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segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

"Reis solidários"

O espetáculo estava marcado para ter início às vinte e uma horas na Casa da Cultura de Santa Comba Dão. No palco, as crianças, com os seus instrumentos musicais, aguardavam o momento de atacar, umas pacientemente, outras bocejando e muitas acompanhando o ritmo da música de fundo com um bater alegre e quente, contrastando com o frio que se fazia sentir lá fora. O tempo passava e a meia hora de “tolerância” já se tinha esgotado – Mas estamos à espera de quê? Perguntei face àquele inusitado quadro. – Do apresentador. Responderam-me. – Do apresentador? É a primeira vez que espero por um apresentador. O que é que estará a fazer? Às tantas deve andar à procura do gel, pensei. Sempre era um motivo mais do que aceitável do que imaginar que estivesse a ver o Benfica na televisão. Também me disseram que enviaram os miúdos para o palco porque, lá nas traseiras, estavam a portar-se menos bem. Aqui está um exemplo de como aplicar um castigo digno a uma filarmónica infantil. – Portam-se mal? Vão todos para o palco, e ficam aí sentados. Claro que terem ido para o palco não foi um castigo, já que é o local de excelência para os jovens artistas, mas sim terem de esperar pelo apresentador. In extremis, apareceu o simpático responsável pela apresentação com o cabelo empezinhado de gel. Afinal tinha razão, tanto andou que acabou por o encontrar.

O concerto arrancou e, surpreendentemente, as crianças e adolescentes da Filarmónica de São João Areias, com um à-vontade digno de registo, revelaram cuidados e sensibilidade musicais traduzidos na forma como interpretaram os diferentes temas. Um exemplo de como ser diferente em criança. Um dia, transformar-se-ão em adultos diferentes. Já irradiam cultura e é pena que muitos adultos não possam, ou não queiram, aprender com os jovens. Do míni concerto, com que mimosearam os presentes, destaco os temas musicais “A pantera cor-de-rosa” e o “What a Wonderful Word” de Louis Armstrong. O primeiro fez-me recordar o saudoso Peter Sellers, interprete sofisticado, atrevido e inteligente. As crianças da filarmónica, com apenas dois anos de aprendizagem de música, revelaram ser sofisticadas, atrevidas e inteligentes, verdadeiras “panteras cor-de-rosa”. Já afirmei que só se pode ser diferente em adulto se conseguirem ser diferentes em criança. Estamos perante a promessa de uma nova geração capaz de tornar mais “maravilhoso” o pobre mundo em que vivemos.

Mas o efeito cultural impregna, também, outros jovens, como foi o caso do Coro Mozart, em que a criatividade e a sensibilidade musicais provocaram uma sensação de bem-estar global. Cerca de cinco dezenas de jovens interpretaram vários temas, alguns com muita originalidade, fazendo ver que é possível distribuir e ofertar a beleza, desde a interpretação de uma musical tempestade até ao “Oh Happy Day”, contribuindo para uma noite feliz aos presentes.

No final, um realce particular para a elegância e “profissionalismo” do grupo Be Flat. Tranquilos e sedutores enriqueceram o espetáculo de uma forma particular, a que não foi alheio a preocupação em escolher alguns convidados, que enriqueceram, e muito, sob o ponto de vista coreográfico e artístico, a sua atuação.

Uma noite em que jovens príncipes, imbuídos de um espírito de solidariedade real, souberam dar uma lição de verdadeira cultura aos presentes e, sobretudo, aos ausentes. Sim, porque nestas coisas, o velho ditado segundo o qual “Dá Deus nozes a quem não tem dentes”, poderia ser substituído por um outro “Dá a Juventude cultura a quem não tem sensibilidade”...

3 comentários:

Suzana Toscano disse...

Deve ter sido bem um espectáculo bonito, talvez para a próxima o apresentador dispense o gel para não voltar a estragar o conjunto. Há já resultados muito interessantes do ensino da música às crianças e aos jovens, e nota-se um enorme interesse pelo domínio de um instrumento desde muito pequenos. Há tempos assisti à actuação dos "Violinhos", um grupo infantil que tocava já com muita arte, a Orquestra de jovens da escola de música de Espinho também fez uma actuação de grande nível, um pouco por todo o lado, com mais ou menos qualidade, a verdade é que, finalmente, a música integrou o nosso espaço educativo, na escola ou na sociedade.

Catarina disse...

É agradável ver que ainda há crianças e jovens interessados na cultura, no seu formato tradicional. Que em vez de passarem horas e horas em frente ao computador (e, claro, não me refiro a pesquisas nem outros trabalhos de cariz educacional), dedicam-se à música, ao canto, à declamação. Os seus pais estão de parabéns. Esses jovens estão de parabéns!

Bartolomeu disse...

A forma maravilhosa como o caro Professor Massano Cardoso nos descreve este espectáculo, transporta-nos um pouco para a sua ambiência e, se formos ao youtube procurar as músicas que relata... quase que podemos jurar a pés juntos que lá estivemos.
;)
Pois a esperança de que os nossos jovens de hoje sejam os homens diferentes, inovadores, empreendedores de amanhã, é a verdadeira "batuta" que, na mão de pais, educadores, amigos, sociedade em geral, comanda e motiva a todos em busca do ideal que nos leve à construção de uma sociedade menos agressiva, mais consciente e altruísta.
Afinal... são sempre as gerações anteriores que vão preparando o caminho que a precedente irá trilhar, então, saibamos preparar o melhor caminho para eles.