Já nem as estações do ano escapam à garra normalizadora que tomou conta das sociedades e se pretende impor às nossas vidas.
Se no Inverno um dia está um pouco mais frio, neva e o vento assobia forte, e no verão acontece uma débil vaga de calor, logo a comunicação social bem pensante se sobressalta, que a média e a mediana não estão a ser cumpridas, procurando porventura a punição adequada e politicamente correcta a conduta tão desviante.
Foi o caso, hoje, de uma entrevista feita por uma jornalista da Antena 1 ao Director do Instituto de Meteorologia Nacional, que tive o masoquismo de ouvir no carro até ao fim, e em que pretendia explicações para tão profundos e alarmantes desvios da média, como é o friozito que se vai sentindo, ou o “excesso” de tornados que, segundo ela, se verificaram no país, ou as piores chuvas do século XXI…
Como se uma média fosse um valor absoluto e não uma resultante de valores diversos e como se tudo evoluísse segundo a mesma linha de continuidade, constante, uniforme, imutável.
No fim e no fundo, é isso o que eles pretendem: uma sociedade gerida por um big-brother normalizador, que preveja e nos evite os tornados, como a jornalista perguntava e queria, mas em troca se encarregue definitivamente de nós. E das nossas consciências. Para não termos qualquer trabalho. Nem o de pensar!...
Se no Inverno um dia está um pouco mais frio, neva e o vento assobia forte, e no verão acontece uma débil vaga de calor, logo a comunicação social bem pensante se sobressalta, que a média e a mediana não estão a ser cumpridas, procurando porventura a punição adequada e politicamente correcta a conduta tão desviante.
Foi o caso, hoje, de uma entrevista feita por uma jornalista da Antena 1 ao Director do Instituto de Meteorologia Nacional, que tive o masoquismo de ouvir no carro até ao fim, e em que pretendia explicações para tão profundos e alarmantes desvios da média, como é o friozito que se vai sentindo, ou o “excesso” de tornados que, segundo ela, se verificaram no país, ou as piores chuvas do século XXI…
Como se uma média fosse um valor absoluto e não uma resultante de valores diversos e como se tudo evoluísse segundo a mesma linha de continuidade, constante, uniforme, imutável.
No fim e no fundo, é isso o que eles pretendem: uma sociedade gerida por um big-brother normalizador, que preveja e nos evite os tornados, como a jornalista perguntava e queria, mas em troca se encarregue definitivamente de nós. E das nossas consciências. Para não termos qualquer trabalho. Nem o de pensar!...
18 comentários:
Caro Pinho Cardão
Mais do que uma lógica normalizadora, é sintoma de ignorância genérica e ausência de conhecimentos básicos de matemática.
Como diz um professor de agronomia meu conhecido, as temperaturas médias não existem...ou são mais ou menos, era bom explicar isso aos srs jornalistas, já que, Portugal, é proibido denunciar a ignorância alheia...
Cumprimentos
joão
Pois então?! Se no parlamento se tornou "moda" apresentar pomposamente médias e estatísticas e acreditar que com esses números se resolvem as crises... ou se denunciam antigas decisões indevidamente tomadas e se prognosticam futuras recuperações... não resta aos media outra formula mais eficaz para credibilizar o seu "trabalho", ganhar audiências e atingir objectivos, que ... atirar "pasadas" de números e valores para cima daqueles que por dever de oficio, são "obrigados" a ter de mínimamente explicar, aquilo que se explica por si mesmo.
IMPORTANTE seria, penso eu, entrevistar tambem as autoridades da protecção civil e os responsáveis municipais, e dar a conhecer às populações o que devem fazer e quem devem contactar se por ventura ecessitarem de ajuda ou de esclarecimentos, em caso de serem vítimas de intempérie, apesar de, esse trabalho dever ser de iniciativa das entidades responsáveis, mas, uma vez que o clima anda doidjão, seria bom prevenir para mais tarde não ter de remediar aquilo que poderá não ter remédio.
Não houve um país dos confins de África onde um governante de má memória (enfim, é pena não pertencer já à memória mas sejamos optimistas e falemos desta forma) decretou o fim duma epidemia de cólera? Pois não há mais a fazer do que replicar tão sábias determinações e mandar publicar no ilustre Diário da Républica a proibição legal à ocorrência de fenómenos meteorológicos extremos. Fica desta forma garantida a normalização orwelliana do tempo.
(a uma entrevista non-sense só se pode responder com identico non-sense)
Tem razão, caro Pinho cardão, só por masoquismo é que se seguem esses comentários. É ridículo o que se ouve sobre o clima, ontem ouvi que foi o dia mais frio deste milénio...É obra!Chamaram-me há dias a atenção para que esta fúria normalizadora para meter o tempo nos eixos começou por querer criar o pânico do aquecimento global, a mostrar desertos sem fim e incêndios "nunca vistos". Mas depois chegou o Inverno rigoroso (certamente menos do que o de agora, e mais do que o anterior...) e mudaram a linguagem para "mudanças climáticas", sempre é mais abrangente. E o que é mais interessante é que querem resultados JÁ! Vai ver que daqui a uma década o tempo já nos obedeceu...
Quando li o seu post, lembrei-me de um pequeno diálogo que Diogo Relvas teve com o seu filho (no livro “Barranco de Cegos” de Alves Redol que acabei de ler há 2 dias):
Diogo Relvas: - “O jornal foi uma invenção desgraçada, podes crer. Sabe-se de mais o que vai pelo mundo... E só os maus exemplos têm eco.
Filho: - “É uma fatalidade do tempo.
D.R. – Lá vêm vocês com as fatalidades. As fatalidades somos nós que as preparamos e consentimos. Com a nossa inércia...”
O que me chamou a atenção foi “Com a nossa inércia...” – Os portugueses estavam “inertes” no séc. XIX, continuaram no séc. XX e... pelo andar da carruagem... continuarão no decorrer do séc. XXI...
A Natureza manifesta-se de várias formas, umas mais violentas que outras, mas com a nossa ajuda talvez daqui a uns séculos se torne mais amigável, mais ‘soft”...se a nossa atitude começar a ser o contrário de “Para não termos qualquer trabalho. Nem o de pensar!...”
Caro Pinho Cardão,
então tenho o livro para ideal para si (se é que ainda não leu). O Cisne Negro, do homem mais odiado das finanças modernas, Nassim Nicholas Taleb. (para os mais dados a "piratadas" está o audiobook na gigapedia, em inglês, mas há em português por 21€) sobre a naturalidade dos eventos extremos e da forma como a nosso raciocínio individual e colectivo tende a ignorá~lo.
Caro Tonibler:
Não, não li, mas aguçou-me a curiosidade, pelo tema e pelas características que refere do autor.
Não sei como aí se definem eventos extremos, mas o frio que se nota e a chuva que caiu não caem com certeza nesse domínio.
Parecem-me mesmo coisa muito normal para o inverno português.
Mas o livro, irei procurá-lo!...
Caro Pinho Cardão,
É absolutamente ridícula a figura que fazem os adivinhadores da meteorologia (a mais de 10 dias) e, em particular, os adivinhadores do clima.
Um dos exemplos mais elucidativos de que tenho conhecimento pode ser visto aqui a propósito da vaga de frio que se abateu sobre o Reino Unido (num Inverno que o MET previa ser mild). São seis minutos hilariantes, seis minutos do que deveria ser a atitude saudável de um entrevistador (e de uma televisão). Seis minutos, enfim, que nos podem ensinar, não a ser cínicos, mas a ter uma saudável atitude céptica perante as catástrofes anunciadas, nomeadamente aquelas com que nos pretendem fazer aceitar como inevitável o gastar milhares de milhões.
PS - Partilho a recomendação que lhe endereçou Tonibler a propósito do "Black Swan". Livro notável que em minha opinião os macroeconomistas, muito em especial, acharão útil.
Caro Pinho Cardão,
Convém separar as questões da meteorologia (que estuda os fenómenos atmosféricos) das questões do clima (que estuda o padrão desses fenómenos em séries suficientemente alargadas de tempo, tipicamente trinta anos).
Assim sendo o clima é tipicamente uma ciência estatística, o que implica necessariamente usar as abstracções estatísticas.
Se lhe disserem que o frio que se sente por aqui é simultâneo com anomalias de mais de cinco graus no Nordeste do Canadám (http://ambio.blogspot.com/2010/01/pontos-de-vista-sobre-o-rigor-do.html) estamos a falar ainda de meteorologia.
E se alguém explicar que isso provavelmente pode estar relacionado com um desvio anormal da corrente quente do Golfo, continuamos na discussão de um fenómeno concreto num determinado momento, tipicamente meteorologia.
Mas se quisermos perceber as razões desse desvio, parece-me evidente que é necessário perceber em que é que esse desvio se destaca da norma, em que é que as condições concretas de hoje se destacam da norma e se, questão central, se trata de um desvio pontual sem nenhuma consequência, ou, pelo contrário, se trata da resposta a alterações da norma.
Claro que podemos sempre seguir cantando e rindo sem querer perceber o mundo que nos rodeia. Nessas circunstâncias a definição da norma climática é irrelevante.
henrique pereira dos santos
Caro Henrique Pereira dos Santos:
Concordar com o que diz no que respeita à distinção entre meteorologia e clima não me custa nada. Embora não seja perito, admito que seja mesmo essa a definição das duas realidades. E são sempre elucidativos os seus esclarecimentos e pontos de ordem.
Agora o que eu não percebo e, por mais que me esforce, não consigo perceber, porque muitos falam mas ninguém demonstra, é onde é que, na neve que hoje está a cair na Guarda e em Viseu, nas chuvadas que, em Janeiro, mês de inverno, têm caído em Portugal, e no relativo frio que faz, está uma alteração da "norma", para usar as suas palavras.
Devo ter-me explicado mal.
Nenhum evento isolado pode permitir conclusões sobre a norma, portanto nada deste frio e neve permite concluir sobre o que está a acontecer à norma.
Repare que o que eu digo é que é preciso conhecer a norma para reconhecer a anomalia. E que é a análise da anomalia (ou melhor, de uma série suificientemente grande de anomalias) que permite reconhecer a alteração na norma.
Para além disso expliquei de neste caso há um fenómeno invulgar (nesse sentido, fora da norma) que é o desvio para Norte da corrente quente do Golfo (a confirmar-se o fenómeno e a confirmar-se a ligação entre este fenómeno e o frio que sentimos aqui). E que é importante tentar perceber as razões que provocam esta anomalia (não o vento e chuva, demasiado episódico e localizado, mas o desvio da corrente do Golfo) para tentar perceber em que medida é um desvio à norma dentro dos padrões normais da imensa variabilidade meteorológica, ou é uma resposta do sistema climático à alteração da norma (o que é uma hipótese que não pode sem mais nem menos ser assumida como verdadeira).
henrique pereira dos santos
Caro Henrique Pereira dos Santos:
Ora aí está uma informação esclarecedora. Obrigado.
Caro Dr. Pinho Cardão,
Para quem tenha estudado matemática elementar, é conhecido que, num espaço vectorial, se entende por norma o comprimento de qualquer um dos seus representantes (vectores).
O indisputável significado de norma de um vector não tem qualquer paralelo, quanto ao significado de norma no sentido que Henrique Pereira dos Santos (HPS) lhe deu no seu comentário, opondo-o a "anomalia". E isto porque, na matéria em referência, a norma é função do intervalo de tempo sobre o qual temos informação.
Assim, a "norma" obtida ao longo de uma década, pode ser infirmada pelo alargamento da observação a, digamos, 50 anos. Pelo que, em caso de refutação, as "anomalias" deixam de o ser e, quiçá, num espaço de tempo longo (p. exemplo 100 mil anos), aquilo que numa escala reduzida especulamos ser uma "anomalia" pode bem ser, numa escala alargada, a "norma".
O Prof. Bob Carter, no contexto do debate sobre o "aquecimento global", responde à pergunta que ele próprio formula com uma resposta curiosa.
A pergunta é: «está a temperatura do planeta a aumentar ou a diminuir?» Resposta: it depends!. Depende da escala de tempo com que estejamos a trabalhar. A "norma" é, assim, muito variável, muito pouco "vectorial".
Caro Eduardo F.:
Espaços vectoriais serem matemática elementar, meu caro Eduardo F., eu não ousaria dizer tanto!...Sei bem o que me custou entrar na matéria no 2º ano de Económicas, na cadeira de Cálculo, regida pelo Prof. Albuquerque, uma cadeira em que só 10% passavam em cada ano...
Sabe, estamos no tempo do imediato, do já. Perante isso, o tempo de vida da terra e das grandes transformações pouco contam. Segundo me pareceu ouvir na entrevista, séries de 30 anos no clima já são consideradas adequadas para medir desvios e tendências. Claro que em termos de vida na terra não têm qualquer significado.
Infelizmente o que me parece é que muitos "cientistas" tiram a priori determinadas conclusões e depois constroem as estatísticas e as séries mais favoráveis para lhe dar algum crédito.
Assim, e estando de acordo consigo, o que séries de 100 anos não provam séries de 10 anos podem provar. Provar?
caro Pinho Cardão,
Essa das séries de 100 anos para as de 10 anos, levam-me a mais dois livros:
O (mau) comportamento dos mercados - Benoit Mandelbrot
How nature works - Pier Bak
São dois livros de divulgação sobre os novos conceitos de "randomness" na nova matemática (mais uma vez impulsionada pela física mas também, desta feita, pelas finanças).
Pelos seus últimos comentários, vai gostar...
excelente conversa esta que aqui ocorre a propósito da metereologia e da alterações climáticas, e que ajuda a compreender muito do linguarejar com que somos atrofiados todos os dias e permite distinguir o que devemos ouvir com atenção e o que é simplesmente parte da socieade do medo.
Oh Tonibler, muito obrigado!...
Com tanto livro até me torno mestre de Bolonha...
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