1. Em notável artigo (mais um) publicado na edição de ontem do Financial Times, Martin Wolf vem chamar a atenção para o período muito difícil que a Zona Euro deverá experimentar nos próximos anos.
2. Nesse artigo, intitulado “Why the eurozone has a tough decade to come”, Wolf põe em evidência a situação crítica dos países membros da Zona que se encontram mais endividados – o “arco da dívida” como lhes tenho chamado – nos quais inclui a Grécia, a Espanha, a Irlanda e Portugal como casos mais complexos.
3. Esses países, segundo a expressão de Wolf, deixaram-se apanhar numa “armadilha” complexa, cujos contornos serão os seguintes:
- Alto ou altíssimo nível de endividamento público e privado;
- Elevados défices das contas com o exterior e agora também das finanças públicas;
- Fortes perdas acumuladas de competitividade dentro da própria Zona e em relação ao exterior, neste último caso agravadas pela acentuada valorização do Euro nos últimos anos;
- Inexistência de outros mecanismos de ajustamento e de correcção dos graves desequilíbrios estruturais (que estão disponíveis quando os países têm moeda própria)...a não ser mais recessão, mais desemprego e cada vez maior sacrifício dos padrões de vida;
- Inexistência de mecanismos de apoio ao nível da Zona, significando que todo o esforço de ajustamento terá de ser feito pelos países em dificuldades.
4. Curiosa a passagem em que Wolf faz o seguinte comentário “Alguns pretenderam que, no contexto de uma zona monetária, o défice externo não interessaria mais do que o desequilíbrio entre Yorkshire e Lancashire (ou entre o Mississípi e o resto dos USA numa versão nossa conhecida...). ESSES ESTÃO ENGANADOS...Os países com défices externos numa zona monetária são emissores de dívida para o resto do mundo...e o que acontece se os titulares dessa dívida decidirem aliena-la ou deixar de a comprar?...A resposta é - uma recessão”.
5. Wolf assinala ainda que a mobilidade das pessoas dentro do mesmo país, em busca de emprego, é relativamente fácil. Mas já é bem mais difícil essa busca quando implica atravessar fronteiras (pouco importa se fora ou dentro da mesma zona monetária).
6. A este último respeito, exemplifica com o caso da Espanha onde o desemprego está quase em 20% da população activa, com 4 milhões de desempregados, dizendo que o governo espanhol não pode obviamente recomendar aos seus cidadãos que procurem trabalho noutras regiões da Zona Euro onde a situação seja melhor...
7. Não existe mesmo alternativa a uma recessão estrutural profunda e prolongada, nos países do tal “arco da dívida”, para se libertarem da armadilha em que se deixaram cair quando aderiram ao Euro sem terem a noção do passo que estavam dando...
8. Ainda recordo os foguetes lançados na época da adesão ao Euro, em 1999, das proclamações de sucesso e da euforia gastadora que se lhe seguiram, numa manifestação de claro desconhecimento do que estava a passar-se....
9. Agora estamos nesta enigmática situação de termos de nos libertar de uma dívida que cresce todos os dias a um ritmo imparável...como é que isto se faz sem ilusionismos?
10. E nada adianta dizer que a culpa é dos bancos...a culpa é na realidade de todos os que não entenderam o significado da adopção do Euro – e ainda hoje não entendem, como se deduz das opções de política fundamentalmente erradas que vão sendo tomadas.
11. Mas não é de culpas que agora importa falar, agora trata-se, ou deveria tratar-se de arrepiar caminho, quanto antes, para que o Euro do nosso desencanto não venha a transformar-se no Euro do nosso sofrimento...
8 comentários:
Dr. Tavares Moreira,
Estou a ouvir o nosso Primeiro-Ministro queixando-se "daqueles que causaram a crise [a banca] sejam agora aqueles que se vêm queixar da actuação do estado". Como se vê nada de novo, ao nível do discurso ideológico.
Já a António Mendonça, uns minutos antes, tinha ouvido anunciar a introdução de portagens em todas as autoestradas SCUT, a bem da "equidade" nacional. É apenas uma gota, é certo, mas é uma mudança de discurso. Pareceu-me, de igual forma, que a lamentação oficial quanto ao atraso do processo NAL, tem efeitos "úteis" no orçamento de investimentos do ministério (-10%/-15%) o que não deixa de ser curioso por contradizer o discurso do "esforço de investimento do estado que é um dever do governo em situação de crise económica". Neste contexto, não me espantaria que, entretanto, o processo TGV Lisboa-Porto sofresse alguma alteração de "última hora" no sentido de embaratecer o projecto.
Em qualquer caso, e retomando um diálogo anterior, não chegam a ser "bicos".
Tal é a ressaca!!!...
Foi tal o encantamento
pelo euro adornado
criando deslumbramento
neste país depenado!
Tantos anos jubilares
com quimeras prazenteiras,
as tradições seculares
de repetidas besteiras.
A mudança oratória
deixando o ilusionismo
é vital e probatória
para abolir o cinismo.
Caro Tavares Moreitra:
Com todo o respeito pelo Mr. Martin Wolf, a substância do que ele diz há muito que vem sendo dita, redita e insistentemente referida aqui no 4R.
Admito que os textos do FT tenha mais repercussão do que os da Quarta República. Mas não têm mais verdade nem sãomais fidedignos.
De qualquer forma, creio que o Governo lhes dá exactamente a mesma importância: zero!...
Enfim, é a vida!...
Concordo com Pinho Cardão.
Caro Tavares Moreira
O artigo do Sr Wolf reproduz o que pensa uma parte dos decisores europeus.
Convinha encarar esta perspectiva com um grão de sal.
Uma parte da crise em que se encontram estes países está directamente ligada com a exuberância consumista dos países do norte: uma parte do buraco foi para financiar as segundos e terceiras residências dos países do norte. Nesse sentido, se poderá compreender a posição da Sra Merkel ao considerar que os países em crise não podem ficar sem o apoio da União Europeia.
O afirmado acima não pode obnubilar a irresponsabilidade dos governos dos países do "arco da dívida" nem, sequer, esconder o lhano facto que, alguns membros da união monetária, participarem, na mesma, com reserva mental; ou , para ser mais simpático, possuirem um entendimento diferente do espírito e letra da união monetária.
A crise em que nos encontramos e o modo como está a ser gerido pela união demonstra as fragilidades da mesma e explica em boa medida a relativa fraqueza do euro.
Existe uma ambiguidade nas posições dos diferentes responsáveis face ao problema grego, ora batem, ora dão palmadinhas nas costas.
Denota-se uma enorme falta de ideias para solucionar a situação, ora se propõe que seja o FMI, ora que sejam as instâncias comunitárias, ora que sejam os próprios a solucionar os seus problemas.
Esta ambiguidade pode ser fatal nestes momentos de crise.
Cumprimentos
joão
Caro Eduardo F.,
Discursos de políticos...que crédito poderão ainda merecer-nos?
Em relação às SCUT's, vamos ver no que vai dar essa intenção de portajar as SCUT's que em relação a algumas (A28 por exemplo) tem vindo a ser anunciada e adiada há 2 anos pelo menos...
Quanto ao discurso da culpa dos bancos, sem prejuízo de reconhecer que os bancos embarcaram no folclore do Euro convencidos de que estavam a cometer uma grande proeza, parece-me que esse discurso é mais um gesto de "esperteza" para alijar a responsabilidade de que quem está na 1ª linha de responsabilidade...e continua, aliás, a trabalhar afincadamente para fomenatr a crise...
Caro Manuel Brás,
Certeira, muito certeira essa magnífica poesia de intervenção socio-política...
Caros P. Cardão e Tonibler,
Eu também concordo, é claro...mas Pinho Cardão temos de convir que os artigos do Snr. Wolf sempre terão um "poucachinho" mais eco que os nossos Posts editados neste espaço do 4R...
Totalmente de acordo quanto à irrelevância de uns e de outros no plano das decisões políticas no nosso burgo, as quais continuam a ser ditadas pelo irreprimível impulso para o erro...
Caro João,
Sempre judicioso o seu comentário.
A minha percepção, na esteira aliás da opinião de Wolf, é de que estes problemas acabarão por ser superados...mas com custos que poderão chegar a ser "arrepiantes" para alguns dos páíses do Arco da Dívida.
Veja as notícias de hoje quanto à evolução da taxa de desemprego, a caminho de 11%...será este um dos "sinais claros de retoma" de que há dias se ouviu falar?
Caro Tavares Moreira,
A solução passa por pagar a dívida, ou pode já nem isso ser suficiente? Sugere Wolf que se volte atrás no Euro e se volte a atribuir moeda e soberania financeira a cada país?
Caro André,
Wolf sugere uma coisa bem simples: que se aperte o cinto.
Claro está que se refere aos países do famoso "Arco da Dívida", onde ocupamos um lugar muito honroso.
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