O artigo de Maria Filomena Mónica do Público de Domingo - Caíu-me um "menor em risco" no Colo - é a viva imagem do desespero de alguém que quer fazer alguma coisa por imperativo de consciência e esbarra inexoravelmente com a indiferença - ou a lamentável impotência - dos organismos que deviam (ao menos) colaborar. Trata-se da narrativa minuciosa das diligência efectuadas pala autora do artigo para encontrar um sítio de acolhimento para uma criança em risco. Uma história impressionante, não só pela absoluta frustração das tentativas em si mas também pelo percurso de silêncios e indiferença que conduziu a uma situação como a que descreve - a situação da mãe, surda muda que vive ao abandono e à mercê das piores agressões, um miúdo que cresce ao Deus dará e que mesmo assim frequenta a escola da aldeia. Deixa de ir às aulas por se sentir excluido e mal visto pelos colegas e, pelos vistos, também pelos professores. Abandonou a escola sem que alguém se preocupasse com isso, terá até sido um alívio...
Pois o que Maria Filomena Mónica relata é que julgou ser possível ajudar o rapaz, agora com 14 anos, a encontrar quem o acolhesse e ajudasse a encontar um caminho. Entre lista telefónica, telemóveis, faxes e sucessivos contactos, oficiais e pessoais, vai sendo "empurrada" de seca para meca, com o apoio algo tímido de uma assistente social que lhe diligicenciou os papéis que iam sendo enunciados como necessários. Sem êxito, porém. "Aqui não", "volte mais tarde", "afinal não pode", além de inúmeros psicólogos, sociólogos, assistentes sociais, comissões de apoio, institutos e o que mais se possa imaginar, tudo em vão.
- Não é assim tão fácil o que deseja, logo se vê.
Para além da história em si e da crua realidade dos factos descritos, o que impressiona no artigo é que ninguém, mas ninguém, resolveu assumir a resolução do problema, quanto mais não fosse por ser mais fácil uma instituição, ou uma comissão ou o que se lhe queira chamar ter, em princípio, mais facilidade e conhecimento de quem e onde se devia ocupar do assunto. Mas não, assiste-se a um inacreditável lavar de mãos, com motivo ou sem ele, de modo a que tudo fique de consciência muito tranquila - e o garoto à deriva.
É o país de faz de conta na sua versão mais triste, porque não se consegue apurar um "culpado" mas consegue-se sentir com uma lâmina a fragilidade das aparências institucionais e a impotência de quem resolve intervir.
1 comentário:
Li o artigo, e fiquei, também, impressionadíssimo. Há nele, contudo, uma frase que me parece importante: é quando Maria Filomena Mónica diz que o que pretende é um lugar para o garoto, não reformar o país. Por muito compreensível que seja - e eu próprio, por vezes, a partilho - é por mudar essa atitude que temos de começar.
Tanto mais que suspeito não ser completamente verdade...
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