O espetáculo estava marcado para ter início às vinte e uma horas na Casa da Cultura de Santa Comba Dão. No palco, as crianças, com os seus instrumentos musicais, aguardavam o momento de atacar, umas pacientemente, outras bocejando e muitas acompanhando o ritmo da música de fundo com um bater alegre e quente, contrastando com o frio que se fazia sentir lá fora. O tempo passava e a meia hora de “tolerância” já se tinha esgotado – Mas estamos à espera de quê? Perguntei face àquele inusitado quadro. – Do apresentador. Responderam-me. – Do apresentador? É a primeira vez que espero por um apresentador. O que é que estará a fazer? Às tantas deve andar à procura do gel, pensei. Sempre era um motivo mais do que aceitável do que imaginar que estivesse a ver o Benfica na televisão. Também me disseram que enviaram os miúdos para o palco porque, lá nas traseiras, estavam a portar-se menos bem. Aqui está um exemplo de como aplicar um castigo digno a uma filarmónica infantil. – Portam-se mal? Vão todos para o palco, e ficam aí sentados. Claro que terem ido para o palco não foi um castigo, já que é o local de excelência para os jovens artistas, mas sim terem de esperar pelo apresentador. In extremis, apareceu o simpático responsável pela apresentação com o cabelo empezinhado de gel. Afinal tinha razão, tanto andou que acabou por o encontrar.
O concerto arrancou e, surpreendentemente, as crianças e adolescentes da Filarmónica de São João Areias, com um à-vontade digno de registo, revelaram cuidados e sensibilidade musicais traduzidos na forma como interpretaram os diferentes temas. Um exemplo de como ser diferente em criança. Um dia, transformar-se-ão em adultos diferentes. Já irradiam cultura e é pena que muitos adultos não possam, ou não queiram, aprender com os jovens. Do míni concerto, com que mimosearam os presentes, destaco os temas musicais “A pantera cor-de-rosa” e o “What a Wonderful Word” de Louis Armstrong. O primeiro fez-me recordar o saudoso Peter Sellers, interprete sofisticado, atrevido e inteligente. As crianças da filarmónica, com apenas dois anos de aprendizagem de música, revelaram ser sofisticadas, atrevidas e inteligentes, verdadeiras “panteras cor-de-rosa”. Já afirmei que só se pode ser diferente em adulto se conseguirem ser diferentes em criança. Estamos perante a promessa de uma nova geração capaz de tornar mais “maravilhoso” o pobre mundo em que vivemos.
Mas o efeito cultural impregna, também, outros jovens, como foi o caso do Coro Mozart, em que a criatividade e a sensibilidade musicais provocaram uma sensação de bem-estar global. Cerca de cinco dezenas de jovens interpretaram vários temas, alguns com muita originalidade, fazendo ver que é possível distribuir e ofertar a beleza, desde a interpretação de uma musical tempestade até ao “Oh Happy Day”, contribuindo para uma noite feliz aos presentes.
No final, um realce particular para a elegância e “profissionalismo” do grupo Be Flat. Tranquilos e sedutores enriqueceram o espetáculo de uma forma particular, a que não foi alheio a preocupação em escolher alguns convidados, que enriqueceram, e muito, sob o ponto de vista coreográfico e artístico, a sua atuação.
3 comentários:
Deve ter sido bem um espectáculo bonito, talvez para a próxima o apresentador dispense o gel para não voltar a estragar o conjunto. Há já resultados muito interessantes do ensino da música às crianças e aos jovens, e nota-se um enorme interesse pelo domínio de um instrumento desde muito pequenos. Há tempos assisti à actuação dos "Violinhos", um grupo infantil que tocava já com muita arte, a Orquestra de jovens da escola de música de Espinho também fez uma actuação de grande nível, um pouco por todo o lado, com mais ou menos qualidade, a verdade é que, finalmente, a música integrou o nosso espaço educativo, na escola ou na sociedade.
É agradável ver que ainda há crianças e jovens interessados na cultura, no seu formato tradicional. Que em vez de passarem horas e horas em frente ao computador (e, claro, não me refiro a pesquisas nem outros trabalhos de cariz educacional), dedicam-se à música, ao canto, à declamação. Os seus pais estão de parabéns. Esses jovens estão de parabéns!
A forma maravilhosa como o caro Professor Massano Cardoso nos descreve este espectáculo, transporta-nos um pouco para a sua ambiência e, se formos ao youtube procurar as músicas que relata... quase que podemos jurar a pés juntos que lá estivemos.
;)
Pois a esperança de que os nossos jovens de hoje sejam os homens diferentes, inovadores, empreendedores de amanhã, é a verdadeira "batuta" que, na mão de pais, educadores, amigos, sociedade em geral, comanda e motiva a todos em busca do ideal que nos leve à construção de uma sociedade menos agressiva, mais consciente e altruísta.
Afinal... são sempre as gerações anteriores que vão preparando o caminho que a precedente irá trilhar, então, saibamos preparar o melhor caminho para eles.
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