita paciência e conversa, aliadas aos pedidos de vigilância aos enfermeiros, acabei por descobrir que, desta vez, as hemorragias retais, e a anemia subsequente, eram devidas à introdução no reto de pequenos objetos de vidro cortante. O doente estava ansioso para que o operassem mais uma vez a fim de lhe descobrirem a origem das hemorragias.
Afirmam os entendidos que a automutilação de Van Gogh traduz um quadro de perturbação mental. É bem possível. Mas também correm outras versões. O seu companheiro, Paul Gauguin, que não era flor que se cheirasse, numa altercação com o amigo, que deveria estar a empunhar uma lâmina de barbear, desferiu-lhe um corte cirúrgico com a sua espada. Ambos se calaram. Van Gogh de vergonha e Gauguin de culpa. No ato, Van Gogh sentiu uma dor na orelha esquerda e ao olhar para a mão ensanguentada terá dito: - Onde está a minha orelha? Apanhou-a do chão e ao dirigir-se a Gauguin, paralisado, disse: - Estás calado. Eu também vou ficar. Foi a última vez que estiveram juntos.
Na altura em que fiz o diagnóstico de síndroma de Munchausen, li vários textos sobre o assunto. De facto não me recordo de as orelhas serem alvo de automutilações. Às tantas as vítimas nem se devem lembrar delas.
A síndrome de Van Gogh, face a esta análise, deveria ser revista. O seu alcance deixaria de ser sinónimo de automutilação e deveria passar a ser sinal de uma “mutilação silenciosa” provocada por amigos, no calor de uma discussão, em que ambos ficam calados, um por vergonha, o outro por culpa.
A medicina necessita de construir síndromes. É através de sinais e de sintomas que consegue criar e personalizar certas entidades e comportamentos. Habitualmente usa epónimos dos autores que estiveram na sua génese. Outras vezes socorre-se dos locais, da arte, da poesia, e da literatura. Uma forma elegante de ajudar a compreender e interpretar certos fenómenos.

Já cá faltava...

Nós temos esta tendência doentia, uma espécie de gene que paira por aí e que faz das suas na primeira oportunidade, tudo o que de mau que acontece aos outros poderá acontecer-nos a nós, enquanto o que acontece de bom está, seguramente, fora do nosso alcance. Acho que é por causa desse maldito gene que vivemos neste estado de depressão colectiva que nos faz aceitar como uma fatalidade tudo o que corre mal, tudo o que piora, e olhar com a maior desconfiança quem não se queixa de infelicidade, quem teve êxito ou quem se atreve a falar em esperança.
Já passaram 4 dias sobre a catástrofe inimaginável do Haiti e já estava a intrigar-me esta contenção de ainda não ter vindo uma primeira página do jornal dizer que se fosse cá, que se fosse cá…
Pois bem, ouvi há pouco anunciar que o Prós e Contras de amanhã picou o ponto e encontrou o tema: estaremos preparados para um terramoto como o do Haiti? Qualquer pessoa normal antevê a resposta, e quem é que está preparado para uma catástrofe desta dimensão do fim do mundo? Vamos então passar um serão de catarse psicótica, precedida de imagens reais aterradoras e seguida de inúmeras explicações sobre as nossas insuficiências para enfrentar tal terror. Parece que não nos basta o que já nos atormenta e preocupa. Parece que nos sobram alegria, confiança e esperança no futuro. Não, há que aproveitar o ambiente de terror e explorá-lo, trazendo para o consciente o temor que, instintivamente, todos procuramos distrair quando assistimos horrorizados às imagens que nos chegam de longe. Há alturas em que o jornalismo (?) parece ter-se tornado num meio de tortura sem respeito nem misericórdia, seja lá o que for que amanhã se lembrem de dizer no programa.

Novamente o Haiti...

A calamidade do Haiti tem mobilizado à escala mundial a solidariedade de governos, autoridades internacionais, organizações não governamentais e cidadãos de todo o mundo. Todos querem acudir à tragédia humana, movidos pela compaixão, pelo sentido de responsabilidade política e por imperativos éticos e morais.
À pobreza e miséria extremas, como se não bastasse, juntou-se um dos mais temíveis fenómenos naturais, o terramoto.
Mas quando vemos a vontade e a capacidade de mobilização dos países desenvolvidos para ir em socorro dos haitianos, com promessas de ir mais longe no apoio à reconstrução do país, não deixo de me interrogar porque é que idênticas vontades e capacidades não acontecem antes, de forma preventiva e positiva, ajudando os países pobres a quebrarem os ciclos de miséria em que vivem.
O Haiti faz parte desse universo de países riscados do mapa, quase inexistentes. Mas a tragédia inverteu a situação. Quem ainda não ouviu falar deste país?
A catástrofe natural de terça-feira mostra bem a vulnerabilidade criada pelas catástrofes sociais e económicas em que se encontram mergulhados muitos países pobres. Uma situação incapaz de limitar ou minimizar os efeitos devastadores da força da natureza, antes pelo contrário.
Esta tragédia que nos tocou a todos, poderia bem constituir um momento de séria reflexão à escala mundial para a necessidade moral de fundar uma “nova ordem mundial de solidariedade” que permitisse incorporar no modelo desenvolvimento dos países ricos preocupações de equidade no relacionamento com os países pobres.
Se o mundo se quer unir para reconstruir o Haiti, porque não ajudou a fazê-lo antes da tragédia? Se existe solidariedade socorrista porque não construir a solidariedade preventiva? Serão razões economicistas? Não creio. Quanto custará reconstruir o Haiti depois da total destruição? Não sendo, que outras razões estão na base dessa omissão? Complexidade? Não me parece. Desvalorização política? Sim. Esquecimento? Também. Razões que espelham a indiferença e o egoísmo que também marcam as situações de crise das economias e sociedades ocidentais que também são, afinal, crises morais.
Concentremo-nos na ajuda aos haitianos e tenhamos esperança que o Haiti também nos ajude, mundo desenvolvido, a rever a nossa solidariedade...

sábado, 16 de janeiro de 2010

O andor!...


Tocam os sinos da torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Vai passando a procissão.






Olha os irmãos da nossa confraria!
Muito solenes nas
opas vermelhas!
Ninguém supôs que nesta aldeia havia
Tantos bigodes e tais sobrancelhas!


Com o calor, o Prior aflito.
E o povo ajoelha ao passar o andor.
Não há na aldeia nada mais bonito
Que estes passeios de Nosso Senhor!

Tocam os sinos da torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Vai passando a procissão.

Hoje, o jornal A Bola, em Editorial solene, autêntica voz da confraria, decretou, vermelho no branco, que a confraria das opas vermelhas vai chegar em primeiro lugar. E que a confraria das opas azuis e branças, com Hulk ou sem Hulk, a questão é irrelevante, não possui argumentos, no espaço restrito do rectângulo do jogo ( isto é da procissão...), para contrariar o óbvio. A frase é transcrita.
Confirmadíssimo. Para não ir mais atrás, três golos legais anulados ao FCPorto nas duas últimas jornadas mostram à evidência os poderosos e irresistíveis argumentos de quem vai sendo levado triunfalmente no andor…
Nota: Versos (lindíssimos...)de António Lopes Ribeiro, em tempos tão bem recitados por João Villaret, que ainda tenho o ritmo no ouvido; pintura de Souza Cardoso.

"Hay males mayores que lo de Haití, como nuestra situación espiritual"

Estava à espera de algo semelhante. Sempre que surge uma catástrofe desta natureza há tentativas de a utilizar para certos fins que nos transcendem. Quando foi do furacão Katrina houve quem visse a mão de Deus por detrás! Agora surge José Ignacio Munilla, bispo de San Sebastian, a fazer uma afirmação surpreendente: "Hay males mayores que lo de Haití, como nuestra situación espiritual". Claro que as reações não se fizeram esperar, e o senhor fundamentalista veio a terreiro tentando recolocar o problema no campo teológico. Valha-me Deus que ainda não aprendeu a escolher os seus “funcionários”…

A disponibilidade para estar disponível

Ontem, Manuel Alegre declarou mais uma vez a disponibilidade para estar disponível para ser candidato a Presidente da República.
Já começa a haver pouca paciência para ouvir tanta disponibilidade em potência, mas nula materialização em acto.
Não ameace, não queira vir dizer que foi pressionado, disponha-se de vez e assuma alegremente a candidatura. Sem dramas e sem folhetins!...
Afinal, quer ou não ser Presidente? Ou, tão só, limita-se a querer que outros queiram que seja Presidente?

Terras de Espanha e praias de Portugal

A propósito do post do Ferreira d'Almeida
Romance da Nau Catrineta
(...)
-Sobe, sobe, marujinho,
Àquele mastro real,
Vê se vês terras de Espanha,
As praias de Portugal.
"Não vejo terras de Espanha,
Nem praias de Portugal;
Vejo sete espadas nuas
Que estão para te matar".
- Acima, acima gajeiro,
Acima ao tope real!
Olha se enxergas Espanha,
Areias de Portugal
"Alvíçaras, capitão,
Meu capitão general!
Já vejo terra de Espanha, Areias de Portugal.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Campanhas agora de vanguarda

A Coordenação Nacional para a Infecção VIH/Sida vai lançar uma mega campanha publicitária que teve honras de notícia no telejornal, com extractos das imagens que serão exibidas para reavivar os alertas para a necessidade de prevenção contra a doença sexualmente transmissível.
E a que se deve este súbito re-despertar da luta contra a Sida? Qual a mensagem renovada que trazem à ribalta com este raid surpreendente? Pois a campanha tem como público alvo e protagonistas do filme os parceiros homossexuais, para o que “serão exibidos alternadamente dois anúncios diferentes, representando relações estáveis e ocasionais entre homens que praticam sexo com homens”. E que a campanha “se estende até ao dia dos namorados”.
É claro que são sempre oportunas e certamente bem vindas as campanhas levadas a cabo para cumprir a missão de um organismo destinado a isso mesmo, a prevenir e combater a Sida. O que me causa perplexidade é este súbito e absolutamente inesperado foco na homossexualidade, quando passámos largos anos a ouvir dizer que todos os grupos são de risco e que era errado alimentar preconceitos que só serviam para agravar a exclusão e a discriminação com base na orientação sexual dos indivíduos.
Pelos vistos, o discurso mudou e agora já se deve evidenciar o risco específico entre os pares masculinos. O que terá determinado esta nova linha de orientação, que há bem pouco tempo teria escandalizado os grupos visados? Houve agravamento da doença que o justifique? Alguma orientação das organizações europeias ou mundiais de saúde que o recomendem? O responsável pela iniciativa esclareceu, de modo um tanto titubeante, que havia um “certo adormecimento” da consciencialização, daí a campanha.
Pois haveria, não sei, o que sei é que, ao ver o filme que a SIC passou, fiquei com a impressão de que a sensibilização que se pretende é bem diferente daquela para que foi criada a Comissão de Luta contra a Sida. E estranho que os grupos alvo não estejam já a reclamar da discriminação que os associa tão explicitamente aos grupos de risco.

Adenda de 18 de janeiro: segundo o DN de hoje, especialistas arrasam esta campanha, alertando para que o seu impacto pode ser perigoso e que "as pessoas estão saturadas das campanhas", além de que "faltam estudos prévios, pré testes e também uma avaliação dos resultados alcançados, que são muito importantes para se saber como elaborar outra campanha". Pois.


Solidão

No mundo atual, a rapidez com que se transmitem infeções é uma realidade fruto de uma forte interação entre os seres humanos e da velocidade estonteante que se vive. Os vírus também sabem aproveitar os jatos. Mas não são só os vírus, também as notícias viajam velozmente, e, muitas delas, são capazes de provocar ansiedade, medo e algumas doenças. As nossas fragilidades fazem-se sentir cada dia que passa. E são cada vez mais, não obstante as conquistas técnicas e científicas que enchem o olho e acalmam, embora temporariamente, a inquietude das nossas almas.
Epidemia. Tornou-se uma palavra corrente, utilizada praticamente para tudo, desde as doenças infecciosas, donde nasceu, até à solidão, passando pelo medo. A designação epidemia está associada a inúmeras situações: gripe, sida, cancro, diabetes, depressão, fome, obesidade, pobreza, medo, leviandade, estupidez, consumo, entre muitas outras. A mais recente epidemia, embora o assunto não seja novo, refere-se à problemática da solidão. Tudo, porque se conseguiu apurar que é contagiosa. Este sentimento, que invade muitas pessoas, acaba por se transmitir aos amigos de uma forma que faz lembrar as vulgares constipações. As pessoas que sofrem de solidão propagam este sentimento cortando os laços. Se um dos nossos amigos se transformar num solitário faz-nos correr o risco de virmos a sofrer de solidão em 40 a 65% dos casos e outro amigo nosso que não tenha qualquer relação com o primeiro acaba, também, por correr riscos na ordem dos 14 a 36% e um amigo deste amigo um risco de 6 a 26%. Há quem conteste esta visão de a solidão poder ser comparada a um vírus suscetível de causar uma epidemia, argumentando que aspetos semelhantes, também, foram observados na acne, nas cefaleias e, até, na própria estatura. É difícil, mas não impossível, caracterizar e quantificar estes fenómenos, os quais são preocupantes, caso se comprove, de forma inequívoca, este caráter de transmissão, na medida em que solidão é sinónimo de graves problemas na esfera da saúde pública, ao contribuir para as doenças cardiovasculares, passando pelo suicídio, até à doença de Alzheimer. Optar pela solidão é um fenómeno que tem muitas causas. Mas há um denominador que é comum aos que sofrem desta perturbação: um estado de alerta permanente e exagerado face às ameaças sociais. E estas proliferam como cogumelos em ano de chuva. Muitos dos solitários têm muitos contactos, só que estes não os satisfazem, e nem a criação de múltiplas redes que hoje estão ao nosso dispor, através da internet, conseguem substituir as verdadeiras redes sociais em que a amizade, a compreensão e a solidariedade são uma constante.
Assiste-se a uma desorganização social e estrutural, sobretudo das famílias, que, curiosamente, não são um campo fértil para a propagação da epidemia, a não ser pela sua não existência ou destruição. A involução da procriação, e o acréscimo das exigências do modo de viver, que empastam e dificultam o relacionamento entre as gerações, constituem focos de desestruturação que podem levar à solidão.
Fala-se, hoje, muito de planos de prevenção para tudo e mais qualquer coisa. Planos de prevenção contra cheias, contra terramotos, contra a obesidade, contra a diabetes, contra a gripe, entre muitos outros, mas pouco ou nada contra a solidão. E é preciso fazer qualquer coisa a este mundo atarantado e ameaçador em que vivemos ou fingimos viver.
Olho para trás e consigo ver com nitidez algumas pessoas com quem convivi e que sofreram de solidão. Sofreram e fizeram sofrer outros e quem sabe se ainda não continuam a fazer sentir os seus efeitos em muitos desconhecidos, os quais, por sua vez, alguns também solitários, estarão a provocar tempestades emocionais, contribuindo para explosões patológicas por esse mundo fora.
É preciso, utilizando expressões do mundo informático, “religar” aqueles que caíram fora das tradicionais redes sociais. Uma forma curiosa de contribuir com eficiência para a melhoria da saúde pública.

Volta Mário Lino, tudo perdoado...

Estava tranquilamente em casa a assistir ao telejornal quando o pivot anunciou que o ministro das obras públicas tinha dito que a linha de TGV entre Lisboa e Madrid faria com que as praias lisboetas se transformassem em praias de Madrid. Um brincalhão este pivot, pensei.
Passaram a palavra ao ministro. Afinal o brincalhão era o dito. Ao pé desta tirada tenho de concordar que o ´jamé´ e 'o deserto da margem sul' foram coisas inocentes.
Tudo perdoado Lino. Podes regressar.

Ponto de honra

Julgo que os leitores do 4R já se aperceberam de que neste Blog se distingue muito bem factos de opiniões. Estas podem ser contraditadas; os factos não, por serem verdadeiros e objectivos. Quanto a estes, temos por ponto de honra não se fazer afirmações que não possam ser demonstradas.
1. Publiquei ontem um texto, Rapidinha Premiada, em que aludia a dois Despachos do 1º Ministro, o Despacho 26370/2009, de 4 de Novembro, que nomeava uma colaboradora, com efeitos a partir de 26 de Outubro, e o Despacho 26371/2009, também de 4 de Novembro, que exonerava, com louvor, essa mesma colaboradora, com efeitos a partir de 30 de Outubro.
Era feito, como agora, um link para os Despachos no Diário da República, para que não houvesse dúvidas.
2. Através de um comentário, tive conhecimento de que o Blog Corporações me acusa de omitir parte substancial da verdade para que a história tivesse pés para andar. E publica, para o efeito, o Despacho 14504/2009, em que uma Colaboradora é nomeada para o Gabinete do 1º Ministro com efeitos a partir de 15 de Junho. O nome da colaboradora aparece riscado no texto do Blog Corporações, de forma a dar a entender que se trata da mesma pessoa referida nos Despachos 26370 e 26371 e que, estando cerca de 6 meses a trabalhar no Gabinete, tinha mostrado as competências e dedicação bastantes para ser louvada.
3. Verificado no entanto o teor do Despacho 14504, verifica-se que se trata de pessoas diferentes: nem o nome nem qualquer dos apelidos condizem, nem também a função é igual.
4. Conclusões: para o Blog Corporações vale tudo. Da pior forma ao serviço do Governo, pratica o lema que da mentira alguma coisa há-de ficar. Mesmo que primária, rasteira e grosseira. Que uma simples consulta à Internet permite verificar.
Nota de esclarecimento: Afinal, veio a saber-se que a funcionária em questão, independentemente de ter sido nomeada pelo Despacho 26370 de 2009, a que me referi, tinha também já sido nomeada pelo Despacho 8232/2005. Como o despacho 26370 não falava de recondução, nem o Despacho 26371/2009 tão pouco referia essa situação, a única coisa que logicamente um cidadão poderia concluir era que a funcionária tinha sido louvada por um trabalho de quatro dias. Pura incompetência do redactor, susceptível logo de atingir a funcionária nomeada. É que os Despachos não se destinam aos Colaboradores ou iniciados do Gabinete, mas aos cidadãos em geral. Independentemente disso, e por uma questão de boa fé, aqui fica o registo. E as desculpas à interessada, vítima em primeiro lugar da incompetência dos serviços.

Perspectivas económicas para 2010 e 2011: satisfação, a que título?

1. Foram divulgadas esta semana, pelo BdeP, perspectivas económicas para o ano corrente e o próximo:
- (i) crescimentos do PIB de 0,7% e de 1,4%;
- (ii) aumento da taxa de desemprego em 2010, eventual início de redução em 2011;
- (iii) agravamento do desequilíbrio das contas com o exterior para quase 10% do PIB em 2010 e mais de 11% do PIB em 2011 (8,2% em 2009).
2. Estas perspectivas foram recebidas pela generalidade dos comentadores (dos que consegui ouvir ou ler) e pelos responsáveis políticos com satisfação, como um sinal de melhoria...como seria aliás de esperar...
3. Uma leitura mais atenta e sem prejuízo da reserva que estas previsões devem merecer, leva-nos contudo a indagar o verdadeiro significado destes cenários e sobre a sustentabilidade a prazo deste modelo de comportamento da economia portuguesa.
4. Importa notar que, para assegurar uma ligeiríssima retoma da actividade económica, que nem é suficiente para garantir uma redução do nível de desemprego, teremos de suportar um aumento considerável do nível de endividamento global e ao exterior, uma aceleração mesmo do seu ritmo de agravamento...
5. Na minha perspectiva este modelo de evolução da economia portuguesa é simplesmente insustentável, é caminho certo para uma implosão ou pior, como a Moody’s sugeria esta mesma semana, para uma morte lenta...
6. A este respeito gostaria de referir um interessante artigo de opinião sobre o caso da Grécia, publicado na última 3ª Feira (12) no F. Times e da autoria de Desmond Lachman, membro do American Enterprise Institute, “Greece looks set to go the way of Argentina”.
7. Lachman, a situação da economia grega e numa comparação ao caso da Argentina no final dos anos 90 que conduziu a uma situação de insolvência face ao exterior, (ainda hoje por resolver), conclui que a Grécia não tem solução dentro do Euro pela simples razão de que os desequilíbrios macro-económicos que acumulou e os níveis de endividamento que atingiu tornam já insuportável o esforço de ajustamento necessário para inverter a trajectória de endividamento.
8. Na análise de Lachman, seriam necessários anos sucessivos de deflação, com elevadas perdas de rendimento nominal e real das famílias para que a Grécia conseguisse restabelecer os equilíbrios económicos fundamentais e sanear as suas finanças públicas – e isso o autor considera simplesmente impraticável...pelo que conclui que a Grécia não terá outra saída a não ser...sair do Euro dentro de 2 a 3 anos.
9. Se a premonição de Lachman está certa ou não, desconheço. Trichet recusou comentar quando ontem lhe colocaram a questão...
9. Do que me apercebo é que a continuarmos assim – e sinceramente não vislumbro outra solução com as opções de política que estão “sobre a mesa” – colocar-se-á à economia portuguesa um dilema muito semelhante, não tarda.
10. É por esta razão que não consigo entender, de todo, as manifestações de satisfação de "opinion-makers" e de políticos pela divulgação destas perspectivas económicas...

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Rapidinha premiada!...

Despacho n.º 26370/2009
Nos termos e ao abrigo no n.º 1 do artigo 2.º e no n.º 1 do artigo 3.º do Decreto -Lei n.º 322/88, de 23 de Setembro, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto -Lei n.º 45/92, de 4 de Abril, nomeio a licenciada... (nome omitido) para exercer as funções de secretária pessoal do meu Gabinete, em regime de comissão de serviço.
Este despacho produz efeitos a 26 de Outubro de 2009.
4 de Novembro de 2009. — O Primeiro -Ministro, José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.

Despacho n.º 26371/2009
Exonero, a seu pedido, por ir exercer outras funções públicas, a licenciada... (mesmo nome acima omitido) das funções de secretária pessoal do meu Gabinete, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 3.º do Decreto -Lei n.º 322/88, de 23 de Setembro, sendo-me grato evidenciar a forma extremamente leal, competente e dedicada como desempenhou aquelas funções, bem como as excelentes qualidades pessoais e profissionais.
Este despacho produz efeitos a 30 de Outubro de 2009.
4 de Novembro de 2009. — O Primeiro -Ministro, José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Foi chegar, arregaçar as mangas, encarregar-se da tarefa, terminá-la com dedicação, competência e rapidez e ala que se faz tarde!...Quem cumpre assim missões em 4 dias merece todo o louvor. E é exemplo e castigo para quem anda a trabalhar 40 anos sem nenhum!...

Vagueando pela Provença IV-Châteauneuf du Pape


Estando em Avinhão, não podia deixar de fazer uma ronda por Châteauneuf du Pape, a cerca de vinte quilómetros, cidade que dá o nome e constitui o centro de uma das mais celebradas zonas de vinhos da França.
O nome tem naturalmente a sua origem no papado de Avinhão. O primeiro Papa de Avinhão tinha sido Cardeal em Bordéus. Saudoso porventura dos bons vinhos da sua terra, mandou plantar algumas vinhas pelos métodos já, na altura, modernos de Bordéus, e tornou-se o primeiro produtor da região. Poucos anos mais tarde, um dos seus sucessores mandou construir no local das vinhas uma residência, melhor, um castelo de férias, e a terra passou a ser comhecida pela denominação que manteve até aos dias de hoje.
Ao longo da estrada, sucedem-se as quintas, assim como no Douro, embora com dimensão que me pareceu mais reduzida. Mas, sendo uma zona bastante plana e monótona, fica muito longe da grandiosidade do Douro, da majestade das casas das grandes companhias e dos lavradores durienses, da paisagem ora suave ora sobressaltada do rio. Similar, apenas as contínuas placas das quintas e das caves, muitas delas oferecendo-se para visitas e provas de vinho.
Característica mais notada das vinhas é o pequeno tamanho das cepas, a modos de cepas anãs, produtoras de uvas muito próximo do solo pedregoso e que dele recebem a irradiação e o calor que propiciam a sua maturação em condições muito particulares e dando carácter específico ao vinho.
Um Châteauneuf du Pape é considerado um dos melhores vinhos do mundo, e até para muitos o melhor vinho. Admito que o marketing, aliado à superior qualidade do produto, tenham alguma responsabilidade na opinião que vem sendo divulgada e se vem tornando bastante consensual. Não sendo especialista, longe disso, mas um bebente normal, acho-o todavia excelente.
Para celebrar, acompanhou-nos, em Marselha, no jantar da noite do fim do ano, como aliás, em post anterior, referi. Uma cara delícia. Mas noites não são noites.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Haiti

Não bastando a extrema pobreza e miséria em que vivem os haitianos, o Haiti foi devastado pela natureza em fúria, deixando marcas de horror e sofrimento que temos dificuldades em avaliar. A natureza é impiedosa...

O PIB? Seja o que eles quiserem...

Ontem, Vítor Constâncio anunciou a previsão de um crescimento do PIB nacional de 0,7% em 2010.
Muito bem, uma excelente previsão. Nada tenho contra. Excepto a seguinte pequena, muito pequena, pequeníssima prevenção.
Em 15 de Julho de 2008, Vítor Constâncio também fez previsões e apontou firmemente para um crescimento de 1,3% do PIB, em 2009. Um excelente previsão!...
Todavia, ontem, Vítor Constâncio indicava para 2009 uma diminuição do PIB de 2,7%. Logo, uma péssima previsão, a de Julho de 2008...
Em Dezembro de 2008, Vítor Constâncio pediu ao Executivo para aumentar o défice orçamental em 2009, com o objectivo de estimular a recuperação económica.
Em Janeiro de 2010, Vítor Constâncio pediu ao Executivo para diminuir o défice orçamental em 2010, já que o país não pode esperar pela recuperação económica para reduzir.
Portanto…
Mas não sejamos pessimistas: com Sócrates, Teixeira dos Santos e Constâncio, o PIB e o Défice serão o que eles quiserem, a cada momento e a cada conjuntura…
Para incutir confiança, claro!...

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Grécia volta a tremer...aviso à navegação

1. A Comissão Europeia informou hoje (i) que as contas da Grécia para 2009 não são “ainda” verdadeiras e (ii) que o esforço de ajustamento orçamental exigível em 2010 terá de ser superior ao previsto...
2. Quanto ao primeiro ponto, parece que o défice de 2009 poderá pois ultrapassar os indicados 12,7% do PIB, podendo chegar a 14% ou até mais...e parece também que a dívida pública será mais elevada do que teria sido reportado. Uma enorme confusão, em suma, que embora de natureza histórica condiciona naturalmente as projecções feitas para 2010 e seguintes...
3. A segunda questão é mais delicada (para além de condicionada pela primeira) e significa que o Orçamento para 2010 aprovado pelo Parlamento grego em Dezembro não é credível nem suficiente para corrigir o desequilíbrio das finanças públicas - o que aliás se pressentia, face ao limitado coro de protestos que se seguiu à sua aprovação...
4. Encontra-se em Atenas uma delegação do FMI para analisar as contas passadas e as futuras e avaliar do esforço de ajustamento orçamental adicional requerido para que a Comissão Europeia se possa dar por satisfeita quanto à trajectória de correcção do défice orçamental já em 2010...vem aí pois um Rectificativo...
5. Percebe-se que a Comissão não se queira defrontar, daqui por mais alguns meses, com uma situação em que as contas públicas da Grécia tenham de ser sujeitas a nova revisão, com o défice de 2010 e a dívida em mais um salto...Basta de enganos!
6. E nada como o FMI, com a imensa tarimba que tem deste tipo de problemas, para tirar as coisas a limpo, “ajudando” a Grécia a definir a nova trajectória de correcção do défice público e a adoptar as medidas concretas, do lado da receita e da despesa, que permitam cumprir essa trajectória...
7. Os mercados, como era previsível, reagiram a estas notícias agravando de novo as condições da dívida grega, ficando naturalmente em alerta quanto ao que se possa passar na sequência das recomendações que o FMI vier a emitir.
8. Por cá, na curiosa azáfama pré-orçamental que se vive por estes dias, seria bom que se fosse dando a devida atenção ao processo da Grécia...nomeadamente a oposição, se é que tem reais “ganas” de chegar ao poder em prazo não muito longo e queira começar a pensar nas eventuais "surpresas" com que possa ser defrontada...conviria que "surpresas", se as houver, sejam "surpreendidas" quanto antes...
9. Em suma, espera-se que saibamos aprender com este processo e com as atribulações da Grécia, para perceber melhor o que nos cumpre fazer...e não fazer. Um bom aviso à navegação, pois...

Os Números do Banco de Portugal e o Próximo Orçamento do Estado

O Banco de Portugal revelou as suas previsões de Inverno para a economia portuguesa, traçando um cenário muito preocupante até 2011:

  • o crescimento económico será muito débil (confirma-se que Portugal sairá da crise de forma mais lenta do que a generalidade dos países europeus);
  • o investimento não recupera;
  • as exportações terão um dinamismo muito reduzido;
  • entre 2007 e 2011 haverá uma destruição líquida de emprego (o que significa que o desemprego continuará a aumentar, e entrará, pela primeira vez, na casa dos dois dígitos;
  • o défice externo continuará a subir, atingindo um valor superior a 11% (!) do PIB em 2011. Isto significa que o endividamento do país irá aumentar – e Portugal já é o país mais endividado da União Europeia, e um dos mais endividados do mundo.

Ora, em particular este último ponto mostra bem como a trajectória que o país tem prosseguido é absolutamente insustentável, porque quanto mais endividados estivermos, menos iremos crescer, naturalmente, porque mais recursos serão desviados para pagar dívidas…
É por isso que, numa altura em que se aproxima a apresentação do Orçamento do Estado para 2010, o caminho a prosseguir não pode deixar de ter que ver com

  • a apresentação de uma trajectória de redução do défice público para menos de 3% do PIB em 2013, ou seja, um plano de opções plurianuais de médio prazo que permitam perceber como se reduzirá o défice (e também a dívida pública);
  • uma diminuição do défice público assente na redução do peso da despesa pública no PIB e não no aumento de impostos – para não liquidar (ainda mais) a economia –, como tem sido tradicional (e errado) no nosso país;
  • um corte nas despesas de funcionamento no PIB (quer os consumos intermédios, quer as despesas com o pessoal), ao contrário do que sucedeu nos últimos anos, em que a promessa do PRACE se ficou, em termos de poupança financeira, por isso mesmo, isto é, por uma… promessa. Que redundou numa desilusão.

Com opções de política orçamental e fiscal correctas – e diversas das que foram tomadas nos últimos anos – o Governo dará um contributo favorável para inverter a trajectória económica global muito negativa em que Portugal caiu. Em particular, ao reduzir o endividamento público – sobre o qual tem efectivamente controlo – o Executivo estará a contribuir para reduzir também o endividamento externo. Haja coragem para ir, decididamente, por este caminho – que nos afastará da Grécia.

Estou certo que, da parte da Oposição responsável, tais decisões não deixarão de ser avaliadas de forma positiva.

Este Teixeira dos Santos dava um bom ministro das finanças...

"Lisboa, 12 Jan (Lusa) - As prioridades da política económica dos países europeus, neste momento de saída da crise, passam pelo apoio ao crescimento e relançamento do emprego, mas também pela redução do défice e da dívida das Finanças Públicas, diz Teixeira dos Santos".

As formigas, o computador e o aquecimento global



Agora mesmo, estou perante a prova definitiva do aquecimento global. Ao abrir o computador, umas dezenas de formigas ocupam todo o écran, correndo por ele nos mais desvairados rumos e nas mais incertas direcções.
Como estou a escrever sobre o acontecimento, e em tempo real, vejo que algumas, mais calmas, se passeiam entre as teclas e outras espreitam pelos intervalos e interstícios das mesmas. E acabo de soprar numa, que me apareceu na mão, fazendo-a aterrar sobre a secretária.
Claro que já tenho a explicação científica para o fenómeno, rapidez intelectual só possível a quem vive no campo. Com as chuvadas intensas, as habitações destruídas e víveres dizimados, as formigas procuram refúgio dentro das casas, passando pelos locais mais improváveis e chegando aos sítios mais incríveis. Naturalmente apresentam-se magras e esqueléticas, de meter dó. Mas nem esse facto tem dissuadido a minha querida consorte, em conluio estreito com a empregada, de lhes darem caça com armas químicas e por todos os meios possíveis, quero admitir, que legais. Assim perseguidas, inteligentemente intuíram, observando a minha índole pacífica, que o lugar onde poderiam ter alguma protecção era ao abrigo do meu computador. E aqui estou eu, soprando formigas entre cada palavra que escrevo, a enxotá-las para a secretária e depois para o chão. Dando-lhes assim mais uma oportunidade, que a competência e jurisdição para o seu adequado tratamento deixa de ser minha.
No fim, não teria formigas sem chuvadas e não teria chuvadas sem aquecimento global. E sem aquecimento global, sem chuvadas e sem formigas não haveria este post. Para alguma coisa o aquecimento há-de servir!...

"Prós e Contras" fora de moda...

Devo dizer que cada vez tenho mais dúvidas sobre o interesse de programas do tipo “Prós e Contras” com o figurino a que nos habitou ao longo dos últimos anos, apostado não no confronto saudável e tranquilo de ideias, mas num conflito de convicções pouco esclarecedor para a opinião pública, deixando muitas vezes, se não a maior parte das vezes, a ideia de um País a caminho do abismo. Confesso que deixei de ter paciência para programas deste tipo.
Numa época em que precisamos de procurar pontes para ultrapassar as dificuldades do nosso atraso e de encontrar e centrar a atenção naquilo que nos deve unir, penso que não devemos insistir em modelos de conflito que procuram de forma sistemática encontrar e explorar fracturas que nos desunem e confundem.
Em lugar de "prós e contras", que evidentemente são saudáveis que existam porque é sinal de vitalidade democrática, porque não apostamos em programas de “Prós e Prós”? Porque não reunimos frente a frente, no bom sentido, pessoas de diversos quadrantes da sociedade civil que conhecendo bem a realidade do País aplicam nas suas mais diversas actividades boas práticas (best pratices) que nos podem ajudar a perceber como podemos fazer as mudanças que precisamos?
Poderíamos ter aqui um motor de mudança de mentalidade e cultura, com uma função não apenas pedagógica e indutora de confiança e de auto-estima mas servindo, também, de contraponto ao conflito aberto que domina a vida política.
A edição de hoje do “Prós e Contras” - sobre o tema "Vencer os Desafios" - desviou-se do tal ambiente de conflito para se aproximar de um confronto mais positivo susceptível de gerar coesão e união.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

"Reis solidários"

O espetáculo estava marcado para ter início às vinte e uma horas na Casa da Cultura de Santa Comba Dão. No palco, as crianças, com os seus instrumentos musicais, aguardavam o momento de atacar, umas pacientemente, outras bocejando e muitas acompanhando o ritmo da música de fundo com um bater alegre e quente, contrastando com o frio que se fazia sentir lá fora. O tempo passava e a meia hora de “tolerância” já se tinha esgotado – Mas estamos à espera de quê? Perguntei face àquele inusitado quadro. – Do apresentador. Responderam-me. – Do apresentador? É a primeira vez que espero por um apresentador. O que é que estará a fazer? Às tantas deve andar à procura do gel, pensei. Sempre era um motivo mais do que aceitável do que imaginar que estivesse a ver o Benfica na televisão. Também me disseram que enviaram os miúdos para o palco porque, lá nas traseiras, estavam a portar-se menos bem. Aqui está um exemplo de como aplicar um castigo digno a uma filarmónica infantil. – Portam-se mal? Vão todos para o palco, e ficam aí sentados. Claro que terem ido para o palco não foi um castigo, já que é o local de excelência para os jovens artistas, mas sim terem de esperar pelo apresentador. In extremis, apareceu o simpático responsável pela apresentação com o cabelo empezinhado de gel. Afinal tinha razão, tanto andou que acabou por o encontrar.

O concerto arrancou e, surpreendentemente, as crianças e adolescentes da Filarmónica de São João Areias, com um à-vontade digno de registo, revelaram cuidados e sensibilidade musicais traduzidos na forma como interpretaram os diferentes temas. Um exemplo de como ser diferente em criança. Um dia, transformar-se-ão em adultos diferentes. Já irradiam cultura e é pena que muitos adultos não possam, ou não queiram, aprender com os jovens. Do míni concerto, com que mimosearam os presentes, destaco os temas musicais “A pantera cor-de-rosa” e o “What a Wonderful Word” de Louis Armstrong. O primeiro fez-me recordar o saudoso Peter Sellers, interprete sofisticado, atrevido e inteligente. As crianças da filarmónica, com apenas dois anos de aprendizagem de música, revelaram ser sofisticadas, atrevidas e inteligentes, verdadeiras “panteras cor-de-rosa”. Já afirmei que só se pode ser diferente em adulto se conseguirem ser diferentes em criança. Estamos perante a promessa de uma nova geração capaz de tornar mais “maravilhoso” o pobre mundo em que vivemos.

Mas o efeito cultural impregna, também, outros jovens, como foi o caso do Coro Mozart, em que a criatividade e a sensibilidade musicais provocaram uma sensação de bem-estar global. Cerca de cinco dezenas de jovens interpretaram vários temas, alguns com muita originalidade, fazendo ver que é possível distribuir e ofertar a beleza, desde a interpretação de uma musical tempestade até ao “Oh Happy Day”, contribuindo para uma noite feliz aos presentes.

No final, um realce particular para a elegância e “profissionalismo” do grupo Be Flat. Tranquilos e sedutores enriqueceram o espetáculo de uma forma particular, a que não foi alheio a preocupação em escolher alguns convidados, que enriqueceram, e muito, sob o ponto de vista coreográfico e artístico, a sua atuação.

Uma noite em que jovens príncipes, imbuídos de um espírito de solidariedade real, souberam dar uma lição de verdadeira cultura aos presentes e, sobretudo, aos ausentes. Sim, porque nestas coisas, o velho ditado segundo o qual “Dá Deus nozes a quem não tem dentes”, poderia ser substituído por um outro “Dá a Juventude cultura a quem não tem sensibilidade”...

Em primeira mão...


... o 4R divulga o traje académico dos futuros mestres em Gestão e Manutenção de Golfes que a Universidade do Algarve criou e que o apurado sentido de serviço público do Pinho Cardão alargou ao conhecimento dos leitores do blogue (ou não tivesse Pinho Cardão passado por essa catedral do serviço público, a RTP).


Ventos e tempestades


As intempéries lembram-nos que somos só habitantes. Não possuímos nada e nada está garantido.Os ventos furiosos derrubam construções, estufas e árvores de grande porte, o frio gela os rios, o peso da neve parte como paus de fósforo os postes de electricidade e cria o caos nos orgulhosos aviões, nos comboios de alta velocidade e nas autoestradas de circulação rápida. As imagens das cheias violentas no Brasil mostram que ruíram morros sobre estâncias de luxo ou que se desmoronam favelas como castelos de cartas, desaparecem pontes e estradas no turbilhão que ontem era apenas um pacífico rio indolente e doce e que logo voltará a sê-lo.
Resta-nos esperar que as fúrias se acalmem para que se reparem os estragos e se retome a normalidade. Lições de humildade às civilizações.

Mestrado em campos de golfe!...

Criado na Universidade do Algarve-Diário da República, 2ª Série, nº. 51, 12 de Março de 2008

Depois do doutoramento em pronomes possessivos, o mestrado em campos de golfe.
Prenúncio de doutoramentos em campos de futebol. E em relva caseira!...
Com bolsas de doutoramento e pós-doc, pois claro!...

Moody's - quem te avisa...

1. Na edição de hoje do Financial Times é referido um “aviso” da Moody´s quanto a uma eventual próxima degradação da nota de “rating” atribuída à dívida pública Portuguesa, caso não sejam tomadas medidas firmes para redução do défice público já no Orçamento para 2010.
2. Curiosamente, ainda há 3 ou 4 dias o PM, em termos resolutos, tinha reiterado a ideia de que “...a prioridade é o combate à crise, não o défice”...e aí anda combatendo, por esse País fora...
3. Será que estamos perante um “braço-de-ferro” entre o Governo português e as agências de “rating”? À primeira vista assim parece, mas creio que será só à primeira vista...
4. Na verdade, uma revisão em baixa do “rating” da dívida pública portuguesa – em qualquer caso um risco não desprezível - redundará em custos ainda mais elevados de financiamento e ainda maior dificuldade de acesso ao crédito externo, agravando seriamente o cenário de crescimento da nossa frágil economia.
5. Assim, a prioridade parece não dever ser outra que não o défice: de outro modo, o combate à crise transformar-se-á num exercício paradoxal - em que a crise, quanto mais combatida mais se fortalece...
6. Mas não basta inverter o discurso, alterar as prioridades se for o caso, isso até é fácil...mais difícil, mas indispensável, será assumir objectivos de redução do défice e explicar como é que se chega lá, pela via das despesas e das receitas...
7. E aqui chegados tocamos num ponto crítico que consiste na seriedade e exequibilidade das medidas dirigidas à redução do défice, pois não basta apontar objectivos, é preciso que sejam realizáveis...e não fantasiosos, como tem acontecido não raras vezes.
8. Metas orçamentais não irrealistas (vale sobretudo para a receita) são necessárias para não se correr o risco de uma revisão do Orçamento a meio do ano, aliás já próximo...essa situação parece de evitar, de todo, pois propiciaria às agências, Moody’s e quejandas, o pretexto obvio para desencadear a revisão em baixa do “rating” da dívida portuguesa...
9. Também não se afigura nada recomendável o uso de contabilidade criativa para ocultar défices, por duas razões, ambas pesadas:
- (i) mais ou menos oculta, toda a despesa tem de ser financiada pelo que se não for incluída explicitamente no défice acabará por sê-lo na dívida;
-(ii) arriscamo-nos em futura mudança do Governo a ter uma situação do tipo “grego” que, após a mudança de Governo em Outubro último viu o seu défice orçamental para 2009 triplicar ou quase, com a revelação das operações de des-orçamentação...e aí o "rating" entraria em mergulho de profundidade...
10. Bem sei que tudo isto não nada fácil...é até bem difícil, mas as consequências de seguir a alternativa do mais fácil, confiando em cenários improváveis, serão de tal modo penosas que o melhor será atacar já essa dificuldade...
11. Pode não se gostar das agências de “rating”, apontar-lhes múltiplas situações enganosas em que têm caído...vide o recente colapso das dívidas derivadas do “sub-prime” que mereceram “rating” AAA...ah, ah, ah...até à véspera do colapso...
12. Não obstante, parece-me neste caso de lembrar o velho adágio “Quem te avisa...”

Ontem vista da minha varanda...

...Lamego apresentava-se assim.

(Foto da Joana Catarina)

domingo, 10 de janeiro de 2010

Vagueando pela Provença III-Avinhão


Avignon, ou Avinhão, é uma bela cidade da Provença, a menos de 100 quilómetros a noroeste de Marselha. Por detrás das belas muralhas que a rodeiam em toda a sua extensão, encontramos uma cidade moderna e viva num espaço medieval de ruas, prédios e palácios extraordinariamente bem conservados. É em Avinhão que se realiza anualmente o célebre Festival, repositório de teatro e artes performativas, e da cidade tomou nome o célebre quadro de Picasso, Les Demoiselles d'Avignon.
Mas Avinhão é sobretudo marcada historicamente por ter sido a Sede da Igreja Católica no século XIV, nos 68 anos que mediaram entre 1309 e 1377, e em que sete Papas aí residiram.
No início do séc XIV, o Rei de França, Filipe, o Belo, opunha-se vigorosamente ao Papa de Roma, pelo facto de este não lhe permitir a cobrança de impostos sobre os bens e dignitários da Igreja francesa. Falecido o Papa, o Rei moveu todas as suas influências e poder para eleger um Papa francês que lhe servisse de aliado. Conseguiu assim eleger Papa um Cardeal de Bordéus, Bertrand de Got, que tomou o nome de Clemente V e em 1309 se mudou para Avinhão. O último Papa que aí sediou foi Gregório XI. O retorno do Papado a Roma não foi pacífico. Desinteligências várias e profundas no seio da Igreja Católica, que eram também o eco das rivalidades políticas entre Estados ou mesmo Príncipes e, porventura, Cardeais pouco atentos à voz do Espírito Santo ou interpretando essa inspiração de forma errónea, levaram, nessa época, à eleição de onze “ anti-papas” até 1444, dos quais 4 mantiveram a Sede em Avinhão. Em 1415, chegou mesmo a haver 3 papas, o “verdadeiro” em Roma e dois "anti-papas", um em Pisa e outro em Avinhão.
De notável é que a permanência dos Papas em Avinhão se traduziu num valor que persiste até aos nossos dias, pela monumentalidade que trouxe para a cidade e pelo turismo que envolve. O Palácio dos Papas é um edifício-fortaleza grandioso, que se impõe pela sua magnificência exterior. Magnificência que espelha bem o poder dos seus antigos residentes. Pena é que os episódios da Revolução Francesa tenham levado à quase completa destruição do seu interior, que se apresenta despido, à excepção de algum mobiliário, frescos ou pinturas de tecto. Uma das alas do Palácio foi adaptada para Centro de Convenções e Sede do Festival de Avinhão.
O Rio Ródano, que corre largo e manso aos pés de Avinhão, contrasta pela serenidade com o bulício de uma cidade que combina como nenhuma a tradição com a modernidade.

sábado, 9 de janeiro de 2010

O Big-Brother normalizador


Já nem as estações do ano escapam à garra normalizadora que tomou conta das sociedades e se pretende impor às nossas vidas.
Se no Inverno um dia está um pouco mais frio, neva e o vento assobia forte, e no verão acontece uma débil vaga de calor, logo a comunicação social bem pensante se sobressalta, que a média e a mediana não estão a ser cumpridas, procurando porventura a punição adequada e politicamente correcta a conduta tão desviante.
Foi o caso, hoje, de uma entrevista feita por uma jornalista da Antena 1 ao Director do Instituto de Meteorologia Nacional, que tive o masoquismo de ouvir no carro até ao fim, e em que pretendia explicações para tão profundos e alarmantes desvios da média, como é o friozito que se vai sentindo, ou o “excesso” de tornados que, segundo ela, se verificaram no país, ou as piores chuvas do século XXI…
Como se uma média fosse um valor absoluto e não uma resultante de valores diversos e como se tudo evoluísse segundo a mesma linha de continuidade, constante, uniforme, imutável.
No fim e no fundo, é isso o que eles pretendem: uma sociedade gerida por um big-brother normalizador, que preveja e nos evite os tornados, como a jornalista perguntava e queria, mas em troca se encarregue definitivamente de nós. E das nossas consciências. Para não termos qualquer trabalho. Nem o de pensar!...

A Bela Helena

Cele qui fut la belle Heaulmière (escultura de Rodin)


Deu entrada num lar das Irmãs da Caridade, vinda do hospital onde ninguém a visitou ou a foi buscar.
Chegou hirta na sua cadeira de rodas, o olhar vago e a expressão vazia, como se nada daquilo lhe dissesse respeito, como se lhe fosse indiferente chegar àquela casa humilde e despojada ou estivesse a franquear as portas de um palácio que pudesse ter habitado em tempos perdidos.
Mas algo na sua pose, no modo como abandonava as mãos magras e finas no colo, ou no jeito elegante do seu cabelo branco a esgueirar-se da travessa de plástico que lhe organizava as madeixas, algo a fazia uma pessoa distinta e lhe dava a aura de um abandono trágico.
Contaram às Irmãzinhas que foi uma vizinha que deu pela quietude na casa de cima, onde vivia há muitos anos aquela mulher estranha, altiva mas cortês, já de muita idade, de quem não se conhecia amigo ou parente que alguma vez tivesse ido visitá-la. Raramente saía para as compras, com roupas cada vez mais gastas mas de bom corte, carteira elegante mas muito coçada, sapatos que já tinham perdido a memória ao uso e às vicissitudes. Era evidente que vivia numa pobreza extrema, que disfarçava com a maior discrição e um isolamento total.
A vizinha terá tido o pressentimento de ser aquele um silêncio diferente do costume. Chamou a polícia e deram com ela caída no chão, desmaiada, talvez de doença, talvez de fraqueza, a casa quase vazia de mobília mas com um ou outro sinal de um luxo esquecido, duas cadeiras com assento de veludo, a colcha bordada já em fiapos e a carpete persa a pedir restauro. Num canto, duas fotografias pálidas onde se percebia gente alegre e bonita, a andar num barco à vela num dia de Verão que teria sido luminoso.
O frigorífico parecia desligado há muito, e em tudo o mais sinais de abandono e miséria, como se ela se tivesse deixado sepultar em vida sem oferecer resistência.
Procuraram algum documento que a identificasse e desse pista para chamar a família e foi então que deram com aquela caixa cheia de folhas rasgadas de revistas antigas de décadas, um monte de imagens dela, muito nova e sorridente, em festas de sociedade, no Verão a mergulhar na piscina, ao volante de um automóvel a dizer adeus para a fotografia. Via-se que estava habituada a ser admirada, a sua beleza atraía e impunha-se, e as crianças, duas pelo menos, a agarrar-lhe a saia como se temessem que ela fugisse. No fundo da caixa, a cinzento, um recorte com a notícia do escândalo, a paixão e a fuga para paradeiro incerto, a família a renegá-la para sempre.
Pelo nome, o hospital tentou encontrar alguém que a viesse buscar. Mas do outro lado da linha uma voz seca ditou que há muito que ela tinha morrido para eles e que nem sequer lhes dissessem onde lhe iam abrir a sepultura quando chegasse ao fim.
No lar, nunca lhe ouviram uma palavra. Deixava que a lavassem, a vestissem, lhe dessem a sopa da caridade, sempre alheia às conversas e aos gestos, esquivando os olhos de quem a fixava ou lhe passava uma carícia leve na face branca e murcha, já sem vestígio da firmeza e do viço de outrora.
Chamaram-lhe A Bela Helena e nem notaram o breve sorriso amargo com que recebeu, uma última vez, o tributo à beleza que tanto marcara as suas alegrias e as suas penas.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Até que a voz me doa!...

Em artigo hoje no Público, o Prof. Campos e Cunha faz-se eco de um estudo recente (tem uma semana...) de um macroeconomista, Prof. Rogoff, que abrangeu 44 países, num período de 200 anos, em que demonstrava que as economias mais endividadas, em termos de dívida pública, eram as que menos cresciam. Também tinha estudado o caso português, nos últimos 150 anos: quando o nível de dívida pública estava abaixo dos 30%, a economia tinha um crescimento médio de 4,8%; quando se situava entre os 30% e os 60%, a economia crescia 2,5%; e quando o nível de dívida pública estava entre os 60% e os 90%, a economia crescia 1,4% ao ano. Não foi estudado o efeito do crescimento com dívida pública superior a 90% do PIB, porque tal nunca aconteceu. Estamos agora a caminho!... Ressalvando alguma imprecisão estatística para os períodos mais recuados, a conclusão não poderia ser outra.
Como é óbvio e neste Blog não nos cansamos de referir, mais endividamento significa mais impostos, agora e no futuro. Mais endividamento significa maiores custos financeiros, agora e no futuro, por força da deterioração de risco do país.
Mais impostos e maiores custos coarctam o investimento e a vontade de investir. Sem investimento, não há crescimento, ponto final.
Ao nosso nível, temos vindo persistentemente a chamar a atenção para esta realidade. Mesmo não sendo um macroeconomista, e talvez por isso, estudei o comportamento da evolução da Despesa pública e do PIB nos 27 países da EU, conclusões que constam do post sobre o mito da despesa pública como dinamizadora da economia. Sinteticamente, as conclusões eram as seguintes:
-Ao menor peso de despesa pública correspondeu o maior crescimento do PIB
-Ao maior peso de despesa pública, correspondeu o menor crescimento do PIB
-Ao peso intermédio da despesa pública, correspondeu um crescimento intermédio do PIB.
-Mas, mesmo que não se concorde com estas conclusões, uma, a mais minimalista, é inegável: a de que a despesa pública não foi factor de crescimento nos países da UE27.
É de saudar os economistas que já vão acordando e deixaram de sonhar que a realidade de hoje reproduz a realidade de Keynes, em que o peso da Despesa Pública não atingia sequer os 10% do PIB e a carga fiscal não tinha qualquer comparação com a de agora.
E alguns até se apresentam como campeões da descoberta. Não faz mal. Tirando a presunção de uns e o oportunismo de outros, vieram ter ao caminho certo.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Continua a ter razão, hoje!...



Passam hoje 25 anos sobre a morte de José Maria Pedroto. Fez obra, sabia o que queria e para onde ia.
O que ganhou foi com luta e bravura; as vitórias nunca lhe foram fáceis e por isso foram mais saborosas.


Inverteu uma situação e marcou uma época. Teve toda a razão no seu tempo. Continua a ter razão, hoje.

É a grande homenagem que se lhe pode fazer.



O euro do nosso desencanto...e sofrimento?

1. Em notável artigo (mais um) publicado na edição de ontem do Financial Times, Martin Wolf vem chamar a atenção para o período muito difícil que a Zona Euro deverá experimentar nos próximos anos.
2. Nesse artigo, intitulado “Why the eurozone has a tough decade to come”, Wolf põe em evidência a situação crítica dos países membros da Zona que se encontram mais endividados – o “arco da dívida” como lhes tenho chamado – nos quais inclui a Grécia, a Espanha, a Irlanda e Portugal como casos mais complexos.
3. Esses países, segundo a expressão de Wolf, deixaram-se apanhar numa “armadilha” complexa, cujos contornos serão os seguintes:
- Alto ou altíssimo nível de endividamento público e privado;
- Elevados défices das contas com o exterior e agora também das finanças públicas;
- Fortes perdas acumuladas de competitividade dentro da própria Zona e em relação ao exterior, neste último caso agravadas pela acentuada valorização do Euro nos últimos anos;
- Inexistência de outros mecanismos de ajustamento e de correcção dos graves desequilíbrios estruturais (que estão disponíveis quando os países têm moeda própria)...a não ser mais recessão, mais desemprego e cada vez maior sacrifício dos padrões de vida;
- Inexistência de mecanismos de apoio ao nível da Zona, significando que todo o esforço de ajustamento terá de ser feito pelos países em dificuldades.
4. Curiosa a passagem em que Wolf faz o seguinte comentário “Alguns pretenderam que, no contexto de uma zona monetária, o défice externo não interessaria mais do que o desequilíbrio entre Yorkshire e Lancashire (ou entre o Mississípi e o resto dos USA numa versão nossa conhecida...). ESSES ESTÃO ENGANADOS...Os países com défices externos numa zona monetária são emissores de dívida para o resto do mundo...e o que acontece se os titulares dessa dívida decidirem aliena-la ou deixar de a comprar?...A resposta é - uma recessão”.
5. Wolf assinala ainda que a mobilidade das pessoas dentro do mesmo país, em busca de emprego, é relativamente fácil. Mas já é bem mais difícil essa busca quando implica atravessar fronteiras (pouco importa se fora ou dentro da mesma zona monetária).
6. A este último respeito, exemplifica com o caso da Espanha onde o desemprego está quase em 20% da população activa, com 4 milhões de desempregados, dizendo que o governo espanhol não pode obviamente recomendar aos seus cidadãos que procurem trabalho noutras regiões da Zona Euro onde a situação seja melhor...
7. Não existe mesmo alternativa a uma recessão estrutural profunda e prolongada, nos países do tal “arco da dívida”, para se libertarem da armadilha em que se deixaram cair quando aderiram ao Euro sem terem a noção do passo que estavam dando...
8. Ainda recordo os foguetes lançados na época da adesão ao Euro, em 1999, das proclamações de sucesso e da euforia gastadora que se lhe seguiram, numa manifestação de claro desconhecimento do que estava a passar-se....
9. Agora estamos nesta enigmática situação de termos de nos libertar de uma dívida que cresce todos os dias a um ritmo imparável...como é que isto se faz sem ilusionismos?
10. E nada adianta dizer que a culpa é dos bancos...a culpa é na realidade de todos os que não entenderam o significado da adopção do Euro – e ainda hoje não entendem, como se deduz das opções de política fundamentalmente erradas que vão sendo tomadas.
11. Mas não é de culpas que agora importa falar, agora trata-se, ou deveria tratar-se de arrepiar caminho, quanto antes, para que o Euro do nosso desencanto não venha a transformar-se no Euro do nosso sofrimento...

As lógicas economicistas...

Está lançada a discussão sobre o novo plano de reorganização dos serviços de tratamento do cancro. O documento apresentado pela Coordenação Nacional para as Doenças Oncológicas estabelece requisitos técnicos que podem conduzir ao encerramento de cerca de metade das unidades de oncologia que hoje funcionam nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS), designadamente limites mínimos anuais de atendimento de doentes oncológicos para justificar a manutenção de centros de tratamento ou a prestação de determinados tratamentos.
O objectivo é, segundo li, encerrar serviços para rendibilizar recursos e prestar serviços com maior qualidade.
Esperemos que a decisão política que vai ditar a reorganização da rede de oncologia não seja apenas movida por razões economicistas e técnicas, mas que pondere e avalie a necessidade de proteger as pessoas que vivem em localidades menos povoadas, designadamente no interior do país, e tenha em conta que a proximidade dos locais de residência dos doentes e dos seus familiares aos centros de tratamento é um aspecto fundamental, em particular na doença oncológica.
Os tratamentos, com implicações físicas e psicológicas difíceis nestes doentes, muitos deles debilitados, determinam em muitos casos deslocações semanais aos centros de tratamento durante longos períodos de tempo, em que o acompanhamento e o apoio familiares é muitas vezes necessário e desejável. Com efeito, as condições logísticas exigidas aos doentes não podem ser menosprezadas, assim como a despesa adicional que sobre eles recai.
A humanização da prestação destes serviços é um aspecto que deve ser, portanto, valorizado, como aliás deveria acontecer em geral na prestação de todos os serviços de saúde. Esta é uma vertente em que o SNS precisa, também, de fazer muitos progressos.
No meio desta discussão convém também não esquecer que existem longas filas de espera para cirurgias e tratamentos oncológicos que o SNS continua sem capacidade para resolver…

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Lavagem de cérebro

A cultura instalada de pensar que é a despesa pública, contra todas as evidências, que pode fazer recuperar ou desenvolver a economia teve a sua exacta tradução numa pergunta feita pelo jornalista do Público ao Prof. Daniel Bessa na entrevista recentemente dada ao jornal.
Discorria o Prof. Daniel Bessa sobre a necessidade de diminuir a despesa pública, quando o jornalista lhe pespegou:
Mas isso não reduz ainda mais a esperança numa retoma?
Admito que a pergunta tenha sido retórica, para propiciar uma resposta mais clara.
Mas reflecte o pensamento de muitos portugueses, por força da lavagem de cérebro a que têm sido sistematicamente submetidos, no sentido de verem o Estado como o dinamizador da economia.
E enquanto se pensar como tal, com a falta de líderes que temos para inverter tal cultura, o caminho é o da ruína

Vagueando pela Provença II


Claro que a descoberta das gastronomias locais é também um dos prazeres das viagens. Feitas, todavia, as contas, em nenhuma parte do mundo se come tão bem como em Portugal. E os nossos restaurantes médios, em condições de qualidade, higiene e apresentação das mesas ganham, com grande vantagem, a todos. Os bons e muito bons e os maus e muito maus são mais ou menos iguais em todo o lado.
O mar constitui uma base importante da cozinha provençal, nomeadamente da marselhesa, com o linguado, o robalo e a dourada de mar em lugar de destaque, e as ostras, belas ostras, frescas, sumarentas, apetecíveis. Omnipresentes as “bouiabaisses”, características sopas que combinam peixe fresco com cremes, ovos e salmão fumado, vegetais e ervas da Provença.
A carne de vaca e a caça também fazem parte de todos os cardápios. Mas o que me pareceu trazer um verdadeiro valor acrescentado de gosto e aroma é o uso generoso das Herbes de Provence, tal a profusão das misturas de tomilho, louro, manjericão, alecrim, sálvia, manjerona ou segurelha na confecção culinária.Também o azeite e as azeitonas estão mais presente do que em qualquer região de França, substituindo os molhos e cremes tão generalizados noutros locais.
Tivemos a sorte de comer muito bem na noite de fim de ano. Por mero palpite, olhando para o aspecto geral da casa, da clientela, da apresentação das mesas e das matérias-primas culinárias expostas, reservámos mesa num restaurante com a devida antecedência. Logo a surpresa de sermos recebidos por um português que, no dia seguinte, fez questão de nos servir. Eduardo da Fonseca Ferreira, de seu nome, um portuense da Campanhã, infelizmente benfiquista. Trinta anos em França, com passagem por restaurantes famosos, como o Tour d`Argent, em Paris. Cinco filhos. Uma eficiência, plena de calma e simpatia. Beijinhos e amplos, mas discretos sorrisos, na recepção às clientes conhecidas. Não sei se é prática ortodoxa num restaurante. Mas ficava bem e as clientes gostavam. Bom ambiente, boas especialidades marselhesas, e um belo e inesquecível vinho Chateauneuf du Pape, caro, mas uma maravilha que nos elevava aos céus.
Restaurante L`Esquinade, próximo da Ópera e do Velho Porto, cais dos barcos para o Castelo de IF e Ilhas de Frioul. Um achado!...

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Orçamento para 2010: um caso bem bicudo...

1. Estamos a um passo (1 semana = 0,5 passos) de conhecer a proposta de Orçamento do Estado para 2010, embora tivesse hoje sido noticiado que mais de metade dos ministérios ainda não teriam enviado para o MOF as suas propostas, o que deixa antever alguma dificuldade no cumprimento das "guide-lines" que lhes terão sido transmitidas para a respectiva elaboração.
2. Não se conhecendo ainda a proposta de Orçamento, fervilham já os comentários dos habituais analistas e também as declarações tácticas de políticos quanto à forma de abordar a discussão, a negociação (e agora também a pré-negociação, ao que parece) e a votação dessa proposta...
3. Trata-se do primeiro Orçamento anual destes últimos 9 anos que vai ser discutido e votado sem maioria absoluta...embora, ao que se pode deduzir das declarações tácticas atrás referidas o Orçamento tenha a sua aprovação garantida...
4. Não deixa de ser curiosa este cenário político em que se discutem quase até à exaustão estratégias de negociação e se pretendem definir posições a tomar em relação a uma “lei de meios”...que é inteiramente desconhecida, tampouco se sabe qual terá sido o saldo/défice orçamental oficial de 2009...
4. Uma coisa se pode ter por quase adquirida (sendo certo que com os políticos nunca se pode ter certezas quanto às opções finais) – não haverá agravamento da carga fiscal, especialmente em sede dos impostos sobre o rendimento. Isso parece estar excluído de qualquer negociação prévia ou posterior à apresentação da proposta.
5. Quanto ao resto, caberá indagar que previsões vai o Governo apresentar por exemplo sobre o comportamento das receitas fiscais depois da forte quebra registada em 2009 e que deve ter atirado o défice para perto de 9% do PIB... sendo certo que não se pode esperar grande recuperação (se alguma) dado que a muito tímida recuperação da actividade económica esperada (+0,5%) não consente nenhum optimismo...
6. Outros pontos de especial interesse, do lado da despesa, prendem-se com (i) as despesas com pessoal, (ii) as despesas sociais para fazer face a um nível de desemprego muito elevado e que poderá continuar a agravar-se em 2010 e (iii) os encargos com a dívida pública que não poderão deixar de reflectir a forte subida do nível da dívida e o aumento das taxas de juro do mercado obrigacionista que se registou nas últimas semanas e que provavelmente se acentuará em 2010.
7. Parece muito recomendável que a proposta orçamental para 2010, dadas as incertezas que se verificam, seja elaborada com grande cautela e realismo, para evitar que se caia numa situação de revisões sucessivas do défice como aconteceu em 2009...agora num cenário em que as agências de rating e os mercados estarão de olhos postos nos países do “arco da dívida”.
8. Afigurar-se-ia um enorme risco, neste quadro de vigilância "laranja" ou "vermelha", entrar num cenário de revisão a curto prazo dos pressupostos orçamentais e do saldo esperado...
9. Tendo presentes estes problemas à partida e a necessidade de encontrar um consenso que assegure a aprovação de um Orçamento – nem que seja “só” para mostrar ao País que os políticos privilegiam o interesse nacional – não se afigura nada fácil o cumprimento do processo orçamental para 2010... parece ser mesmo um caso bem bicudo. Veremos.

Privatização de serviços públicos

O Professor Daniel Bessa, depois de muitas dúvidas e hesitações, chegou finalmente ao bom caminho. E foi claro no que disse, na entrevista de ontem, ao Público.
Para além de referir que “este ano tem de se dar sinais de uma recuperação nas contas públicas”, através da diminuição da despesa, afirmou ainda que “não há verdadeira redução da despesa sem privatização de serviços”.
Se tal tivesse acontecido, como muitos de nós temos vindo a dizer no 4R, por exemplo, aqui, teríamos seguramente menor défice, menos impostos e serviços públicos de melhor qualidade.
Apesar de tudo, mais vale tarde do que nunca. Outros líderes de opinião se juntarão. Pena é que só o façam quando a casa está a arder!...
Nota: Claro que também se pode e deve reduzir substancialmente a despesa com um mínimo de gestão. Mas para isso seria preciso que os ministros tivessem qualquer ideia, mesmo que ténue e vaga, do que a palavra significa.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Vagueando




Não falando em razões de trabalho, muitas das minhas viagens são decididas em função dos livros que li e que me deixaram a vontade de conhecer o meio onde os “dramas” se passavam, em Portugal ou no estrangeiro. Estive em Marselha há muitos anos para conhecer o Castelo de IF, ponto fundamental do romance de Alexandre Dumas, O Conde de Monte Cristo. Foi das suas muralhas, que serviam de prisão, que Edmundo Dantès, mais tarde Monte Cristo, se substituiu na mortalha ao sábio português Abade Faria, para ser lançado ao mar e assim escapar aos largos anos de uma condenação injusta. Não consegui, na altura, ir a IF, por força do rigor do mar, que não deixava atracar na Ilha. Voltei agora a Marselha, com a mesma intenção e também a de dar um pulo a Toulon, de onde Jean Valjean, o herói do admirável romance Os Miseráveis de Vítor Hugo, fugiu dos trabalhos forçados, condenado por roubar um pão, e também a Digne, por onde o forçado passou na sua odisseia rumo a Paris, sempre perseguido pelo odioso Inspector Javert. Também agora o Mistral, forte vento frio que atravessa a Provença de norte para sul, não me deixou ir a IF. Mas tive a sorte de um motorista local me recomendar a visita a um sítio que me ficará inesquecível, enquanto a memória perdurar, Baux de Provence, próximo de Arles. Povoação fantasmagórica, misteriosa, implantada no alto da plataforma de um rochedo de 800 por 200 metros, ao abrigo de um castelo e escondida atrás de imponentes muralhas erguidas directamente sobre a rocha, não se sabendo onde umas e a outra nascem ou desaparecem. Só muito de perto, o castelo e as muralhas se distinguem dos penhascos envolventes cor de cinza, a mesma tonalidade e o mesmo relevo recortado no horizonte. E só mesmo muito no interior das primeiras muralhas se divisa a porta de entrada na povoação, totalmente escondida atrás dos grossos muros. Que ostenta ainda os traços da riqueza e da grandeza passadas: enormes palácios de pedra brazonada, igrejas esplêndidas, casas de habitação de grandes senhores. Sítio inexpugnável, era pertença dos Senhores de Baux, poderosa família medieval possuidora de muitas vilas e castelos na Provença e na Itália e, mais tarde, da família Grimaldi, do Mónaco. A cidade fortificada chegou a ter cerca de 4000 habitantes e foi diversas vezes destruída, não pela força ou engenho dos sitiantes, mas por traições e desuniões internas que levaram à sua ruína. Num dia de sol, mas frio, sentia-se o mistral a penetrar e a enregelar os ossos. Recuperados para o turismo, magníficos palácios de pedra servem agora de hotéis e de oficinas de produção e comércio de artesanato. Olhada das muralhas, lá bem mais alto, a cidade pareceu-me um sítio mágico, local onde se pressentem bruxas e duendes pairando nas as ruas estreitas, e se adivinham lendas medievais ao virar de cada esquina. Um daqueles raros sítios que se impõem aos sentidos e perduram fixamente na memória, enquanto ela nos puder acompanhar.

A crise da exuberância...


Burj Dubai, a maior torre do mundo,
800 metros de betão a rasgar os céus do Dubai
*
Símbolo de exuberância, o edifício mais alto do mundo tem hoje honras de inauguração, num ambiente que se advinha faraónico, mas envolto num cenário de moratória de dívidas gigantescas da Dubai World.
Sinais dos tempos: modelos de vida insustentáveis, tapando as cortinas das crises que acabaram por se rasgar…

domingo, 3 de janeiro de 2010

Sociedade panóptica


Mais um acto de terrorismo tentado num avião e as regras de segurança/vigilância são imediatamente revistas de forma draconiana, foi actualizada a lista de potenciais terroristas para 500 000 (!) e as bagagens de mão nos aeroportos americanos passam a ser revistadas em vez de passarem apenas no raio x. Para já, dizem-nos, enquanto vão pensar ainda melhor. Entretanto, já estão a ser adoptadas máquinas que permitem ver integralmente as pessoas que passam nos controles, tal como Deus as deitou ao mundo, pondo termo imediato a algumas resistências que ainda havia a tão eficaz sistema de verificação.
Leio uma minúscula notícia na revista Sábado que dá conta de que na cidade de São José, na Califórnia, os polícias passaram a andar com uma câmara de vídeo na cabeça, para que fiquem gravadas todas as abordagens que fazem aos cidadãos. O objectivo é poderem provar a todo o momento que nunca usaram de violência e assim se acabarem com as queixas contra…os polícias!
O Panóptico é um conceito de um edifício projectado por Jeremy Bentham, no séc XVIII, para construir uma prisão de tal forma que quem estivesse no seu interior tivesse a sensação de estar a ser vigiado durante todo o tempo, sem ver quem o observa nem saber em que momento é observado. Este modelo deu origem à expressão panoptismo para caracterizar os sistemas de observação total e que se aplica hoje ao potencial e utilização efectiva das novas tecnologias.
Ao tentar explorar um pouco o que poderia saber mais sobre este conceito, dei com um texto da faculdade de Ciências que se refere à transição da sociedade disciplinar para a sociedade de controlo, tratada por Foucault. Aí podemos ver já muito claramente desenhado o modelo de sociedade que hoje habitamos e que não nos cansamos de querer ver mais e mais aperfeiçoada, em nome da segurança, da economia ou, simplesmente, da mobilidade sem fronteiras.
A padronização de comportamentos ou a sua “normalização” são a condição de sucesso desta forma de organização, centrada no indivíduo e nos seus movimentos e atitudes e já não nos grandes movimentos sociais disciplinados pela força ou pela violência. Hoje, governa-se pelo controle, pela sedução da propaganda ou pelo medo, como quase todos os editoriais de fim de ano assinalaram como grande marca da evolução deste século. Reagimos à violência, ou ao risco dela, por mínima que seja, pedindo mais e mais controlo, mais e mais vigilância.
Não sei se será inevitável, aparentemente sim, mas o que trará certamente também é uma reavaliação do conceito de liberdade.

sábado, 2 de janeiro de 2010

Mal habituados...

Leio que o Bloco de Esquerda reagiu à canelada perante a notícia de uma queixa-crime de Paulo Teixeira Pinto contra Francisco Louçã. O BE considerou a queixa "uma ameaça sem significado e inaceitável, que pretende limitar a liberdade de expressão".

Sem significado pode ser, ante a inocência que commumente os tribunais atribuem à mais infamante das calúnias. Já dizer que a queixa é um atentado à liberdade, e ainda para mais inaceitável, só mesmo da cabecinha de quem se habituou a dizer tudo contra todos, sem que ninguém lhe cobre nada. Curiosamente, Louçã, que acusa o ofendido Teixeira Pinto de cercear a sua liberdade de expressão, é alvo da queixa por ter qualificado de "patusca" uma manifestação monárquica, ao que parece promovida por Paulo Teixeira Pinto, apelidando este de "banqueiro milionário" - o que em si mesmo não é grande ofensa, salvo para quem pense como os seguidores do BE - associado a tropelias no BCP.

Eis, pois, como para alguns as liberdades não devem ser iguais para todos. E eis também a prova de que quem se considera dono e senhor das liberdades, não tolera que os outros as defendam no próprio interesse.

Curiosidades...

Hoje foi dia de tranquilamente sentir a entrada de 2010. Um dia muito caseiro que nestas datas festivas também faz falta.
No meio de avalanches de notícias ininterruptas de tragédias e dramas a que os noticiários televisivos já nos habituaram, a que nem no início do Novo Ano somos poupados, eis que surge o inesperado, alguma coisa de agradável.
Lisboa nesta época do ano acolhe muitos turistas que como bons visitantes que são seguem à risca o roteiro turístico clássico das agências de viagens, especialmente quando o tempo de permanência não é muito.
Uma reportagem televisiva dava conta da concentração de turistas junto ao Mosteiro dos Jerónimos, esperando longas horas para entrar. Foram entrevistados vários turistas estrangeiros que não se pouparam a elogios a Lisboa. Quando se está de férias o tempo parece que não conta. A descontracção é grande e o importante é a boa disposição. Deixar as preocupações e as rotinas “lá fora” é uma regra de ouro.
Questionado um turista sobre o tempo de espera para fazer a visita, num tom a pedir uma reacção, pareceu-me, de ”poucos amigos”, eis que o homem com grande satisfação enalteceu o génio português e logo acrescentou que era realmente lamentável que a humanidade não quisesse resolver os atentados ambientais que estão a destruir o planeta com a vontade e o engenho que fez a união de esforços que permitiu a construção da extraordinária obra que é o Mosteiro dos Jerónimos. E disse!